segunda-feira, 24 de março de 2025

MARXISMO 5.

 CRÍTICAS AO MATERIALISMO DE MARX

Como vimos no post 4 o marxismo afirma que só existe a matéria, que ela é eterna e infinita.  

A isso responde Jorge Lojácono (1)


Podemos concordar com Lenine acêrca do conceito da matéria (o que é percebível com os sentidos) e da crítica que êle faz do empiro-criticismo (2); entretanto, não podemos absolutamente admitir muitos outros pontos essenciais da doutrina marxista.

A) O materialismo marxista baseia-se sobe um fundamento totalmente arbitrário.

1.  Ele admite unicamente a existência de duas posições possíveis: idealismo e materialismo; refutado portanto o idealismo, julga que, consequentemente, fique provada a legitimidade do materialismo.

2. Em contraste com o excessivo simplismo marxista admitimos uma terceira posição entre idealismo e materialismo; um realismo sadio que reconhece a existência seja da matéria, seja do espírito, sem julgar que um seja um elemento derivado da evolução do outro.

a) O marxismo nunca aduziu argumentos para provar que pode existir exclusivamente a matéria e o que dela deriva. É uma afirmação totalmente gratuita (em seguida falaremos da existência de Deus e da espiritualidade da alma).

b) Se fossem verdadeiras as premissas marxistas, o mesmos cientistas (Newton, Galileu, Cusano e outros) deveriam se considerados por um lado materialistas (porque admitiram a existência do universo material) e pelo outro, idealistas (porque acreditaram em Deus e numa alma humana que não era simples emanação da matéria). A realidade é que eles não foram nem materialistas, nem idealistas, nem agnósticos.

B) É possível um universo eterno?

1. Princípio fundamental para toda ciência experimental e teórica é o "princípio da causalidade". Também Morselli, positivista, afirma: "Um só princípio, único, exclusivo domina e rege todas as ideias que fazemos de nós e do mundo: e este princípio é o princípio de causalidade". 

a) Princípio para nós importantíssimo porque, não podendo conhecer a Deus diretamente em si, o conhecemos exclusivamente através das criaturas, mediante o princípio de causalidade. 

b) Ele pode ser formulado assim: todo ser contingente ( = que não tem em si a razão da sua existência) deve ter uma causa proporcionada que o produziu". É uma aplicação do princípio mais vasto de razão suficiente que diz que todo ser dever ter em si ou em outros a razão da sua existência.

c) Também os marxistas admitem isso.

    1. Diz Engels: "A primeira coisa que impressiona ao consideramos a matéria em movimento é a conexão dos movimentos individuais, o serem eles condicionados recíprocamente" tanto que "para quem nega a causalidade qualqeur lei se torna uma hipótese". Também o fato de os homens cumprirem ações para obter efeitos determinados "demonstra a causalidade" (Dialética da natureza).

    2. Diz Kuusinen: "A relação de causa tem caráter universal, estende-se a todos os fenômenos da natureza e da sociedade... Não há e não pode haver fenômenos sem causa. Todo fenõmeno tem necessariamente uma causa".

2. Aplicando este princípio com rigor lógico, dizemos que a existênca do universo contingente nos obriaga a admitir Deus, causa primeira que tem em si a razão da sua existência.

3. Os marxistas reconhecem a força dos nossos argumentos e respondem: se o universso tivesse começado a existir, seríamos obrigados a admitir a existência dum criador, mas não podemos admitir este Deus, puro espírito existente antes da matéria, portanto, devemos afirmar que o universo nunca começou a existir mas existiu desde sempre. É o que diz também Engels: "Do nada nunca podemos chegar a algo sem um ato criador" (Antidühring). Se admitirmos que o movimento do universo teve início, "é necessãrio que do externo, de fora do mundo, tenha vindo um primeiro impulso que o pôs em movimento. Mas sabemos que o primeiro ipulso é apenas uma expressão para dizer Desu" (ib). Se, como queria Dühring, se admitisse um início, "poderíamos fazer e dizer o que quisermos: sempre voltaríamos .. ao dedo de Deus". 

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No próximo post colocaremos excertos da obra de Lojácono nos quais ele dá argumentos concretos para negar que o universo seja infinito. Também discute se é possível a existência de um universo eterno. 

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Notas.

1. Marxismo, Jorge Lojácono, Paulinas, SP, 1968, p. 15, 16.. 

2. Empirocriticismo é uma teoria filosófica que nega o valor da ciência, baseando-se na ideia de que a experiência é uma soma de impressões subjetivas. Foi desenvolvida pelo filósofo alemão Richard Avenarius (1843-1896).  

PS: Para não ficar muito cansativo começaremos a reduzir as múltiplas explicações sobre o materialismo dialético para entrarmos mais rapidamente no materialismo histórico. Também faremos um espaçamento maior entre um artigo e outro para colocarmos outros assuntos que interessam a nosso amigo leitor. 






 

terça-feira, 18 de março de 2025

MARXISMO 4. O MATERIALISMO DIALÉTICO

 

Valter de Oliveira

Introdução

Frequentei seis Faculdades. Em nenhuma delas tive uma só aula sobre marxismo.  Tampouco as tive no colegial nas disciplinas de sociologia e filosofia. O que encontrei foram professores que, de um modo ou de outro, propagavam certas ideias de Marx. Já nos livros didáticos o assunto era, em geral, tratado superficialmente. Bem mais tarde encontrei manuais de filosofia nos quais o pensamento de Marx era bem abordado. (1)

O marxismo que conheci na adolescência foi o materialismo histórico com sua severa crítica de rejeição ao capitalismo. Talvez porque seja mais eficaz para manipular e doutrinar alunos. Afinal, grande parte das pessoas se incomoda com as injustiças do mundo e o socialismo é apresentado como uma filosofia e praxis que visa combater os grandes males da sociedade. O que omitem é que ele, quando aplicado, criou males e injustiças ainda maiores com a instauração das revoluções  de Lenin, Mao, Fidel, e tantos outros. .

Hoje começo por explicar o materialismo dialético. O texto é da obra de Jorge Lojácono, "O marxismo". Eu o li em 69 ou 70 . A razão da  escolha é simples: ele apresenta, a meu ver, o pensamento do velho Marx e de Engels de forma bem didática. 

O materialismo dialético implica em adentrarmos o campo da física e da química. Também no da biologia quando se discute a orígem do homem. Lembro que a teoria é do século XIX  e muita coisa foi descoberta pela ciência em quase 200 anos. Por isso mesmo peço aos  amigos que me acompanham, e que conhecem bem essas áreas, que dêem sua contribuição atualizando as explicações da filosofia e da física.

A discussão aqui é para o grande público que se interessa pelo assunto mas não é acadêmica, o que seria só para uma  pequena fração de especialistas. Não é o objetivo do blog que apenas convida os amigos a ter uma noção de temas importantes. Aqui, o que viso, é inicialmente apresentar o pensamento de Marx. Em um segundo momento serão feitas observações e críticas. As de Lojácono e outros pensadores. 

Comecemos pelo texto de Jorge Lojácono.


 "A). O que é o  "materialismo marxista"?

Hegel

1. É o reviramento do idealismo de Hegel:

    a) Hegel: única realidade é a idéia que evolui: também a matéria é um momento dessa evolução. 

    b) Marxismo: única realidade é a matéria que se evolve; também o espírito humano, 'o espírito pensante" é um produto da matéria, aliás, "o fruto mais alto" da evolução material.

2. Ou somos materialistas ou idealistas: . para o marxismo não há outro caminho.

    a) idealista (diz Marx) é quem admite algo que não provenha da matéria. Portanto é idealista não apenas quem reconhece a ideía como única realidade (como Hegel) mas também quem admite a existência de Deus ou duma alma humana que não provenha da matéria e não termine com a matéria. Engels diz: "os filósofos que afirmavam a prioridade do espirito com respeito à natureza e, portanto, admitiam em última análise a criação do mundo... constituiam o campo do idealismo"   

b) O Marxismo acha cômodo afirmar que "a maioria absoluta dos cientistas de todos os tempos foram materialistas, porque admitiram um materialismo espontâneo", mesmo que não se tenham dado conta ou se envergonhassem disso; com efeito não eram idealistas e acreditaram numa natueza que existisse independentemente da consciência. Portanto, teriam sido materialistas nada menos que Newton, Galileu e o cardeal Cusano. (2) 

B) O que é a matéria?

1. Para os materialistas antigos, toda a matéria, isto é, todos os corpos, era constituída por átomos imutáveis e indivisíveis. Assim afirmaram Democrito e Epicuro. 

Marx e Engels dizem que essa doutrina foi uma intuição genial mas que hoje aparece excessivamente simplista. Esse conceito de matéria, com variações notáveis, sobreviveu até ao século XIX (Ruus I, p. 16).

2 No início do século XX as grandes descobertas da física (radioatividade, sub-átomos, divisibilidade do átomo...) fizeram surgir novas teorias cobre a composição da matéria.

3. Em seguida à descoberta do elétron surgiu então o empiro-criticismo de Avenarius e especialmente de Mach. Ele afirmava que "a física moderna refutaria o materialismo". Com efeito, parecia que "toda a massa dos elétrons" e portanto toda a matéria, fosse "inteira e exclusivamente eletrodinâmica". Disseram: "O átomo desmaterializa-se, a matéria desaparece, a eletricidade substitui a matéria"; não existe matéria alguma, a existência dos corpos materia extensa é apenas uma ilusão; existem apenas as nossas "percepções sensíveis" (Lenine, Materialismo e empiro-criticismo).

Lenin
4. Lenine responde distinguindo o conceito científico de matéria do filosófico:

a) A física, progredindo, dir-nos-á sempre coisas novas sobre a composição e as propriedades da matéria. Uma revisão destas teorias científicas não tem nada que seja contrário ao marxismo e "nós não temos nenhuma intenção de nos ocuparmos de teorias particulares da física" (Lenin, ob. cit.).

b) Interessa-nos, apenas o conceito filosófico de matéria (ib). Mesmo que "desapareçam certas propriedades da matéria que antes pareciam absolutas", diz Lenin, o materialismo marxista permanece intacto, porque "a única propriedade da matéria cujo reconhecimento está na base do materialismo filosófico, é a propriedade de ser uma realidade objetiva, de estar fora de nossa consciência (Lenin).

c) Que é portanto a matéria? Lenin define: matéria é "a realidade objetiva existente independentemente da consciência humana e espelhada por ela"; ou mais claramente "a matéria é o que, afindo sobre os órgãos dos nossos sentidos produz a sensação"; pouco importa que seja éter ou elétrons ou radiações ou outra coisa (3).  

C) As propriedades da matéria.

1.  Infinidade na extensão.

Engels
Diz justamente Engels (sobre infinidade e eternidade da matéria ver Engels, Antidüring)  que o espaço não é como que um recipiente imaginário, um vazio contendo os corpos celestes. O espaço é matéria extensa onde se encontram espalhados os corpos celestes. (4). 

Mas ele afirma que este espaço, esta matéria extensa tem dimensões infinitas, que o universo é infinito em extensão. Não existe espaço sem matéria, mas a especialidade da matéria é infinita. Kuusinen explica: os telescópios falam de distâncias estrelares de centenas de milhões de anos-luz, mas nem essas grandezas nos podem dar uma idéia das dimensões do universo; pois trata-se de grandezas finitas, ao passo que o universo é infinito. 



2. Eternidade na duração.

Toda coisa nasce, transforma-se e depois termina; a matéria, pelo contrário, existe eternamente. Assim; a terra formou-se há uns bilhões de anos; faz mais de um bilhão de anos que surgiram as primeiras formas de vida; faz um milhão de anos que surgiram as formas de transição do macaco ao homem; o homem em sua forma atual tem cerca de 70.000 anos; a natureza porém, a matéria, o universo nunca teve princípio e nunca terá fim. A natureza é eterna; ela sempre existiu e existirá eternamente. Lenin, fazendo suas as palavras de J. Dietzgen, diz: "a natureza, em toda sua parte não tem princípio nem fim". A natureza tem a sua causa em si... e não precisa de um criador estranho a ela porque possui aquelas qualidades de infinitude e de eternidade que a teologia atribui erradamente a Deus" (Kuusinen) (5). 

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Por hoje é só. Como costumo brincar aqui em casa é um ótimo tema para um namoro intelectual. De solteiros e casados...

Aproveitem!

No próximo post faremos as críticas. 

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Notas

1. Entre os manuais de filosofia que explicam o marxismo podemos citar os de Marilena Chauí, usados em cursos superiores. Ex: "Introdução à Filosofia", SP, Brasiliense. Outro manual  é "Para filosofar hoje" , de Severo Hryniewcz, RJ, 2001, ediçao do autor. Ambos explicam o materialismo dialético e o histórico. Já Sílvio Gallo, em "Filosofia, Eperíência do Pensamento, S. Paulo, Scipione, 2016, trata apenas do materilismo histórico. É um didático do Ensino Médio. 

2. Na verdade há grandes cientistas que afirmam suas crenças em Deus. Segue uma breve lista a partir do Renascimento: Copérnico, Kepler, Galileu, Descartes, Newton, Boyle, Faraday, Mendel, Madame Curie, Max Planck, Von Braun, Jerome Lejeune.  

3. Valeria a pena uma pesquisa sobre o conceito de matéria na física moderna. 

4. O Anti-Dühring, (1878) é uma resposta ao filósofo alemão Eugen Dühring, que havia produzido a sua própria versão do socialismo. A obra é considerada a contribuição mais importante de Engels para a teoria marxista. 

5. Kuusinen, foi literato, teórico socialista, historiador e político finlandês. Foi o líder da revolução  finlandesa de janeiro de 1918 que criou a breve República Socialista dos Trabalhadores da Finlândia.






sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

MARXISMO 3. O QUE É O MARXISMO?

 


Valter de Oliveira


Este é nosso terceiro artigo sobre o Marxismo. Você pode se fazer algumas perguntas: 1. Afinal, o que é o marxismo? Uma filosofia? Uma doutrina econômica? Um movimento político? 2. Se já caiu o muro de Berlim, se a maior parte das nações dirigidas por partidos comunistas já abandonou o socialismo, qual é o interesse em estudar o marxismo? É razoável afirmar que ainda apresenta algum perigo para os países livres?

Respondendo:

1. O marxismo é muito mais que uma filosofia, doutrina econômica, movimento político. Na Pequena Enciclopédia do Socialismo e do Comunismo a explicação é dada: "O marxismo não é uma teoria abstrata, nem um simples método historiográfico, e nem um corpo de doutrinas econômicas e filosóficas limitado, mas uma completa concepção do mundo - apoiada sobre o materialismo dialético e histórico -  em que todos esses aspectos se encontram presentes, organicamente fundidos. Fato confirmado pela tese do IX Congresso do Partido Comunista Italiano quando declara "o marxismo-leninismo como concepção unitária do mundo".  Enfim, toda a realidade, todo o mundo, todo o Universo, só pode ser compreendido pelo marxismo que tem a única concepção válida de toda a realidade.

2. Interesse no estudo? 

Muito. Em primeiro lugar porque a ideologia marxista, em um passado não muito distante, dominou a terça parte da humanidade. No X Congresso do PC italiano lembraram com entusiasmo que havia então no mundo 42 milhões de comunistas organizados, todos de carteirinha, e mais de 90 partidos comunistas em todo o globo. De todos os recantos da Terra se olhava a URSS como o local onde  estaria sendo realizada uma estupenda utopia. E não adiantavam denúncias da época mostrando o fracasso e as barbaridades de Stalin (e os de outros países). O militante comunista gritava: -É mentira! Tudo mentira! Pura propaganda ideológica dos EUA!" (1)

Nem sempre é fácil ver o evidente! Doutrinação e fanatismo cegam. 

"Tudo bem, alguém poderá dizer, mas tudo isso é passado"

Puro engano. Ainda temos países oficialmente comunistas - Além da famigerada Coréia do Norte  ainda temos Vietnã, Laos, Camboja e a China que se adaptou ao capitalismo mas que  tem o mesmo PC de Mao no poder. Também temos países "socialistas bolivarianos" como Venezuela e Nicarágua que não deixam de se inspirar no socialismo marxista e, como no passado de México e Espanha -, para limitarmo-nos ao Ocidente - têm se empenhado em perseguir a Igreja. Sem contar inúmeros grupos revolucionários que infestam a África e os intelectuais de esquerda que  tanta influência tiveram e têm no  Ocidente.  

No Brasil, sem o carinho acolhedor de companheiros de viagem esquerdizantes (PSDB, PDT, etc) o PCdoB e o PSOL não teriam lugar ao sol nos noticiários e nem teriam assentos no Congresso Nacional. Foi pela falta de cláusula de barreira e pelos acordos espurios com partidos maiores que conseguiram eleger representantes para o Executivo e o  Legislativo. Todos com boa dose de influência no Judiciário fizeram com que o STF julgasse em favor deles, ou seja, a minoria vence a maioria. Alguém maldoso poderia imaginar que combinaram o jogo... (2) .

Temos também os mais diversos "movimentos sociais". De si, grupos de cidadãos que se unem para reivindicar uma pauta. Até aí, tudo normal, em nada contrariam a democracia e nem mesmo a Doutrina Social da Igreja que semrpe defendeu grupos intermediários na sociedade. A questão é saber quais ideologias defendem e quais métodos utilizam. Aí são outros quinhentos.

Exemplo bem conhecido entre nós é o MST. Seus dirigentes reuniram-se ontem com Lula e pediram mais ação por parte do governo. Em manifestação que vi há pouco na TV, apareceram com as palavras de ordem de sempre, utilizando a tradicional saudação comunista que foi adotada pelos mais diferentes grupos revolucionários e identitários. Curiosamente a saudação dos camaradas não é tida como discurso de ódio. Mesmo quando diziam, como o velho Julião nos anos 60, que a "Reforma Agrária" tinha que ser "na lei ou na marra. Aliás, não era só a reforma no campo, eram todas as chamadas "reformas de base" (reforma urbana, industrial. educacional) todas de caráter socializante (3). 

Concluindo

Qualquer estudioso de Ciência Política vai nos dizer que o marxismo mudou, que há marxismos e socialismos. É correto. Não deixa de ser verdade, porém, que ele continua procurando atuar clara ou dissimuladamente para atingir seus objetivos revolucionários. Seja no PT de Lula e do PSOL de Boulos; seja Partido Democrático de Kamala Harris & Cia, e de tantos outros camaradas que há pelo mundo.

Não estão dormindo. É bom lembrarmos. Apresentam enorme perigo para nossas liberdades!

Se você é cristão lembre-se que o marxismo é inimigo declarado de toda religião (4). Eles não negam isso, afirmam enfaticamente. Por isso mesmo  Pio XI declarou o comunismo "intrinsecamente perverso e o Papa Paulo VI, disse aos participantes da Reunião de Orvieto em 6 de setembro de 1963; "o marxismo antes do que na prática deve ser combatido em seu aspecto teórico'.  (citado pelo historiador Jorge Lojácono em seu livro "O Marxismo". 

Por isso tudo  precisamos conhecê-lo. Muito!

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Notas:

1. Marc Ferro, historiador e co-diretor da famosa escola de história "Annales, mostra como, revolucionários ocidentais na França reagiram quando foram alertados sobre o Terror que havia sido implantado por Lenin logo no início da Revolução Socialista de 1917. Diz ele: "(...)  quando, no final de 1919 "num comício da Liga dos Direitos do Homem, vários oradores - de regresso da Rússia - testemunhavam sobre o terror que se exercia não somente contra "os burgueses"  (o que todos admitiam sem pestanejar) mas, contra os próprios socialistas, mencheviques ou socialistas-revolucionários, os participantes vaiaram os oradores, qualificando-os de traidores e renegados. "Conhecemos vocês todos, social-patriotas, e não temos confiança em vocês" "Não!". 

(...) Disseram que acreditariam se aquilo fosse dito por "Martov, ou ainda Trotski"; esses conhecemos bem, e sabemos que eles nos falariam a verdade"

Foi então que Martov  apareceu e confirmou que "passam-se atualmente coisas terríveis na Rússi.". Ao silêncio de morte que acompanhou esse testemunho, sucedeu-se uma explosão, uma tempestade; a assistência se ergueu , urrando de cólera: -"Não é verdade, mentiroso". Foi vaiado, e o rumor elevou-se a tal ponto que, sob ameaças e chistes grosseiros, Martov teve de deixar a tribuna

Repetindo: Doutrinação e fanatismo cegam! Sempre! Em todo lugar!


https://pt.wikipedia.org/wiki/Terror_Vermelho#/media/Ficheiro:19180902-red_terror-banner.jpg


FERRO, Marc. O Ocidente diante da Revolução Soviética. A história e seus mitos.São Paulo, Brasiliense, 1984. p. 58-59




Cartaz de propaganda em Petrogrado, 1918. "Morte à burguesia e seus cachorrinhos - Viva o Terror Vermelho. 




Cadáveres de reféns executados pela Cheka em 1918 no porão da casa de Tulpanov em Kherson RSS da Ucrania. O livro Negro do Comunismo 



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2. "A cláusula da barreira não é uma proposta nova no Brasil. Uma medida desse tipo já foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1995, mas em 2006, ano em que passaria a valer, foi barrada pelo Supremo tribunal Federal. A justificativa dada pelos ministros era de que a lei prejudicaria os pequenos partidos, o que era inconstitucional..."

O que dizer? Smplesmente CQD. 

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3. A REFORMA AGRÁRIA. NA LEI OU NA MARRA

"Congresso camponês tem presença de Jango e Tancredo e vitória da ala radical. 17 de novembro 1961. 

"Termina o 1º Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, com a vitória da ala mais radical liderado por Francisco Julião - fundador da Liga dos Camponeses Nordestinos - consagrando a bandeira da "reforma agrária na lei ou na marra" e derrotando a orientação do Partido Comunista do Brasil (PCB) de luta por uma reforma agrária dentro da lei". 

Como se vê o líder do movimento social era mais radical que o PCB....


https://memorialdademocracia.com.br/card/reforma-agraria-na-lei-ou-na-marra





4. Desenvolveremos um artigo específico sobre o tema. 



segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

MARXISMO 2. FASES DA HISTÓRIA

 Valter de Oliveira


Meu amigo Theresiano, colega na docência do colegial e da universidade, é matemático mas tem uma simpática abertura para a área de humanas. Interessa-lhe conhecer pontos importantes da história e da cultura. Assim, após ter lido o artigo "Marxismo 1", que aqui postamos na semana passada, enviou-me a seguinte mensagem:   

"Sempre aprendi que Marx não pregava o advento imediato do comunismo, mas sim uma fase de transição, que viria a resultar no socialismo e, posteriormente, no comunismo. Estou certo em minhas lembranças? Mas vi que seu artigo explicita o processo metódico de estatização, onde os comunistas, aliados aos ditos democratas e reformistas, criariam as condições propícias para a implantação do chamado socialismo. Tive a impressão que você estabeleceu um "discreto paralelo" entre a tática marxista e a situação que temos vivido no Brasil, ante a associação dos poderes executivo e judiciário. É isso mesmo? E a polêmica do PIX teria a ver com a fiscalização das movimentações financeiras"...

Aproveito o comentário para tratar um pouco mais - se bem que ainda brevemente - das fases da história conforme Marx.

Elas são discutidas por Marx no seu materialismo histórico, que é também uma visão histórica da economia.  Este, junto com o materialismo dialético fazem parte da autoproclamada concepção científica do universo e da história humana. Ao analisar a sociedade  Marx afirma que a história do homem - que é a historia da luta de classes - passou por várias fases. Todas foram evoluindo dialeticamente através das contradições internas de cada sistema da época. São elas: 

1. O comunismo primitivo. Aconteceu nos primórdios da humanidade. Tudo era comum e não havia exploração do homem pelo homem. Desapareceu quando surgiu a divisão do trabalho e a propriedade.  Contudo, como a história evolui dialeticamente, em espiral, no futuro teremos novamente o comunismo mas em um nível muito mais evoluído. 

2. O escravismo. Nesta fase tivemos não só a propriedade das terras e das coisas mas, também, a propriedade de outros seres humanos. Tivemos os senhores escravistas e os escravos. Foi nela que que teria começado a exploração do homem pelo homem.  

3. Feudalismo . Teria nascido das chamadas contradições antagônicas da economia feudal. Nesta fase os exploradores passaram a ser os senhores feudais, o rei, e a Igreja, que era também senhora feudal. A classe explorada, nesta sociedade proponderantemente agrícola, era a dos servos da gleba. 

4. Capitalismo. É a fase da burguesia, que surge como classe no final da Baixa Idade Média. Na Idade Moderna, com a Revolução Industrial e as Revoluções liberais o burguês passa a dominar e explorar uma nova classe: o proletariado. Marx afirma que o Estado burguês e seus aparelhos fazem parte da supraestrutura que  existe para manter tal exploração.  



Marx viveu na época capitalista e a estudou. Desse estudo nasceu seu chamado "socialismo científico" que explica toda a história, determinada por fatores econômicos na qual impera a luta de classes.  Tese afirmada claramente no Manifesto Comunista de 1848:

"...A história de todas as sociedades é a história da luta de classes.

O homem livre ou escravo, patrício ou plebeu, barão ou servo, numa palavra, opressores e oprimidos, estiveram sempre em luta uns contra os outros, sem quartel, por vezes dissimulada, por vêzes aberta, e que terminou sempre por uma transformação revolucionária da sociedade, ou pela destruição simultânea das classes em luta.

...Mas nossa época, a época da burguesia, tem de peculiar o fato de que simplificou a oposição de classe. Cada vez mais, a sociedade se divide em dois grandes inimogos, em duas grandes classes diamentralmente opostas: a burguesia e o proletariado". (K MARX, F. ENGELS - Manifesto Comunista)".  

Dessa terrível luta é que deveria surgir outra fase da história. Marx, com palavras esclarecedoras e também duras, orgulha-se de ter demonstrado porque e como ela ocorreria::

"O que fiz de novo (com relação à luta de classes, já exposta pelos "historiadores e economistas burgueses" consiste na seguinte demostração: 1. a existência das classes liga-se a certas lutas definidas, históricas, ligadas também ao desenvolvimento da produção; 2) a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3) essa ditadura constitui somente o período de transição para a supressão de todas as classes e para uma sociedade sem classes"(K. MARX, carta a Weidemeyer 5.03.1852. in PIETTRE, p. 258) 

4. Fase socialista. Vejam com atenção. A revolução socialista supera o sistema capitalista mas não cria um estado mais democrático, a não ser que democracia seja entendida como fim das desigualdades de classe. Nela  é eliminado o direito à propriedade privada dos meios de produção, tanto nas cidades como no campo. O Estado aumentaria seu poder e estabeleceria a "ditadura do proletariado". usando seu poder implacável para combaterr os antigos capitalistas e impedir a volta da exploração do homem pelo homem. Na prática foi uma ditadura usada para combater qualquer um que parecesse adversário do regime e que não poupou nem mesmo milhares de antigos revolucionários.  Voltaremos ao assunto quando tratarmos do socialismo real. 

 Nesta fase prevaleceria o princípio: "De cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo seu trabalho". Ou seja, ainda haveria graus de desigualdade nos salários, mas não mais exploração, dado que a mais valia capitalista deixaria de existir. Na prática, após a Revolução Russa de 1917 e outras que se lhe seguiram tivemos a implantação do socialismo marxista em países da Europa e da Ásia. Mais recentemente ele passou a ser chamádo de socialismo realmente existente. Não me lembro quem criou o termo. De qualquer modo muita gente de esquerda o aprecia. Simplesmente porque todo o horror existente nos países socialistas não teria ocorrido por erros intrínsecos do socialismo e menos ainda do marxismo. A narrativa então criada alega que os verdadeiros princípios de Marx tinham sido deturpados... Acredite se quiser.  

5. Fase comunista. Feita a revolução socialista chegaríamos, gradualmente, ao comunismo mais evoluído. O princípio vigente seria: "de cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo sua necessidade". Note-se bem: só há direito ao necessário. Lenin afirma, sem nenhum pejo que o trabalho comunista deve ser gratuito: 

... "Devemos e podemos formular abertamente a questão do trabalho comunista - de resto, seria mais justo dizer do trabalho socialista, pois não se trata ainda da fase superior, e sim da fase inferior, do primeiro estágio do desenvolvimento da nova ordem social que nasce do capitalismo.

O trabalho comunista, no sentido mais estreito da palavra, é o trabalho realizado gratuitamente, em proveito da sociedade, trabalho que não é realizado nem como prestação determinada nem para dar direito a certos produtos, nem segundo normas legais, antecipadamente estabelecidas. É um trabalho voluntário, realizado fora de todas as normas, sem ter em vista remuneração, recompensa, trabalho condicionado ao hábito de trabalhr para a coletividade e pelo sentimento (transformado em hábito) da necessidade de trabalhar para a comunidade - trabalho que corresponde a uma necessidade de organismo sadio. 

É evidente (...) que  estamos ainda longe de uma aplicação ampla e realmente maciça desse trabalho.

(...) o fato de que a questão seja levantada, (..) constitui um passo à frente (...).

Sábados comunistas, exércitos de trabalho, serviço de trabalho obrigatório, tais são, sob formas diversas, as realizações práticas do trabalho socialista e comunista".  (LENIN "De la destruction d'un ordre séculaira à la construction d'un ordre nouveau". 11.04.1920. in PIETTRE, p. 310-311.

Então amigos, acharam convidativo o trabalho socialista-comunista?

Lembremos que nenhum país governado por comunistas conseguiu chegar a esta fase. Os chineses, por exemplo, tentaram um comunismo radical, pelo menos em certas regiões. Mais para a frente, para não deixar o artigo muito longo e pesado, daremos exemplos de países que tentaram implementar à força práticas comunistas. Só lembro aos amigos que todas essas tentativas fracassaram 

6. Fase anarquista. Não é uma fase de caos, pelo contrário, seria uma fase de profunda ordem e harmonia social. Nela teríamos o desaparecimento do Estado. Os homens, totalmente evoluídos.  "homens novos", como dizemos engenheiros sociais, não mais corrompidos por sistemas opressivos, seriam capazes de se organizar pacificamente e de modo eficaz, de modo que nada faltasse a ninguém. Nenhuma autoridade seria mais necessária. O mundo seria um imenso kibutz desfrutando de imensa igualdade. Sem propriedade, sem família, sem qualquer autoridade. Uma visão que nos faz lembrar dos sonhos do milenarismo religioso. 

Uma palavrinha final sobre um ponto abordado por meu colega Theresiano:  Tive a impressão que você estabeleceu um "discreto paralelo" entre a tática marxista e a situação que temos vivido no Brasil, ante a associação dos poderes executivo e judiciário. É isso mesmo?

Sem dúvida há um paralelo. Não sou daqueles que acreditam - como faz equivocadamente muita gente - que não há mais perigo de novas revoluções socialistas no mundo. Certos pseudo intelectuais que afirmam isso acabam favorecendo, conscientemente ou não, a propagação das ideias dos diferentes socialismos e comunismos revolucionários. O ideal de Marx, ainda que tenha sofrido revezes, continua aceso na alma de muita gente. Ele ainda é propagado clara e abertamente por partidos comunistas e diversas correntes revolucionárias inspiradas pelo menos em alguns dogmas do marxismo. No geral, contudo, a ação da Revolução é feita de modo mais camuflado. Se estudarmos a história do PT - que não se declara oficialmente comunista, veremos que,  apesar de suas várias correntes internas há sempre um esforço comum para se procurar internalizar na sociedade tudo o que nos possa aproximar de sua utopia tão sonhada. Isso é feito não só através da propaganda clara do marxismo em suas várias facetas mas também pela manipulação da opinião pública, pelo aparelhamento do Estado e de muitos setores da chamada sociedade civil organizada. Há paralelismo com a situação do Brasil de hoje? Não tenho nenhuma dúvida. Espero mostrar tal verdade na medida em que for explicando mais pontos da doutrina marxista. 

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Notas:  1. A questão do PIX não tem diretamente uma relação com o socialismo. Todo governo procura cobrar impostos - eles são necessários para o bem comum - e procura evitar que determinados grupos deixem de cumprir suas obrigações tributárias. Até aí, tudo bem. Acontece que o PT e seus aliados revolucionários acreditam e defendem que o Estado é indutor de progresso e, nessa lógica, querem aprofundar a influência do Estado na economia. Aliás, mais do que influência, deveríamos dizer diretrizes. Depois querem passar de uma economia gradualmente intervencionista para uma economia planificada, como aquela que existiu no socialismo real. No caso concreto brasileiro a celeuma do PIX só teve sucesso porque todos já perceberam que o governo Lula não tem seriedade em enfrentar  a péssima situação fiscal do país com seu crescente déficit público. Pelo contrário, só procura meios de arrecadar mais. Supostamente para ajudar os mais pobres...

Supostamente. Nada mais que supostamente.

Bibliografia

1, PIETTRE, André. Marxismo, terceira edição, Zahar  Editores, RJ, 1969.

2.HRYNIEWCZ, Severo. Para Filosofar Hoja: Introdução e História da Filosofia. 5ª edição, Rio de Janeiro, Edição do autor, 2001. Distribuição. Livraria e Editora Santelena Ltda. RJ.  Ver p. 437 e 438 onde são comentadas as várias fases com seus respectivos modos de produção. 



sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

PÉROLAS DO MARXISMO (1)

 MARX, MOVIMENTO OPERÁRIO, IMPOSTOS


Valter de Oliveira


A recente polêmica sobre eventual cobrança do Pix fez-me lembrar de um dos livros que estudei para conhecer marxismo. Faz tempo. Tinha pouco mais de 20 anos. O autor é  o francês André Piettre (1). Acabei de pegar o exemplar na estante. Folhendo-o tive uma idéia: por que não colocar aqui no blog pontos essencias da doutrina marxista?. Já fiz um pouco disso antes, é verdade, mas não metodicamente. Pensei em seguir a ordem do livro que começa com a explicação do materialismo dialético. Hoje, contudo, faço uma exceção. Começo com um excerto do Anexo X onde há uma breve explicação da tática marxista para ação dos trabalhadores enquando não for possível a tão sonhada Revoluçao Socialista. 

Marx dá suas indicações para revolucionários e operários alemães, ou seja, no caso de procurar o poder por vias democráticas. 

"...Não é necessário dizer que no início do movimento os operários não podem ainda propor medidas diretamente comunistas. Podem, porém: 

1. Forçar os democratas a intervir no maior número de casos possível, na velha ordem social, e perturbar sua marcha regular  e a se comprometer, a concentrar nas mãos do Estado o maior número possível de forças produtivas, de meios de transporte, de fábricas, estradas de ferro etc   

2. Devem levar ao extremo os projetos dos democratas que, de qualquer forma, não se conduzirão como revolucionários e sim como reformistas e transformar tais projetos em ataques à propriedade privada. Quando os pequenos burgueses propuserem, por exemplo, desapropriar as estradas de ferro e as fábricas,  os trabalhadores deverão exifir que estas sejam puramente confiscadas sem indenização, quando propriedade de reacionários. (2). 

Agora, uma palavra interessante de Marx sobre os impostos


"... Se os democratas propõem impostos proporcionais, os operários devem exigir impostos progressivos; se os democratas propõem impostos moderadamente progressivos, os operários devem insistir para que a taxa em si seja tão elevada que o capital possa perecer com ela; se os democratas exigem a regulamentação da dívida pública, os operários devem exigir a bancarrota do Estado".

K. Marx, 1º Discurso ao Comité da Liga dos Comunistas, 1850; M. RUBEL.

PIETTRE, Op. cit. p. 279

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Notas: 

1. Marxismo. Piettre, André. , trad, Paulo Mendes Campos, Waltensir Dutra e Maria da Glória R. da Silva. 3ª edição RJ, Zahar edit. 1969. 

2. Em suma, alguém interesado em seguir Marx pouparia Maria Luiza Trajano, (Magazine Luiza) e teria nenhum pudor em ter como alvo Luciano Hang (Lojas Havan)... Curioso, não é mesmo?

3. Os destaques em negrito são do olivereduc.blogspot.com

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Até a próxima!

domingo, 3 de novembro de 2024

O NEOLIBERALISMO ECONÔMICO FERE A DOUTRINA CATÓLICA?

 


Valter de Oliveira

A pergunta tem uma razão de ser: nos séculos XVIII e XIX as ideias iluministas, que produziram o liberalismo político e econômico, atacaram fortemente a Igreja, e não somente no campo das ideias. Isso se deu principalmente na França onde  muito sangue católico foi derramado. Assim sendo, nada mais natural que encíclicas papais tenham sido duras com a ideologia liberal e denunciado os abusos da economia capitalista durante a Revolução Industrial européia. 

Acontece que as filosofias ou ideologias mudam, ou se adaptam, conforme novas circunstâncias e até oportunismos. Um exemplo é o liberalismo econômico, que inicialmente defendia apenas o Estado "gendarme" (1), mas depois, com o tempo, passou a admitir uma ação efetiva do Estado também na vida econômica. 

Um dos expoentes desse novo liberalismo econômico é Friedrich H. Hayek, um dos pais da chamada Escola Liberal Austríaca. Ele escreveu, em 1944, o livro "O Caminho da Servidão". Neste  defendeu a liberdade humana no campo político, social e econômico opondo-se aos totalitarismos da época: o nazi-fascismo e o comunismo. Curiosamente também criticou o capitalismo intervencionista e pseudoliberal que dominava os EUA e vários países europeus. Tarefa nada fácil dado que o liberalismo, desde 1929, com a famosa queda da Bolsa de valores de Nova York, passou a ser tido como superado e até inaceitável. 

No Brasil a segunda edição deste livro foi publicada pela Globo em 1987. O prefácio é de Adolpho Lindemberg, conhecido por ser um pensador tradicionalista que, apesar de reconhecer algumas lacunas de Hayek no campo religioso, não deixa de ver valores positivos no chamado neo-liberalismo, destacando-se sua rejeição a toda forma de socialismo cuja adoção seria um caminho para a servidão.

Adolpho Lindemberg
Lindemberg afirma peremptoriamente: "seria um erro grosseiro confundir o chamado neoliberalismo econômico com essa heresia tantas vezes condenada pela Igreja". E continua:

"O neoliberalismo, como observa Louis Baudin, um dos representantes máximos dessa escola, rejeita unanimemente o laissez-faire, laissez-passer do século XIX; é um conjunto de correntes de pensamento bastante diversas, cujo traço comum é o respeito pela pessoa humana e a utilização da iniciativa individual como base da vida econômica, uma vez que apenas o mecanismo de preços, funcionando num mercado livre, permite um aproveitamento ótimo dos recursos naturais e dos meios de  produção (cf. BAUDIN, Louis, L'Aube d'un Nouveau Libéralisme, Paris, Génin, 1953. p. 146 e 150. Isso não exclui, mas até supõe a ação do Estado: tanto para proteger o regime de livre concorrência, quanto para administrar a justiça, e para, realizar, subsidiariamente, tudo aquilo que a iniciativa particular não possa fazer. É portanto muito ampla a missão do Estado numa economia neoliberal. Só não é permitido a este, em matéria econômica, desvirtuar o regime de livre concorrência, substituir-se aos particulares em nome de uma deificação dos poderes públicos, intervir no mercado a fim de impor um plano arbitrário concebido apriorísticamente por pretensos "engenheiros" do bem-estar social. É isso o que expõe Hayek tantas vezes, nesta obra, por exemplo às p.77-78 e 115-116 (2). 

"Assim sendo, só uma ignorância total do neoliberalismo - ignorância hoje dificilmente concebível num espírito lúcido e de boa-fé poderia ver algo da heresia liberal naquilo que constitui propriamente  o pensamento econômico de Hayek. Se em algumas considerações colaterais, e de ordem não econômica, dele discordarmos, deveremos ter presente que isso em nada há de afetar a linha-mestra da obra. É útil, aliás, sublinhar aqui que o neoliberalismo não é, de modo algum uma doutrina monolítica, hirta, inflexível. Mas seus partidários fazem questão de ressaltar sempre que, versando sobre uma realidade econômica sumamente complexa e mutável, o neoliberalismo pode e deve admitir em seu seio as interpretações mais variadas, as sugestões mais imaginosamente diversas, desde que se respeite escrupulosamente o princípio fundamental da economia de mercado. E nessa riqueza e liberdade de perspectivas, bem entendidas, não há latitudinarismo doutrinário, nem relativismo metafísico, mas só o bom senso que ensina ser impossível ao homem dogmatizar sobre matéria variável, livre, sujeita à riqueza das manifestações vitais.

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Termino pedindo a opinião dos amigos, especialmente liberais e tradicionalistas. Concordam com Adolpho Lindemberg? Ele interpreta bem a Doutirna Social da Igreja ou deixou-se seduzir pelo novo liberalismo? 

Notas:

1. Estado policial. É um estado que se limita a garantir a ordem e a segurança pública, deixando os dominios sociais e econômicos para a liberdade individual.  Nessa lógica, só para dar um exemplo, não competiria ao Estado nem mesmo estabelecer um salário mínimo regional ou nacional. 

2. Hayek não admite que a propriedade seja um privilégio, afinal todos podem adquiri-la pelas mesmas regras. Quem faz isso priva a palavra privilégio de seu "verdadeiro sentido". p. 77- Na p. 115 são citados casos em que o Estado pode e deve atuar na economia, como, por exemplo, desastres em todos os sentidos: "Sempre que a ação pública não pode defender-se e contra cujas consequências não pode precaver-se, tal ação pública deve, indubitavelmente, ser empreendida". 

Fonte: Hayek, Friedrich August von. "O caminho da servidão". trad. Leonel Vallandro"; 2. ed. São Paulo, Globo, 1977

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

AS PROPOSTAS POLÍTICAS ESTÃO LIGADAS A UMA IDEOLOGIA


 Valter de Oliveira


Vamos continuar nossas observações sobre as eleições municipais e os candidatos.

Nos debates eleitorais e em entrevistas os candidatos a prefeito apresentaram diferentes propostas. Escolas em período integral é uma defendida por todos. Mais atendimento hospitalar e melhoria nos transportes também.  

Então não há diferença? 

Claro que há. Ela pode estar na eficiência do trabalho executado pelo prefeito e/ou na sua visão de governo, do homem e do mundo. Ou seja, o político atua conforme princípios e valores, ideologia que adota e interesses de grupos econômicos ou categorias que o apoiam.  

Curiosamente há candidatos que procuram deixar em segundo plano sua visão de mundo. Simplesmente porque pode ser complicado explicar o que realmente desejam, pois assim correm o risco de perderem eleitores. Eis porquê Tábata e Boulos - que pertencem a partidos socialistas, jamais explicam o que é o socialismo que defendem. Nem como e quando será implantado. 


A filosofia política de Guilherme Boulos

O candidato é conhecido por sua particiapação em movimentos sociais, em especial  do MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto), do qual é líder. Por lógica também apóia o MST (Movimento dos sem terra). Não há problema nisso. A lei permite que criemos ou pertençamos a movimentos sociais. A questão é que também aí temos que seguir leis, obedecer a justiça. Não está em nenhuma lei que eu, você, Boulos, quem quer que seja, possamos afirmar que uma propriedade não  está cumprindo sua função social e, devido a isso, tenhamos o direito de invadi-la. 

Pior é quando uma área particular é invadida e a Justiça determina que os invasores saiam dela. Isso acontece após um longo processo e onde não houve possibilidade de negociação. Quando o proprietário tem ganho de causa ele espera ter de volta sua propriedade. Oficiais de Justiça intimam os invasores e dão prazo para que se retirem.  Pois bem, em muitos casos desses o que fez Boulos e outros militantes sociais? Você sabe. Simplesmente insuflaram os invasores a resistir. Ou seja, para ele é lícito não obedecer ordens judiciais quando conveniente. Fica uma pergunta para Boulos: -"Vale também para Elon Musk?"    

Outro ponto. Boulos diz que desobedeceu ordem judicial por amor aos pobres. Mesmo? Ou porque ele sonha com uma sociedade onde não haja propriedade privada, livre iniciativa, capitalismo?

Nesta última eleição os socialistas e os partidos de esquerda em geral, preocuparam-se em dizer mil coisas que o Estado faria pelos mais necessitados. Não perceberam que muita gente prefere a liberdade de empreender, de crescer, ter sucesso, dependendo principalmente do próprio esforço. Marçal percebeu. Disse que seria capaz de criar 2 milhões de emprego com empreendedorismo. Soube ler melhor a realidade social. Resultado: muita gente votou nele. Foi uma disputa bem acirrada.

O desespero. Boulos lança "Carta ao Povo de São Paulo".

Pesquisas eleitorais favoráveis a Nunes fizeram com que a campanha de Boulos lançasse mão de mil artifícios para angariar eleitores. Usaram-se vários meios. Alguns não muito éticos. Finalmente, resolveram publicar uma "carta ao povo". 

Nela se reconhece que os famosos intelectuais de esquerda, aqueles que enchem a boca para dizer que  que estão sempre na periferia, que viveram ou vivem nela, não entenderam as mudanças que ocorreram nas camadas mais pobres. Pediram desculpas.

