segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O Bombeiro, a Mulher e a Vida Humana


O Bombeiro, a Mulher e a Vida Humana


Valter de Oliveira




A você, bombeiro.

Era quarta feira. Ele estava andando pela região do mercado central, junto ao Tamanduateí. Talvez estivesse pensando na esposa... ou nos filhos. De repente, ouviu gritos. Uma mulher se afogava no rio. Ele agiu rápido. Em pouco tempo atirou-se à água a fim de tentar salvar uma pobre desconhecida. A força das águas era grande. Chovera muito em São Paulo. Foi uma luta árdua. Ele finalmente a segurou e conseguiu salvá-la. Deve ter sentido um grande alívio quando a viu ser içada por pessoas que a ajudaram da margem do rio. Tentou subir. Escorregou, caiu na água do rio e foi arrastado um pouco. Tentou novamente. Difícil. O afluente do Tietê fora canalizado com laterais de concreto. Faltavam pontos de apoio para ele dar um impulso e salvar-se. As pessoas, na margem, não conseguiam ajudá-lo. Ele sentiu a morte próxima. Deve ter, de novo, pensado na esposa e nos filhos. Lembrou-se do último adeus. As águas impetuosas o arrastaram ainda mais e o puxaram para o fundo do rio. Não o viram mais. O soldado José Barbosa de Andrade desaparecera. No dia seguinte seu corpo foi encontrado por seus colegas..Os jornais publicaram uma breve biografia. Publicaram também que a mulher que salvara era uma pobre catadora de papelão, Salete Aparecida Rodrigues. Não sei se noticiaram que era também moradora de rua. Não importa. Era uma dessas pobres infelizes que vemos andar por nossa cidade. Teria valido a pena morrer por ela?

Quando o fato ocorreu, vi, como nunca, a beleza de uma carreira que, no mundo todo é admirada. A queda das torres gêmeas em Nova York nos mostrou em grande escala o valor dos bombeiros. São homens de fibra, de incomparável coragem, que todos os dias, em qualquer lugar, com ou sem meios, estão dispostos a salvar vidas humanas. Não importa se as vidas são de ricos ou pobres, sábios ou ignorantes, brancos ou negros, homens ou mulheres, velhos ou crianças, pessoas saudáveis ou doentes. Estão sempre dispostos a dar a vida por seres humanos que não conhecem! Não são filósofos nem teólogos, mas compreendem e sentem no fundo de suas almas a sublime dignidade da vida humana!

Lembrei-me de médicos e policiais. Os primeiros, fiéis ao juramento de Hipócrates, também se dedicam a salvar seus semelhantes. Sacrificam suas vidas, não são senhores de seu tempo para fazer o bem. É belo, muito belo. Mas, em geral, não sacrificam diretamente suas vidas.

Policiais lutam contra criminosos, inúmeras vezes em condições adversas, para proteger a sociedade. Muitos também deixam suas esposas e filhos quando são alvos de criminosos. O mundo de hoje não tem o devido respeito por eles. Mas os anjos do Céu reverenciam a todos aqueles que caem íntegros no cumprimento do dever.

A todos, médicos, policiais, bombeiros, a você José Barbosa, temos que dizer: “Obrigado, muito obrigado”.

A você mulher.

Estas reflexões me ocorreram por ocasião da morte do jovem soldado que pós mortem foi promovido a cabo por seu ato de bravura. Em seu funeral o comandante geral da PM, coronel Carlos Alberto de Camargo ressaltou que a morte de Barbosa foi um “maravilhoso exemplo de solidariedade.” Solidariedade tão pouco presente em nossa sociedade. Pensei na falta de amor e no grande vazio ao qual somos arrastados pela cultura da morte. E na violência praticada contra as mulheres. Violência de certo tipo de propaganda que nelas quer extirpar a grandeza de sua generosidade.

Sim, pensei nas mulheres, seres maravilhosos que dão à luz outras vidas. E também naquelas que, jovens ou não, por mil circunstâncias da vida pensam em eliminar a vida que trazem em seus ventres. E lembrei-me com dor das que levaram a termo seus desejos.

Por que, Deus meu, há quem morra por outros seres humanos que nunca viram, com quem jamais falaram, do qual nada sabem? E por que há mulheres – incentivadas por homens egoístas e irresponsáveis – que eliminam seus filhos e impedem-nos de vir a conhecer as grandezas de Deus? Não é próprio dos pais dar a vida por seus filhos? Não é dever nosso lutar pelos inocentes? O que aconteceu conosco?

Vivemos em um mundo hedonista no qual perdemos a noção de Deus e do próximo mesmo que este seja nosso filho. Há quem os veja como estorvos. Há quem os deixe de lado porque precisam descansar... ou curtir a vida. Porque precisam trabalhar, crescer na carreira. Ou para bater papo na internet. Vivemos felizes no mundo virtual. Irritamo-nos ao ter de dar atenção a filhos, irmãos, amigos no mundo real... Não queremos ver que generosidade implica em sacrifício. E que os dois juntos nos trazem felicidade. Especialmente se temos em mente que nascemos para fazer o bem. Todos os dias. Todos os momentos. Sem férias. Sem descanso. Na suprema doçura do dever cumprido. Cumprido com amor.

Hoje, você mulher, que está me lendo, talvez você esteja grávida. Ou venha a estar um certo dia.

Talvez você tenha a tentação de achar que não vale a pena dar seu tempo e sua atenção a seu filho que vai nascer. Talvez você seja tentada a seguir os conselhos dos arautos da morte, dos que dizem que o corpo é seu, que você não deve “sacrificar” sua vida e seus prazeres pelo ser humano que cresce dentro de você e que quer abraçá-la e beijá-la. E quem sabe venha a ser seu amparo e sua honra na sua velhice.

Nesta hora, cara amiga, lembre-se dos bombeiros. Lembre-se do soldado Barbosa que deu sua vida pela pobre Salete.
Diga sim à vida. À verdadeira vida. Sem egoísmos, sem medo de sofrer. Acolha seu filho. Proteja-o. Lute por ele. Morra por ele. E tenha assim, já nesta vida, a doçura do dever cumprido. E o cêntuplo no outro mundo.