sábado, 10 de janeiro de 2009

EDUCAR É AJUDAR A CRESCER

Evandro Faustino[1]

Meu amigo Valter me pede algumas linhas sobre o candente assunto da educação e da escolha de um bom colégio. Vamos iniciar esse tema com uma verdade óbvia e indiscutível para qualquer pai ou mãe: nossos filhos são nosso maior tesouro. A essa verdade acrescentamos outra, tão evidente quanto a primeira: somos parceiros de Deus, sócios de Deus na criação de nossos filhos.
O ato de criar um filho não termina em sua concepção. O ser humano é de todos os animais, o que mais tempo necessita dos pais para se formar. Podemos dizer assim, com toda a segurança, que a criação continua ainda por muito tempo, até que nossos filhos se tornem independentes e voem sozinhos. Esse processo, essa parte do ato criativo que se prolonga pelos anos afora, e onde evidentemente a parceria com Deus continua a vigorar, é o que chamamos de educação.

Educar é uma tarefa, uma missão, que os pais nunca podem transferir integralmente para ninguém. Entretanto, em certa altura do processo educativo, acontece que os bons pais, desejando fornecer o melhor a seus filhos e vendo a complexidade do mundo e as mil necessidades educativas que eles vão apresentando, percebem a conveniência e até a necessidade do auxílio de pessoas que se especializaram na arte e no ofício de educar. Os pais então, sem com isso renunciar por mínimo que seja de sua missão educativa, buscam a parceria com um colégio.

Encarado sob este ponto de vista, o colégio assume uma importância capital. É uma instituição que eu escolho e convido para dividir com Deus e comigo essa responsabilidade de formar e fazer crescer o maior tesouro que eu possuo na terra. Com que cuidado e critérios eu devo fazer essa escolha! Se me cerco de garantias para investir meu dinheiro, se peço fiadores e referências de toda ordem para aceitar um sócio em qualquer empreendimento, com que carinho e atenção eu deverei eleger essa instituição que irá dividir comigo a responsabilidade de formar o meu filho!

Que critérios usar na escolha de um colégio? Sabemos de antemão que alguns estabelecimentos nem sequer devem ser considerados. Entre esses estão aqueles ¨colégios¨ massificantes, onde os alunos são apenas um número e uma conta bancária, e onde portanto não existe nem de longe a preocupação de fornecer qualquer tipo de formação. Em colégios assim um pai ou mãe que tenham um pouco de consciência nunca iriam matricular seu filho. Mas descartados esses, ainda sobram muitos outros, e ai entram em jogo uma série de critérios que não são exatamente errados, mas equívocos, e que podem levar a erros sérios. Vejamos alguns deles.

O primeiro critério equivocado, e um dos mais comuns, é o da proximidade. Nestas cidades desumanas e congestionadas em que vivemos é uma forte tentação escolher a escola que esteja mais próxima de casa ou do trabalho, e assim livrar-se do problema do transito, e das despesas de um eventual transporte escolar. Mas é muito pouco provável que o melhor colégio para seu filho seja exatamente esse da esquina, pela simples razão de que há muitas esquinas no mundo, e muito poucos colégios realmente bons. Pais que optam pelo comodismo da proximidade estão muitas vezes se satisfazendo apenas com um local que tome conta de seus filhos nos períodos em que precisam trabalhar, ou fazer qualquer outra atividade. Muitos encaram a escola apenas como um depósito de crianças. Argumentam que as crianças pequenas necessitam basicamente de higiene e segurança, e esquecem ou ignoram a verdade científica de que mais de 70% de tudo o que um homem aprende durante a vida, irá aprender até os 3 anos de idade. Sacrificam esse período mais rico e precioso do aprendizado de seus filhos nas aras da comodidade.

Outro critério enganador é o do preço. O colégio melhor não será necessariamente o mais caro. Nem o mais barato.

Outros pais se inclinam a buscar o colégio mais moderno, seja lá o que entendam por isso. Para alguns o colégio será moderno porque é novo. Para outros, porque possui modernices como uma grande sala de computadores, ou câmeras de vigilância, ou até mesmo, como ouvi afirmar de um deslumbrado avô, porque possui uma loja do Mcdonalds na lanchonete... Por mais fascinantes e úteis que esses acessórios possam parecer, eles não podem ser determinantes da essência de uma escola.
Outro critério equívoco e muito sedutor para alguns, é o do status. Os que escolhem um colégio por isso raciocinam que assim seus filhos terão mais chances de encontrar e fazer amizades com filhos de pessoas importantes, que os poderão ajudar no futuro. Ou apenas querem ter o prazer de apregoar que seus filhos estudam num colégio bem cotado socialmente. O que seu filhos estudam é para eles bem menos importante...

Há ainda o critério da tradição, muitas vezes expresso pela consideração de que se meu avô, meu pai e eu estudamos nesse colégio, e foi bom para nós, será bom para meu filho também. É preciso lembrar que as épocas são diferentes, que os tempos e as pessoas mudam. E que os colégios podem mudar também.

Alguns pais, bem poucos na verdade, são mais exigentes em sua avaliação, e querem saber qual é o método do colégio, ou qual a sua proposta pedagógica. Mas esse ar de seriedade e de exigência se esvai quase que imediatamente quando um coordenador ou diretor os aquietam afirmando que é um método novo, ou uma proposta moderna... a mais moderna, asseguram. Fica implícito que tudo o que é mais moderno é necessariamente superior ao que o que é mais antigo, e que se uma proposta pedagógica é a mais moderna será também a melhor. Qual é mesmo a proposta? Não importa... É a mais moderna...

Há finalmente aqueles que têm o espírito prático, e que buscam os resultados que o colégio apresenta. E por resultados entenda-se aqui quantos alunos o colégio fez aprovar nos exames vestibulares para as universidades. Sem desmerecer esse feito, é preciso lembrar que um colégio deve fazer mais do que treinar um rapaz ou uma moça para passar no vestibular.

E o que é exatamente esse mais, que o bom colégio deve buscar? Em que consiste a verdadeira educação?




Tomás Alvira, um dos maiores educadores do século XX, define educar como “ajudar a crescer”. Coerente e harmônico com essa definição outro grande educador, Oliveros F. Otero, ensina que educação é um processo de melhora, uma transformação pessoal direcionada, um desenvolvimento das possibilidades do ser humano numa aproximação gradual daquilo que constitui a sua própria plenitude, única e irrepetível.

Dentro dessa linha de raciocínio, o melhor colégio será aquele que ajude o aluno a crescer para atingir a sua própria plenitude.

Note-se que no parágrafo anterior, a palavra aluno está no singular. Ainda que haja centenas de alunos em um estabelecimento de ensino, a verdadeira educação será sempre individual, personalizada. E nem podemos esperar que seja de outra forma, se quisermos ser coerentes com a definição que acabamos de expor: se educar é ajudar a crescer para uma plenitude, se essa plenitude é diversa para cada pessoa, e se cada pessoa é única e irrepetível, então educar será sempre uma ação personalizada, ainda que haja dezenas de alunos em uma classe e centenas de crianças em um colégio. E a qualidade educativa de um colégio se medirá por sua capacidade e sucesso em aproximar cada um de seus alunos de sua plenitude pessoal. Tudo o mais é secundário. E qual é a plenitude pessoal mais completa? O diretor de um dos melhores colégios da Europa não hesita em concluir assim:

“Se no plano humano é preciso animar os alunos para que tenham miras elevadas e se esforcem para chegar alto (“ Não tenham o ânimo tão pequeno, diz o Cavaleiro a seu escudeiro Sancho, que se contentem com menos do que ser excelentes”[2]), no plano sobrenatural é ridículo por parte dos pais, e medíocre por parte dos filhos, conformar-se com qualquer coisa que não seja a santidade” [3].

Concluímos então que educar para a plenitude é educar para a santidade. Há quem afirme que o país precisa de técnicos, como houve antes quem afirmasse que precisava de soldados, ou de engenheiros, ou do que fosse. Está claro que nosso país precisa de todas essas profissões, e de muitas outras. Mas antes de tudo precisa de mulheres e homens formados em sua personalidade, e que por conseqüência natural e lógica dessa formação sejam ótimos técnicos, soldados, esportistas, professores, ou o que for. Essa é a verdadeira e principal finalidade da educação: formar pessoas boas e plenas, e por isso, felizes. Essa deverá ser a característica do bom colégio.

Alguns podem objetar: estará nas atribuições e competência de um colégio, alem de ajudar seus alunos a crescer na ciência e nas virtudes humanas, ajudá-lo também a atingir esse supremo degrau do crescimento e da perfeição que os católicos chamam de santidade?

Ora, por que não? São Josemaria Escrivá, juntamente com muitíssimos outros educadores, ensina que um bom colégio deve ser uma extensão do lar [4]. E se o papel do lar, o papel da família, é levar cada um de seus membros à plenitude, à santidade pessoal, esse deverá ser o papel do colégio também.

Um colégio assim será uma utopia, algo muito bom na teoria, mas impossível na prática? Demandaria um investimento muito grande, a ponto de se tornar proibitiva a sua materialização? Teria uma mensalidade tão alta a ponto de ser alcançável apenas por uma pequena elite endinheirada? A cada uma dessas três perguntas devemos responder com um solene e rotundo não.



