quinta-feira, 13 de novembro de 2008


“Pérolas” ideológicas em livros didáticos

Valter de Oliveira


Hoje tive o prazer de ler mais um artigo do prof. Ubiratan Jorge Iório de Sousa, doutor em economia e professor da UERJ, com quem tive ótimas aulas no meu curso de mestrado em Estudos Brasileiros. Na ocasião, ganhei duas coisas: sólidas e claras explicações sobre doutrina econômica e uma leal amizade que já dura quase 20 anos.

No seu último artigo ele analisa uma das questões propostas na última prova do ENADE que ele diz não passar de uma abusiva manipulação ideológica (1). De momento destaco aqui sua última frase: “Já não chega a lavagem cerebral marxista e o relativismo moral que a maioria dos professores de História executam, desde a mais tenra infância, em nossas crianças?”

Lembrei-me, então, de duas coisas: a leitura de um livro de história quando era menino e um comentário que meu caro Ubiratan fez na primeira vez que tive o prazer de recebê-lo em minha casa.

O livro era “História do mundo para crianças”. Autor: Monteiro Lobato. Eu tinha 10 anos. Nem me passou pela cabeça que ele fosse um homem de esquerda. E nem sabia o que era isso.

Aos 17 um professor de História não marxista comentou em minha sala de aula que o livro de Lobato deveria se chamar “Comunismo para crianças”. Entendi então que Narizinho, o marquês de Sabugosa, Emília e, quem diria, a vovó Benta não eram nada inocentes...

Mais de 20 anos depois, em uma conversa em minha casa, nosso bom economista comentou: “Puxa, você é o primeiro professor de História que conheço que não é marxista!”

Na realidade, todo mundo que já passou pelos bancos escolares sabe muito bem que o problema não é apenas dos professores de História. É também de muitos professores de ciências humanas. Apesar da queda do muro de Berlim...

Para confirmar – e não me estender demais – cito aqui uma dessas “pérolas” que encontramos em nossos livros de História, do curso fundamental, da antiga 8ª série. Os autores falam sobre o comunismo chinês e a revolução cultural. Eles já chegam a fazer críticas (?) (suprema ousadia!) à revolução maoísta, mas não resistem a uma recaída... Vejam só:

(...)
“Sob a liderança de Mao Tse-Tung (...) durante a Revolução Cultural, a China viveu um período em que o mais importante de tudo era a crença do cidadão nas idéias de Mao” (...),

“Esse período teve altos e baixos, fatos positivos e negativos, mas o que predominou foi um enorme fanatismo. Por exemplo, os estudantes em geral, principalmente os universitários, e os professores foram obrigados a trabalhar no mínimo dois anos na agricultura, para depois voltarem às aulas.” (Pena que o Stédile e o Rainha não estavam por lá...)

“Os músicos que tocavam clássicos ocidentais – Bach, Beethoven, Mozart – eram ridicularizados publicamente, obrigados a só tocarem música chinesa revolucionária, caso contrário, seriam presos e espancados”.

(...)
“Mas nem tudo foi fanatismo na Revolução Cultural. Ela trouxe também experiências inovadoras e originais. A polícia, por exemplo, foi extinta. No lugar dela, os próprios moradores se revezavam (uma vez por mês por pessoas adultas), no exercício da função policial, sem ganhar nada para isso”. (2)

Pois é, meus amigos, não é comovente? Olha só que boa idéia para o governador Serra...Proteção para todos. Sem greve policial. Sem causar rombos nas finanças do Estado...

E os milhões de mortos provocados por Mao? Nem uma palavra. O aluno que lê este livro de História – e tantos outros cujos autores rezam pela mesma cartilha – jamais desconfiarão que o governo de Mao foi uma das mais sanguinárias ditaduras da História...



(1). O aluno que não colocou a resposta desejada pelos idealizadores da questão perdeu um ponto da nota! O ENADE considera que a mulher só será cidadã se tiver o direito de praticar o aborto! Ilegalidade e abuso de autoridade. Ver http://www.ubirataniorio.org/blog.htm

(2) Extraído de História & Vida, Nelson Piletti e Claudino Piletti, vol, 4, pág. 59, Suplemento de textos, SP, Ática, 1997.
Os autores adaptaram texto de J. William Vesentini e Vânia Vlach, do livro Geografia Crítica, 6ª ed. São Paulo, Ática, 1996, v.4, p.176)


4 comentários:

Unknown disse...

Meu querido amigo Prof. Valter,

Muito obrigado por suas referências à minha humilde pessoa. Gostei muito do seu Blog e espero que você o mantenha por muitos anos "no ar".
Como o nosso Brasil está precisando de professores do seu gabarito!
Um abraço.
Ubiratan Iorio

Christiane Forcinito Ashlay Silva de Oliveira disse...

Valter

Faço das palavras do Prof Ubiratan as minhas, pois já era hora de você vir nos iluminar com sua sabedoria.
Gostei bastante do blog e o anunciarei dentro do meu para que todos juntos possamos iluminar mentes.

Grande abraço!
Christiane

Anônimo disse...

Professor,
parabéns pelo blog, que está visualmente muito bonito, e também muito rico quanto ao conteúdo.
Este artigo inicial sobre as "pérolas" ideológicas é muito oportuno, e fico imaginando o que não se faz Brasil afora com quem ainda não tem formação para interpretar informações. Eu mesmo vivi anos de doutrinação ideológica na FFLCH-USP e lamento o estrago feito na cabeça de muitos jovens que saem das aulas "formatados", reproduzindo idéias sem questioná-las. Condição para obter nota máxima nas avaliações dessa faculdade é repetir discursos.
Abs!
Tussa

Jeea disse...

Professor Valter, parabéns pelo Blog, gostei muito deste estilo sútil e sarcástico, muito bom. Fui apresentada ao Blog pelo Professor Ubiratan Iorio, realmente valeu a pena. Sucesso.
Jéea