terça-feira, 13 de outubro de 2020

DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA E PROPRIEDADE (13).

 

 

A confusão sobre o pronunciamento do Papa Francisco

                                                                                                                Valter de Oliveira

 

Tudo começou quando a mídia publicou a seguinte frase do Santo Padre:

“A tradição cristão nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada”


Muitos julgaram o texto surpreendente, ou melhor, decepcionante, errado.  Especialmente gente que utilizou os meios sociais para expressar seu desacordo. Os mais nervosos chegaram a chama-lo de comunista... Entre estes vi alguns fazendo questão de afirmar que eram católicos mas que não podiam deixar de protestar ao ver um Papa proferir palavras que eram contra o ensinamento da Igreja! Aí os escandalizados resolveram escandalizar outros.

Surge a questão: um católico não pode protestar contra autoridades da Igreja?

Protestar não é a palavra mais adequada mas, sem dúvida, ela permite que os fiéis possam se expressar. Evidentemente com o respeito e a reverência que devemos ter diante dos sucessores dos apóstolos. Reverência ainda mais necessária quando nos dirigimos ao representante de Cristo na terra. (1) A importância da participação dos leigos na igreja, inclusive pedindo explicações ou providências á hierarquia, foram particularmente afirmados no Vaticano II. Há também documento da CNBB a respeito.

Isso quanto à forma. Quanto ao conteúdo ele precisa entender bem do assunto tratado e precisa - com a razão e a fé - expor no que a autoridade legítima possa ter se equivocado.

Infelizmente muitos protestos não tiveram nada disso. Erraram. E muito.

 

Primeiro ponto: As palavras citadas são a reprodução do que o Papa dissera na encíclica Laudato Si de 2015, no ponto 107. Depois cita outros dois Papas, Paulo VI e João Paulo II. Cita também o manual de Doutrina Social Católica, ponto 172, publicado pelo Conselho Pontifício Justiça e Paz por ordem de João Paulo II em 2004 e que explica muito bem toda a questão.  

Segundo ponto: tal ensinamento não é só dos últimos Papas. É doutrina constante da Igreja.  

Agora vejam o texto completo do ponto 120 da encíclica Fratelli Tutti:

120. Faço minhas e volto a propor a todos algumas palavras de São João Paulo II, cuja veemência talvez tenha passado despercebida: «Deus deu a terra a todo género humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém».[94] Nesta linha, lembro que «a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada».[95] O princípio do uso comum dos bens criados para todos é o «primeiro princípio de toda a ordem ético-social»,[96] é um direito natural, primordial e prioritário.[97] Todos os outros direitos sobre os bens necessários para a realização integral das pessoas, quaisquer que sejam eles incluindo o da propriedade privada, «não devem – como afirmava São Paulo VI – impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização».[98] O direito à propriedade privada só pode ser considerado como um direito natural secundário e derivado do princípio do destino universal dos bens criados, e isto tem consequências muito concretas que se devem refletir no funcionamento da sociedade. Mas acontece muitas vezes que os direitos secundários se sobrepõem aos prioritários e primordiais, deixando-os sem relevância prática. (2) 

Fica uma pergunta: quantos que saíram criticando o Papa pelas redes sociais leram  a encíclica? Ou pelo menos o texto? Quantos já leram pelo menos um livro de Doutrina Social da Igreja? “Argumentam” baseados em quê?

Não sei. O que sei é que nas próximas postagens vou explicar porque o texto acima é conforme o que sempre foi ensinado cristalinamente pela Igreja. 

1. A importância da participação dos leigos na igreja, inclusive pedindo explicações ou providências á hierarquia, foram particularmente afirmados no Vaticano II. Há também documento da CNBB a respeito. Tal participação é até estimulada.

2.http//www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html