domingo, 4 de novembro de 2018

A IGREJA E OS SOCIALISMOS 1891-1937














Valter de Oliveira

Em 1891 o Papa Leão XIII lançou a famosa encíclica Rerum Novarum na qual a Igreja tomava posição diante de um processo histórico que atingia então, um ponto nevrálgico. No campo político, diz João Paulo II, surgira “uma nova concepção da sociedade e do Estado e, consequentemente, da autoridade”. No campo econômico, e com a Revolução Industrial, o capitalismo nascente havia provocado a famosa “Questão Social” com o conflito entre o capital e o trabalho (Centesimus Annus ) com as consequentes injustiças em relação aos operários. Naturalmente surgiram reações e propostas para solucionar o problema. De um lado os movimentos socialistas, de outro os católicos sociais (1).  

Papa Leão XIII
Leão XIII tem palavras duras contra o liberalismo econômico e político, seja porque os operários tinham perdido o direito de se organizar para se defender, seja porque o Estado os tinha abandonado à própria sorte. Ora, diante desse fato, perguntou-se: o socialismo seria uma opção justa e legítima diante do chamado “capitalismo selvagem”? Não, disse Leão XIII. “Os socialistas, para curar este mal, (a questão operária) instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem” (RN 7) Suas ideias, acrescenta, não iriam ajudar os pobres. (...) “Semelhante teoria, longe de por termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Outrossim, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa da ordem social” (RN 8).

O socialismo aqui condenado é aquele que defendia a abolição da  propriedade privada dos meios de produção, em que os bens passariam a ser comuns, em que o Estado viria a ser o grande administrador da economia. Na época era apenas uma doutrina, um movimento, cujo ideal só foi colocado em prática, pela primeira vez, com a sangrenta revolução bolchevista russa de 1917.  A partir daí a Igreja não vai enfrentar apenas doutrinas nefastas. Vai ter que se defrontar com a concretização delas, com governos brutais, totalitários. Inicialmente o comunista, depois o totalitarismo nazifascista. A todos condenou em suas encíclicas (2). Por todos foi perseguida. Milhares de católicos fiéis foram despojados de seus direitos e até martirizados.

Contudo, já no final do século XIX surgiram novos socialismos chamados pós marxistas. Nasceu o socialismo revisionista. Foram negados pontos importantes da doutrina do velho Marx. O objetivo passou a ser melhorar o sistema vigente e não preparar uma revolução. Criticou a teoria e a prática canalizando o ímpeto revolucionário para uma política realista (realpolitik)  (3).

Lembremos também que na evolução dos socialismos tivemos o surgimento da social democracia que nasce do marxismo mas vai colaborar para o surgimento dos Estados de bem estar social. Em partidos com tal bandeira não se fala mais do socialismo defendido por Marx. Mesmo assim, diz o historiador Paul Hugon, a ideia da propriedade coletiva ainda encontra partidários, mas é mais uma esperança do que a crença que um dia será alcançada (4).

O resultado é que novos socialismos surgiram. Alguns até considerados bem humanistas e até religiosos (5).

Com todas essas mudanças era natural que se perguntasse se já aparecera um socialismo bom, um socialismo que pudesse ser apoiado pelos católicos. Eis o que diz Pio XI na “Quadragésimo Anno”:

Papa Pio XI
"E se o socialismo estiver tão moderado no tocante a luta de classes e a propriedade particular, que já não mereça nisto a mínima censura? Terá renunciado por isso a sua natureza essencialmente anticristã? (...) Para lhes respondermos, como pede a Nossa paterna solicitude, declaramos: o socialismo, quer se considere como doutrina, quer como fato histórico, ou como "ação", se é verdadeiro socialismo, mesmo depois de se aproximar da verdade e da justiça nos pontos sobreditos, não pode conciliar-se com a doutrina católica, pois concebe a sociedade de modo completamente avesso a verdade cristã. (...) " (QA 117 e 120)
"Socialismo religioso, socialismo cristão, são termos contraditórios: ninguém pode ao mesmo tempo ser bom católico e socialista verdadeiro" (QA 119) (Destaque nosso).
Isso foi dito há 87 anos. De lá para cá o socialismo foi adquirindo novas nuances. Será que já não houve uma mudança substancial que nos autorize a apoiá-lo ou sua natureza, como disse o Papa, continua “essencialmente anticristã”? Quem nos responde é João Paulo II na encíclica Centesimus Annus. É o que veremos na segunda parte do artigo.

Notas e bibliografia
1.    Dá-se o nome de católicos sociais aos intelectuais católicos do século XIX – do clero e do laicato – que procuraram uma alternativa para a questão social tendo como base os princípios católicos sobre a sociedade. .
..
2.    São todas encíclicas do Papa Pio XI
MIT BRENNENDER SORGE, de 14 de março de 1937. Condena o nazismo.
DIVINI REDEMPTORIS, de 19 de março de 1937, que condena o comunismo marxista.
NOS ES MUY,  de 28 de março de 1937, endereçada aos bispos mexicanos
NON ABIAMO BISOGNO, de 29 de junho de 1931. Sobre o fascismo e a Ação Católica.
3.    HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas,14 ed. São Paulo, Atlas, p. 247.

4.    Exemplos de socialismo: Socialismo Fabiano, socialismo cultural, socialismo educacional, socialismo religioso, socialismo personalista, socialismo democrata. Os chineses dizem que adotam agora um socialismo de mercado.  


Enciclicas citadas

Rerum Novarum (RN). Leão XIII – 1891

Quadragesimo Anno (QA). Sobre a Restauração e Aperfeiçoamento da Ordem Social. 40º aniversário da Rerum Novarum. Pio XI – 1931

Centesimus Annus (CA). No Centenário da Rerum Novarum - 1991

5.   Quadragesimo Anno (QA). Pio XI - 1931


Nenhum comentário: