segunda-feira, 11 de maio de 2020

DSI 7. A RERUM NOVARUM E O CAPITALISMO



Valter de Oliveira


Como dito anteriormente Leão XIII teve que se posicionar tanto diante do liberalismo político e econômico quanto diante de uma hipotética solução para a questão social, ou seja, a implantação do socialismo. Foi muito duro nas críticas à doutrina liberal e seus efeitos na sociedade da época. Contudo, não criticou o capitalismo em si mesmo.  O que fez, então?

Princípios defendidos pelo Papa.

1. A propriedade.

No ponto 10 da encíclica o Papa afirma que o projeto socialista era gravemente injusto. Razão? "porque a propriedade particular e pessoal é para o homem de direito natural " Adiante explica as razões desse direito (11, 12), demonstra que ele é fruto do trabalho humano (16, 17), 
e é baseado na essência da vida familiar  (18, 20, 21). Ademais observa que como o Estado é posterior ao homem não tem ele o direito de eliminar a propriedade (13-17).  

2. Outros princípios defendidos pelo capitalismo

2.1. A livre iniciativa;

2.2. A concorrência;

2.3. o sistema assalariado;

2.4. o lucro

2.5. a não interferência do Estado na economia.

Como já dissemos aqui nessas páginas a DSI vai analisar todos esses pontos tendo em vista a Revelação e o Direito Natural.  É dito claramente que a Igreja tem o direito e o dever de se pronunciar sobre esses pontos.  Cada um dele, para ser legítimo, tem que estar conforme procedimentos éticos. 

Nessa ótica, e aqui já incluindo ensinamentos posteriores dos papas: 

1. A propriedade privada é um direito que deve ser preservado e estimulado. Todavia, não é um direito absoluto. Nada tem a ver com o conceito dado pelos juristas romanos: "direito de usar e abusar".  Ele tem uma função social  (como aliás muitos outros direitos) e deve ser entendido em conexão com outro princípio defendido pela DSI: o destino universal dos bens. 

2. A livre iniciativa implica no direito de se empreender qualquer trabalho honesto, digno. Trabalho escravo, pornografia não são tidos como empreendimentos legítimos. Aqui existe uma grande discussão se cabe ao Estado proibir o que não é ético. Ou até que ponto pode haver tolerância em relação a atividades não dignas.

3. A concorrência é algo bom e importante mas pode sofrer regulações legítimas

4. O regime de trabalho, para ser justo, tem que levar em conta uma série de fatores: condições de trabalho, idade e sexo, periculosidade, importância, etc. E aqui entra um ponto importantíssimo, o chamado justo salário, ponto de muitas discussões entre economistas.  Vamos colocar o texto de Leão XIII, que é longo, em outra postagem. Só adiantamos que o Papa afirma que ele não será necessariamente justo só porque patrão e empregado concordaram sobre o seu valor. 

5. O lucro. Muita coisa mudou da Idade Média para os nossos dias. No passado, até a própria atividade comercial foi tida como menos digna. Comerciantes não eram tidos como produtores. Com a dinamização do comércio a partir do fim da Idade Média os teólogos tiveram que se desdobrar para entender a nova realidade conforme a visão católica e conforme o próprio ser do homem. Os teólogos espanhóis tiveram importante participação nessas discussões. As encíclicas sociais confirmaram suas observações. O lucro é justo em uma sociedade livre, é sinal de boa condução de uma empresa, favorece o crescimento econômico e, em tese, a melhoria de toda a sociedade. A questão prática é porque o capitalismo não consegue distribuir melhor a riqueza. Aqui também temos outra séria discussão entre os economistas. 

6. Quanto à intervenção do Estado na economia fica claro que a Igreja, por um lado, defende o princípio de subsidiariedade, ou seja, o superior não deve fazer pelo inferior o que este pode fazer sozinho. Aqui está um ponto de apoio para todos aqueles que defendem escolas familiares, corpos intermediários, pouca ou nenhuma regulamentação do Estado sobre o assunto, etc. O princípio também autoriza o Estado a dar subsídios, a todos que seja necessário.  Como está acontecendo agora, em época de epidemia. A questão é conciliar os subsídios, quando necessários, com o devido equilíbrio financeiro dos estados.  Notemos também que há  liberais modernos que admitem certas intervenções do Estado.

7. Um ponto que não coloquei acima: as relações patrão-empregados ou o famoso conflito de classes. A Igreja não nega a existência de conflitos mas não aceita a teoria de luta de classes de Marx. Leão XIII, na Rerum Novarum acredita no trabalho conjunto de ambas as classes. Ademais, defende a existência dos sindicatos e sua liberdade, especialmente em defesa dos mais necessitados. 

Devido a todos os pontos indicados acima muitas coisas foram defendidas por católicos por exemplo, nos Parlamentos.  Salário mínimo, direitos sociais, defesa do consumidor, etc.

Em tudo, importante observar, é necessária a chamada prudência política. Nem tudo aquilo que foi conveniente em uma época histórica é adequado em outra. Nas questões temporais a Igreja nos dá uma grande liberdade de atuação, e convida-nos a atuar na vida pública sem cairmos em dogmatismos. 

Como dito, o que temos aqui são apenas breves pinceladas sobre os temas. Mais à frente, neste blog ou no site, colocarei alguns pontos para discussão e aprofundamento.