quinta-feira, 4 de março de 2010



A CAMPANHA DA FRATERNIDADE VISTA POR DOIS CATÓLICOS


Valter de Oliveira



Nosso amigo leitor já leu em nosso blog artigos de Aleksandro Clemente e Percival Puggina. O primeiro, bastante jovem, é um grande batalhador católico em defesa da vida. Conheço-o pessoalmente e espero que nossa jovem amizade cresça cada vez mais. O segundo é um veterano na defesa da fé, da liberdade e da democracia. Como ele mora no Rio Grande do Sul só tenho o prazer de ler seus artigos. Também o considero um amigo que gostaria de abraçar.

Para surpresa minha, ao ler seus artigos nesta semana, vi que abordaram a Campanha da Fraternidade de modo diferente. Aleksandro mostra o que vê de positivo. Puggina vê perigo no modo como a CNBB aborda o tema da economia e da justiça social. Terá razão? Leiam e tirem suas conclusões. Ou aguardem eventual resposta do Vaticano...





FRATERNIDADE, ECONOMIA E VIDA






Aleksandro Clemente


03/03/2010


Mais uma vez a Igreja brinda o povo brasileiro com uma importante reflexão. Nesta quaresma, tempo de penitência e conversão, a Campanha da Fraternidade (CF) aborda o tema: Economia e Vida, com o lema: "Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro" (Mt. 6,24). A campanha ressalta, mais uma vez, a importância de defendermos a vida e a dignidade do ser humano, bens que estão acima de todos os outros, inclusive dos bens materiais que por ventura o dinheiro possa comprar. Lembra-nos a palavra: "Cuidado! Guardai-vos de toda ganância; não é pelo fato de um homem ser rico que ele tem a vida garantida pelos seus bens" (Lucas 12,15).


A CF deste ano ensina que a economia deve ser orientada antes de tudo para o bem comum e que não se deve aceitar um modelo econômico que vise em primeiro lugar o lucro, sem se importar com as pessoas. Segundo os dados apresentados pela CNBB, chegaremos ainda este ano a 1,02 bilhões de pessoas passando fome (ONU); há no Brasil mais de 10 milhões de indigentes e mais de 40 milhões de pobres (IETS). Esses números mostram que a pobreza e a exclusão social atingiram índices intoleráveis e incompatíveis com a fraternidade cristã. Não é possível ao cristão ficar indiferente a essa situação que reforça a desigualdade e amplia o abismo existente entre ricos e pobres. O pior é saber que toda essa pobreza não é obra do acaso, mas o resultado de opções por modelos econômicos intrinsecamente injustos.


A Igreja lembra-nos que a sociedade precisa se guiar para a prática de uma economia de solidariedade, de cuidado com a criação e de valorização da vida como o bem mais precioso. Para isso é preciso investir na relação entre as pessoas; a economia deve estar a serviço do ser humano e deve-se dar oportunidades iguais para todos. Não por acaso a Campanha da Fraternidade desde ano é ecumênica, para conclamar todas as Igrejas, todas as religiões e a sociedade em geral para ações sociais e políticas que levem à implantação de um modelo econômico de solidariedade e justiça.


Ser rico não é pecado, desde que os bens tenham sido conquistados com honestidade. Mas a avareza e a indiferença para com o irmão necessitado são algumas das piores ofensas que se pode praticar contra Deus e contra o próprio homem.



Dr. Aleksandro Clemente é Advogado, Professor de Direito e Bioética em São Paulo. Pós-graduado em Direito pela Universidade Mackenzie e em Governo e Poder Legislativo pela UNESP. É membro da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB/SP e Coordenador da Comissão de Bioética e Defesa da Vida da Diocese de São Miguel Paulista

Blog: http://aleksandroclemente.blogspot.com

Msn: dr.aleksandro@hotmail.com

E-mail: aleksandroclemente@hotmail.com





ERROS DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE





Percival Puggina


Entristece-me o fato de a CNBB jamais esclarecer que ela não é a Igreja Católica. A CNBB é um ente burocrático, um órgão de apoio, de auxílio aos bispos. No entanto, o silêncio sobre sua verdadeira natureza faz com que, entendida como “a” Igreja Católica (algo infinitamente superior ao que a CNBB de fato é), ela se misture e nivele a outras organizações da sociedade (OAB, ABI, CUT, MST, etc. e tal). É uma pena.

A minha consternação se agrava, contudo, pela reiteração de certos equívocos que ficam bem nítidos na atual Campanha da Fraternidade. Um deles está na confusão entre os campos da Economia e da Política. Os documentos da CNBB são useiros e vezeiros em misturar essas duas esferas da atividade humana, atribuindo à primeira aquilo que é próprio da segunda. Como consequência, pretendem conferir aos agentes econômicos obrigações inerentes às instituições políticas. Trata-se de uma desatenção ao próprio pensamento católico, que reconhece a autonomia das duas esferas. De um sistema econômico se espera que produza, ao máximo de suas possibilidades, riqueza, desenvolvimento, postos de trabalho, tributos e renda, ou seja, condições materiais para a melhoria dos padrões de vida da sociedade. É o que pede a Campanha da Fraternidade de 2010? Não. Ela, enquanto aponta idolatrias e excessos que todos condenam, quer que o sistema econômico nacional, priorizando a partilha e a solidariedade, rejeite as exigências do mercado, do consumo e do lucro. E gere empregos e tributos com penitência e oração?

Toda consciência bem formada se revolta com as tragédias da pobreza material, feitas de analfabetismo, baixo nível educacional e cultural, más condições habitacionais e sanitárias, abandono dos aposentados. Feitas também por corrupção, esbanjamentos, mordomias, absurdos desníveis na remuneração do serviço público e maus governos. Não é com a superação desses embaraços que venceremos a miséria e os desníveis sociais? Pois é tudo campo da Política! Miséria e desníveis sociais são temas para os poderes públicos, que se apropriam de 40% do PIB nacional! As justas preocupações com partilha e solidariedade deveriam focar, principalmente, essa brutal ruptura com o Princípio da Subsidiariedade. É grave erro da Campanha não dizer que os problemas do Brasil são muito mais políticos do que econômicos. Muito mais institucionais do que empresariais. Bons governos, com boas políticas, enfrentam essas dificuldades valendo-se da competente operação do setor privado.

Outro erro, ainda, está na influência marxista que se derrama sobre boa parte dos documentos da CNBB. Neles, o pobre, o pobre do Evangelho, sob influxo da mais do que reprovada Teologia da Libertação (TL), vira excluído. E fica subentendido que o excluído está excluído porque o incluído não o quer dentro. Assim, o apelo evangélico à caridade se converte em luta de classe. E saiba leitor, que Bento XVI, ainda agora, no dia 5 de dezembro, olho no olho, advertiu os bispos brasileiros do Sul III e IV contra “os princípios enganadores da TL” e para “o perigo que comporta a assunção acrítica, feita por alguns teólogos, de teses e metodologias provenientes do marxismo, cujas sequelas mais ou menos visíveis, feitas de rebelião, divisão, dissenso, ofensa e anarquia fazem-se sentir ainda, criando, nas vossas comunidades diocesanas, grande sofrimento e grave perda de forças vivas”. Será preciso dizer mais?

ZERO HORA, 28/02/2010




CARTA À CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ


Percival Puggina

Senhores,

Na condição de fiel leigo, atuante em movimentos da nossa Igreja Católica, levo a essa nobre Congregação a minha inconformidade perante o que vem acontecendo na Conferência dos Bispos do Brasil. Os fatos não são estranhos ao conhecimento de Sua Santidade, o Papa Bento XVI. Falando aos bispos brasileiros do Sul III e IV, em visita ad limina, no dia 5 de Dezembro do ano passado, ele usou palavras muito claras ao adverti-los contra “os princípios enganadores da Teologia da Libertação” e para “o perigo que comporta a assunção acrítica, feita por alguns teólogos, de teses e metodologias provenientes do marxismo, cujas sequelas mais ou menos visíveis, feitas de rebelião, divisão, dissenso, ofensa e anarquia fazem-se sentir ainda, criando, nas vossas comunidades diocesanas, grande sofrimento e grave perda de forças vivas”.

Pois bem, nestes dias quaresmais, está em curso uma nova Campanha da Fraternidade, desta feita ecumênica, sob cujas sombras brilham citações evangélicas e sob cujas luzes se insinuam leituras marxistas da realidade social brasileira, afinadas com aquela reprovada subteologia.

Soma-se a tais distorções, na Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010, um profundo desconhecimento das autonomias inerentes a duas esferas da atividade humana – a da economia e a da política. Assumindo critérios de interpretação próprios do marxismo, ela busca atribuir à economia de mercado tarefas que são próprias da política – esta sim, responsável pelos principais fatores que dão causa à miséria e às profundas desigualdades sociais do nosso país: analfabetismo, baixo nível intelectual, péssimo sistema educacional, deficiências culturais, má distribuição de renda, políticas monetárias, desníveis salariais do setor público, apropriação de 40% do PIB nacional pelo Estado, corrupção, descontrole do gasto público, bem como mordomias, luxos e prodigalidades custeados com recursos dos contribuintes. Não, não é a economia de mercado que dá causa aos problemas sociais brasileiros. É da má política e da inadequação de nossas instituições que tais males derivam.

Muito conviria a essa Congregação conhecer o desconforto e a rejeição suscitada pela atual Campanha, que, de modo solerte, confunde idolatria com economia de mercado e recua em relação à Doutrina Social da Igreja quando propõe vagos modelos “alternativos” de organização da atividade econômica “que privilegiem a solidariedade e a partilha”, sem nada explicitar concretamente ou apontando para instrumentos consagrados há mais de um século (como o cooperativismo em harmonia com a economia de mercado) ou, ainda, para o retorno às fracassadas experiências do socialismo. E, por outro viés, silencia sobre a firme orientação que o Santo Padre João Paulo II explicitou com tanta clareza nos nºs 41 e 42 da Centesimus Annus.

É preciso atentar para a gravidade da situação. A totalidade da opinião pública e da imprensa brasileira confunde a CNBB com “a” Igreja. Quando alguém se manifesta nessa organização, seja o presidente, seja um assessor, as manchetes falam em manifestação “da” Igreja. A Campanha da Fraternidade é “da” Igreja. Seus temas e seus lemas também são vistos assim. Jamais, alguém da estrutura da organização faz a necessária distinção e esclarecimento, estimulando uma fusão e uma confusão que, ao que se infere, bem lhes convém.

Não bastasse furtar a riqueza espiritual da Quaresma para fazer dela um tempo de polêmica e radicalização política e ideológica, envolvendo o ano litúrgico em questões temporais e políticas desviadas da sã doutrina e da orientação pontifícia, a CNBB acaba de providenciar aos leigos brasileiros uma nova surpresa.

Periodicamente, a assessoria da instituição (o mesmo grupo de assessores que fornece a carne, os ossos, as cartilagens e o animus de seus documentos oficiais) emite “Análises de conjuntura”. São textos que, se despidos dos eventuais recursos ao léxico religioso, poderiam constituir editoriais do Granma. Vêm, é verdade, com a observação de que não constituem “opinião oficial da entidade”. Mas são acolhidas no site da CNBB, redigidas no seu estilo e pisam nas mesmas areias movediças por onde andam muitos de seus textos oficiais e oficiosos.

Agora, em plena efervescência das contestações à CFE de 2010, a mais recente “Análise de conjuntura” sugere, claramente, a continuidade do governo Lula, através da pessoa indicada por ele para o suceder, posto que a eleição do oposicionista José Serra representaria “o retorno da política neoliberal anteriormente efetivada por Fernando Henrique Cardoso, dialogando com os interesses do empresariado nacional e do capital internacional”.

O assunto trouxe a CNBB novamente ao noticiário, com ela arrastando “a” Igreja Católica para o torvelinho do debate político e para as matérias de opinião. Esse não é o campo próprio da Igreja. Mas, repita-se, o ingresso da CNBB e de suas pastorais nesse jogo, com tal fardamento ideológico, não é novidade na cena brasileira. A CNBB e a maior parte de suas pastorais, seus documentos oficiais e não oficiais, sempre serviram às partidas disputadas pelo Partido dos Trabalhadores e pelas organizações da sociedade por ele lideradas. Mudam a música, mas não a letra. A identificação é tanta que a imprensa brasileira surpreendeu-se quando a CNBB veio a público reprovar certos preceitos do decreto presidencial que instituiu o Plano Nacional de Direitos Humanos, nos últimos dias do ano passado. A coisa soou como arrufos entre parceiros.

É uma pena. E penso que esteja a demandar uma atitude da Santa Sé para coibir abusos e desvios que tumultuam a vida da Igreja em nosso país, espalhando entre os fiéis a rebelião, a divisão, o dissenso, a ofensa e anarquia tão precisamente apontadas por nosso querido pontífice Bento XVI. Os problemas criados “na” e “pela” CNBB só se resolverão com uma total remodelação das estruturas de sua burocracia funcional e com a substituição dos atuais assessores. Eles evidenciam ter com seus vínculos ideológicos um compromisso muito superior do que com as angústias pastorais das dioceses. E arrastam a imagem da Igreja por esses descaminhos.

Em união de fé e amor ao Cristo Redentor.


Percival Puggina
Arquiteto, empresário e escritor em Porto Alegre, Brasil.
E-mail: puggina@puggina.org


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