Os colégios de educação personalizada não são utopia. Existem há mais de meio século, em muitos países da Europa e das Américas. Também não demandam investimentos maiores que os da construção de qualquer outro colégio. Não precisam ser caros ou exclusivos de uma elite rica. Abriram-se colégios de educação personalizada tanto em bairros paupérrimos e no meio de favelas quanto em outros de alto poder aquisitivo. Mais ainda, há colégios desse estilo que congregam indistintamente alunos de todas as classes sociais, convivendo em uma harmonia invejável. Já são muitos, mas poderiam ser muitos mais ainda, se nos conscientizássemos da importância de uma educação assim. Esse papel de conscientização cabe aos pais. A imensa maioria dos colégios de educação personalizada nasceu e nasce ainda da iniciativa de um grupo de pais preocupados com a inexistência ou a precariedade de uma boa educação, e desejosos, de um desejo eficaz, de dar o melhor para seus filhos. São pais como nós o somos. Se queremos colégios assim, vamos lutar por eles, sem esperar que outros nos impinjam o que não queremos. Os filhos que devemos formar são os nossos. Os principais interessados somos nós. Ao trabalho.




























[1] Mestre e Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Máster em Direção de Centros Educativos pela Universidade Complutense de Madrid.
[2] - Don Quijote de la Mancha, I, VII
[3] Jesus Urteaga, Carta aos pais. In Gaztelueta. Lejona (Viscaya), 1976, p.67. Jesus Urteaga foi diretor do Colégio Gaztelueta.
[4] São Josemaria Escrivá, Tertúlia no Colégio Tajamar, Madrid, 21.11.1972.

5 comentários:

Profª Sonia Rosalia disse...

Parabéns pelo artigo. Ao trabalho, professor!

Anônimo disse...

Beleza de texto, professor!
Recomendei-o a amigos.
Se me permite uma observação, seria interessante aprofundar o tema da santidade, para ser bem entendido por quem ainda pense em anjinhos barrocos olhando para o céu azulado. Corrija-me se eu estiver errado, mas a santidade é comunhão com Deus que extravasa em serviço ao próximo, em capacidade de doação desinteressada ao próximo, tão difícil, admito...
Abs!

Christiane Forcinito Ashlay Silva de Oliveira disse...

Evandro

Excelente texto mesmo! Nossa teria tanta coisa a ser dita. Você pegou em muitos pontos cruciais! Excelente!

Como mãe digo que quando procurei escola para minhas filhas procurei algo que seguisse a mesma linha que a nossa família, isto é, nossa disciplina, nossos princípios. Pois acredito que a escola além de ser uma extensão da casa também prepara para o futuro. Olho para a educação e vejo uma ação global conjunta da qual nenhuma das partes pode ser omissa. A santidade então, nunca deve ser deixada de lado!

Isso dá uma boa e logicamente saudável discussão... hehehe..

Como pesquisadora iniciante, entrei agora em um grupo de pesquisa sobre a inclusão e importância do ensino da filosofia para crianças do ensino fundamental, penso o quanto a educação transforma o ser e que todos deveriam ter isso tão claro, mas tão claro que não deveria ser objeto ainda de tanta omissão.

E como futura professora de filosofia (me formo este ano de 2009) espero estar a altura de tão digna e importante missão de encaminhar almas para a santidade através do ensinar a pensar por si próprios e assim tornarem futuro adultos conscientes existencialmente.

Grande abraço.

Christiane.

Unknown disse...

Só podia ser meu mestre mesmo! Adorei!

Abraços,

Aline - História, São Marcos.

duasmalas.com disse...

Professor Evandro!Que prazer em achá-lo! Fui sua aluna da turma( da tarde) de 2005 na São Marcos!
Tive o privilégio de tê-lo como meu professor ! Nunca esqueço uma de suas sábias frases: "Conhece-se o homem, conhecendo sua religião". Sua aula sobre a Revolução Francesa foi brilhante.A I e II Guerra, inesquecíveis. Foi um imenso prazer em achá-lo deparando-me com este texto. Concordo plenamente sobre a questão da santidade pessoal, da perfeição humana, do caráter lapidado através de uma escola que o envolva em princípios para um enfrentamento da vida.
O conhecimento liberta. É fato.
Prazer professor. Fique com Deus. Eu tenho muita estima pelo senhor, pelo prof. Lincoln e prof Laima. São meus mestres sagrados. Minha eterna gratidão pelo que sou, como pessoa e professora.

Meire Nunes

nunesmeire@yahoo.com.br