O fato foi comentado por um amigo, Marcelo Guterman, mestre em economia, numa rede social. Eis suas palavras:

Da chamada “Carta ao Povo Paulistano” de Guilherme Boulos, muito se falou do mea culpa da esquerda, que “esqueceu-se” dos pequenos empreendedores da periferia ao focar nos mais pobres. De minha parte, o trecho que me chamou a atenção foi o seguinte:

“Sei que boa parte de vocês está descrente da política, perdeu a esperança por achar que são todos iguais. E quando a gente vê quem aparece só de quatro em quatro anos, repetindo o que o marqueteiro falou, eu te entendo. É difícil diferenciar quem está de verdade do seu lado dos que querem te enganar.”

Este é o trecho em que Boulos descreve o seu próprio discurso. Ele só está “repetindo o que o marqueteiro falou”, fruto de pesquisas qualitativas. Grande parte dos paulistanos (e, porque não dizer, dos brasileiros), ainda acha que precisa trabalhar para conquistar o que deseja, e que invadir propriedade alheia é roubo, pura e simplesmente, ainda que seja glamourizado pela intelectualidade da esquerda.

Boulos sendo preso durante reintegração de posse em 17/01/2017


Boulos foi doutrinado e doutrinou dentro da práxis marxista. Ele já afirmou em entrevista que o MTST não é um movimento por moradia, mas uma mobilização do povo para “transformações sociais”, em que, supostamente, as estruturas capitalistas seriam derrubadas.

A sua afirmação de que, agora, quer ajudar os pobres a empreenderem, dentro de uma lógica capitalista, soa tão natural quanto um elefante vestido com um pijama pink com bolas amarelas. Por isso, a imagem do candidato que repete como um papagaio o que o marqueteiro lhe fala lhe cabe à perfeição.

Depois das eleições, a esquerda doutrinada poderá recomeçar a chamar o pobre empreendedor de “burro” por ser um “pobre de direita”. Falta pouco, gente.


            Invasão e depredação da FIESP em 13/12/2016, organizada por  Boulos, PT e CUT

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É isso amigos. Por hoje é só. Até amanhã,

PS. Acabei de ver na JP que Boulos aceitou ser sabatinado por Marçal. Em certo ponto o deputado afirma que não tem medo  de rejeição por causa das ideias que defende. "Todo mundo sabe quais são minhas ideias", disse ele. Todo mundo, deputado? Então porque desconversa quando pedem sua opinião sobre aborto, liberação das drogas, pauta identitária, cotas no sentido igualitário, críticas às polícias, etc. etc? Será que está bem claro seu apoio ao governo Lula, em todos os seus aspectos, inclusive seu alinhamento com a esquerda mundial? Entendem a simpatia de nossa esquerda pelo  Hamás?  Não caro  deputado, o sr. procura esconder sua verdadeira visão política. Se o povo a conhecesse, de verdade, sua rejeição seria ainda maior. 



quinta-feira, 24 de outubro de 2024

ELEIÇÕES: CANDIDATOS, PROPOSTAS, GOVERNO

 


Valter de Oliveira


Mais uma eleição.  Tivemos candidatos a vereador e à Prefeitura. Os 55 primeiros já foram eleitos. Os dois candidatos que ficaram para o segundo turno continuam debatendo e apresentando suas propostas. Como é habitual, infelizmente, sempre temos verdades e mentiras. Assim sendo, para facilitar a compreensão do processo político municipal vamos apresentar alguns esclarecimentos indicando, préviamente, alguns problemas. 

1.  A fulanização da política. 

Fulanização? Isso mesmo. Fulanizar é transformar a escolha eleitoral em um jogo no qual o que importa é a pessoa. Aí, enfatiza-se mais as pretensas qualidades de um ou  outro candidato e deixa-se em segundo plano princípios, valores, ideologia partidária, etc. Assim, como vimos na atual eleição, os candidatos se preocuparam mais em atacar pessoalmente os adversários do que discutir os problemas da cidade. 

Todos têm culpa? De certo modo sim. Igualmente? Não. Se você assistiu os debates sabe muito bem quem foi que mais procurou atacar a honra do outro. 

A fulanização fica mais flagrante quando um candidato se apresenta como capaz de resolver os problemas da cidade simplesmente porque ele é bom, porque promete muitas coisas Ao fazer isso faz um desserviço à democracia, procurando enganar o eleitor. Por quê? Porque passa ao eleitor a ideia que ele, em um cargo executivo, poderia agir com mais autoridade do que um antigo rei absoluto. Não pode. Para muitas de suas promessas ele depende da aprovação dos vereadores. O prefeito pode elaborar o orçamento que inclui onde e quanto vai gastar em determinado ano. É a chamada LOA, Lei  Orçamentária Anual. Mas, aí está aquestão. Tudo tem que ser aprovado pelos vereadores. Eles podem aceitá-la ou não. Podem também fazer emendas que modifiquem o que foi proposto.

É assim que agem os candidatos? Explicam isso a você? Ou dizem que a partir de 1º de janeiro, caso eleitos, já começam modificando o que bem entenderem?

Quando uma eleição é fulanizada fica mais fácil o candidato procurar enganar o eleitor. Um exemplo: Lula e Dilma, em campanhas eleitorais, sempre disseram que eram pessoalmente contra o aborto. Até D. Marisa entrava no meio porque se dizia que ela assim pensava. Pronto. Muita gente ficou tranquila. Confiaram na pessoa, no candidato. Não ligaram Lula e Dilma ao PT, que é oficialmente favorável à eliminação dos nascituros pelas mais diferentes razões. Não foram informados que norma interna do PT permite a expulsão de deputado federal que divirja da orientação partidária neste assunto. Mal informados, votaram em Lula e Dilma. Eleitos, o que  deveriam ter feito? Muito simples. Escolhido Ministros da Saúde de acordo com o que declararam nas eleições, ou seja, com ideologia pró-vida. Fizeram isso? Não! Muito pelo contrário. Escolheram  ministros que procuraram favorecer a interrupção da gravidez. Uma enorme contradição. 

Se ficasse claro na eleição que é o partido ou a coligação de partidos que apoiam uma determianda visão política, bem clara, tudo ficaria mais compreensível para o eleitor. 


2. É difícil, se não impossível para o eleitor, compreender a viabilidade da proposta.

Suponha só coisas boas propostas pelos candidatos: mais hospitais, mais escolas técnicas, mais corredores de ônibus, etc, etc. A questão é: quanto custa? Quanto tempo leva para fazer? Com que qualidade? E em questões mais complexas, como segurança e educação? Estas estão ligadas a leis estaduais e federais bem como a ação dos respectivos Executivos. Nada fácil. Em suma, como diz o ditado popular, "Uma coisa é prometer, outra é fazer". 

Lembre-se disso na hora de votar no domingo. 

Amanhã tem mais. 





sexta-feira, 4 de outubro de 2024

ELEIÇÕES. MAQUIAVELISMO ONTEM E HOJE

 Valter de Oliveira


Você acompanha a política nacional? Acredita que há bons políticos? Quais seriam suas qualidades? Honestidade? Competência? Virtudes? Busca do bem comum de todos nós?

Talvez você tenha procurado tudo isso ao acompanhar os debates. Se é que os assistiu...


Debates para a prefeitura de São Paulo

Gostou ou decepcionou-se?

Você sabe que há quem se deixa enganar. Alguns porque procuram candidatos com as qualidades de um santo. Outros porque imaginam que "aquele candidato" tem condições de mudar tudo... E em pouco tempo! 

Você e eu sabemos que o mundo é muito mais complexo. Há muito tempo. Desde o começo da humanidade.

Uma coisa essencial é bom lembrar: desde maquiavel, aquele famoso humanista político da Renascença, o bom político é aquele que aparenta ser bom. E que faz com que acreditem nele. Não importa se é um santo ou um pilantra. O que importa é a imagem. 




Segue aqui trecho de um artigo que escrevi em novembro de 2022. Cito palavras de Maquiavel 

"O fim justifica os meios

“Nas ações de todos os homens, máxime dos príncipes, onde não há tribunal para que recorrer, o que importa é o êxito bom ou mau. Procure, pois, um príncipe vencer e conservar o Estado. Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo é levado pelas aparências e pelos resultados dos fatos consumados”  (MAQUIAVEL., 1983, P. 75) (Op.cit. p. 57-58).

Se o amigo leitor é paciente, se tem amor pela história e quer aprofundar o tema, abra o link e leia o artigo. Vai ajudá-lo a entender como funciona a política em nossos dias. Aliás, praticado por nossas falsas elites há mais de 400 anos. 

https://www.olivereduc.com/politica/politicanacional/etica-politica-idade-media-renascenca-hoje/ 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

POR QUE USAMOS "SEU" E "DONA"?

 Encontrei este belo texto hoje no FB. É uma bela aula sobre nossos pronomes de tratamento. A única mudança que fiz foi mudar a ilustração. (V.O).

"Quem assistiu a ‘Escolinha do Professor Raimundo’ (1990–1995) deve se lembrar que o personagem de Chico Anysio chamava seus alunos com ‘seu’ e ‘dona’ ante o nome: Seu Boneco, Seu Peru, seu Sandoval Quaresma, Dona Bela, Dona Cacilda, dona Catifunda. Esse hábito está cada vez mais sumido.
“Bom dia, seu Pedro! Como vai o senhor?” “Olá, dona Lúcia! Vou enviar a encomenda para a senhora.” Não se usa mais falar assim para demonstrar respeito e urbanidade? Não sei lhe dizer o fim dessa história, mas posso lhe contar o início.
Na Antiguidade, casa era chamada de ‘domus’ em latim. O chefe do ‘domus’ era o ‘dominus’ (pronuncia-se /dôminus/) e sua esposa era a ‘domina’. Alguns imperadores romanos, como Diocleciano, chegaram a usar ‘Dominus’ como um título honorífico.
São Jerônimo, ao passar a Bíblia para o latim, traduziu a palavra hebraica ‘יהוה’ (YHWH; pronuncia-se /jaué/) como ‘Dominus’. Por sinal de respeito, ainda nos primórdios do cristianismo, bispos e papas também eram tratados por ‘dominus’. Na Idade Média, o termo era usado para reis, nobres do alto escalão, senhores feudais, cavaleiros e todo tipo de gente importante.
‘Dominus’ evoluiu para ‘domnus’ ainda no latim. No português arcaico, ficou como ‘donno’, o que nos gerou o nosso atual ‘dono’ (proprietário). Por similar processo, ‘domina’ virou ‘dona’; em francês, se tornou ‘dame’, o que nos ficou como ‘dama’. O francês ‘ma dame’ (minha senhora) formou ‘madame’ e o italiano ‘ma donna’ , ficou ‘madona’ para nós.
Outro caminho que ‘dominus’ tomou na evolução da língua foi ser reduzido a ‘dom’. Por isso, temos o par ‘dom’ e ‘dona’. Assim como o ‘Dominus’ dos romanos, os títulos honoríficos ‘Dom/Don’ e ‘Dona/Donna’, eram usados como tratamento da gente da nobreza e do clero onde hoje são Portugal, Espanha, França e Itália. Essa tradição se estendeu ao Brasil, onde passaram nobres como Dom João V, Dom Pedro I, Dom Pedro II, Dona Teresa Cristina e a princesa Dona Isabel. Veja que as mulheres, por terem menos destaque no sistema monárquico, geralmente são citadas sem o ‘Dona’.
Com o fim da monarquia em 1889, Dom ficou mais restrito aos sacerdotes católicos, como, por exemplo, Dom Bosco (padroeiro de Brasília) e Dom Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro. Já ‘Dona’ se popularizou e passou a ser um tratamento dado às consideradas ‘mulheres de respeito’, ou seja, às casadas, às viúvas e às religiosas. É por isso que a Maria, ao se casar com o José, costumeiramente era tratada por Dona Maria.
Já que Dom ficou com os membros da Igreja, o tratamento respeitoso aos homens veio de outra palavra que, em sua origem, equivalia a ‘dominus’. Voltemos à Idade Antiga.
Em latim, ‘senex’ significa ‘velho’. De ‘senex’, temos o comparativo ‘senior’, que significa ‘o mais velho’.
Depois que os lombardos conquistaram a região norte da península Itálica, no século VI, algo dos costumes de chefia mudou por lá. Quando um ‘dominus’ lombardo repartia suas terras entre seus filhos, o governo do lugar era concedido ao mais velho, chamado ‘senior illius loci’ (o mais velho do lugar). A partir de então, ‘dominus’ e ‘senior’ foram se tornando sinônimos.
Da mesma forma que ‘dominus’ virou ‘dom’, ‘senior’ passou a ‘senhor’ e, com o tempo, acabou sendo atribuído como forma de tratamento aos homens em geral. A partir de ‘senhor’, vieram as formas ‘senhora’ (o equivalente a ‘dona’) e ‘senhorita’ (moça solteira).
Um tantão de termos foram derivados de ‘senhor’ e ‘senhora’, especialmente durante a escravidão brasileira. De ‘senhora’, tivemos: ‘sinhara’, ‘sinhá’, ‘siá’ e ‘sá’; de ‘sinhá’ surgiram ‘nhanhá’, ‘iaiá’ e ‘nhá’. De ‘senhor’, surgiram ‘sinhô, ‘sô’, ‘nhô’, ‘nhonhô’ e ‘ioiô’. Os filhos dos senhores eram tratados pelos escravos como ‘sinhô-moço/sinhá-moça’ e ‘sinhozinho/sinhazinha’.
É aí que você se lembra do romance ‘Sinhazinha’ (1929), de Afrânio Peixoto; das novelas ‘Sinhá Moça’ (1986 e 2006) e da ‘Sinhazinha Flô’ (1977). Espantosamente, muitas festas juninas ainda realizam o concurso da Sinhazinha e do Sinhozinho.
Mas como esse nomes tiveram forte ligação à vida do campo e aos escravocratas, seu uso ficou mais restrito às cidades do interior e a maioria desapareceu. Nos grandes centros, o que vingou foi outro derivado de ‘senhor’, ‘seu’, muito influenciado pelo pronome ‘seu’. Assim, homens – casados ou não – costumavam levar o tratamento ‘seu’ ante o nome ou o ofício: Seu Jorge, Seu Barriga, seu delegado, seu guarda.
‘Seu’ e o feminino ‘sua’ também são usados com outros sentidos diversos. Podem ser empregados com valor afetivo (“sua linda!” “seu bobinho...”), de forma jocosa (dizendo a uma criança que bagunçava: “Bonito, hein, seu Rafael!”) ou até depreciativa (“seu burro!”, “sua tonta”).
Atualmente, boa parte da população tem associado ‘seu/dona’ e ‘senhor/senhora’ a ‘velho, idoso’. Há quem também entenda que se trata de um formalismo desnecessário. Por isso, esses termos têm deixado de figurar nas boas maneiras. Até pouco tempo atrás, ninguém com mais de 30 anos se incomodava em ter um desses tratamentos. Jovens casadas de 19 anos eram ‘senhoras’ e estava tudo bem. Hoje, muita gente até se ofende ao ser chamada de ‘senhor/senhora’. Retrucam: “Senhora está no Céu!”
Referência: ‘Vocabulario latino & portuguez’, por Raphael Bluteau (1728); e ‘Dicionário Houaiss’ (2009).

Sugestão: Felipe Moreira.