quarta-feira, 8 de abril de 2020

DSI 4. A IGREJA E O LIBERALISMO



O QUE É O LIBERALISMO?

Introdução



Penso que tive minhas primeiras noções sobre o liberalismo ao estudar história no antigo Ginásio, em 64.  No ano anterior, em sua primeira aula na minha turma, o professor, um homem de uns 30 anos, entrou na sala como um furacão, jogou livros e diários na mesa, e exclamou: -"A primeira coisa que eu quero dizer a vocês é que tudo o que aprenderam até aqui está errado!" Não me contive e disse baixinho para meu amigo Sérgio, no meu lado direito: - "Pronto, mais um louco na escola"... Não era. A frase que disse é que foi um "pouquinho" exagerada...

E lá ficou ele comentando os erros que muitos ensinavam - e continuam ensinando - sobre a Idade Média. Gostei. Nem por isso deixei de contestá-lo, em alguns pontos, por uns seis meses...

Foi com ele, mais tarde que aprendi o que era o liberalismo. Também tive aulas sobre encíclicas sociais, arte, política, religião.  Em horário extra. Para os interessados. 

Mas isso é uma outra história. Voltemos ao liberalismo. Aqui conto algo do que tive na  Universidade. Foi na minha primeira pós-graduação no Mackenzie, no curso de Estudos de Problemas Brasileiros. Foi aí que vim a ter aulas sobre o liberalismo em alto nível. Cito três professores: Antonio Paim, Ubiratan de Macedo - na área de filosofia política  - e  Ubiratan Jorge Iório, na área econômica. 

Paim chamou minha atenção por afirmar que tinha sido marxista. Estava em Moscou contou ele, estudando filosofia, quando Kruchev denunciou os bárbaros crimes de Stalin.  Ficou chocado. Começou a rever suas ideias. Resultado: passou a ser um grande liberal. Até hoje, sua erudição e seu nobre modo de ser atraem liberais de várias correntes. Ele dizia em alto e bom som: - "A esquerda não tem argumentos para nos vencer!" E não tem mesmo! (1)

O professor Ubiratan de Macedo deu uma bela palestra. Eu, com os meus botões pensava: -Interessante mas... em alguns pontos aquilo se chocava com o que aprendera sobre a filosofia liberal. Procurei-o no final da aula e perguntei: - "Na sua opinião, qual a possibilidade de conciliarmos liberalismo com os ensinamentos da Igreja? A resposta foi taxativa: - "Nenhuma"! (2)

Ubiratan Jorge Iório foi outra surpresa. Conseguiu duas proezas: falar de modo absolutamente agradável de economia e fazer com que, de lá pra cá, me interessasse pelo assunto. E vem o mais importante: ficamos amigos. Pena que ele more no Rio e eu em São Paulo. 

Outra coisa curiosa: um dia, durante o curso, convidei-o para almoçar em minha casa. Lembro-me claramente de duas frases dele: -"Puxa,você é o primeiro professor de história que conheço que não é marxista". A outra surgiu quando comentei pontos da doutrina social da Igreja: - "Não entendo porque a Igreja critica o liberalismo". 

Este e outros pontos é o que vamos começar a ver. 


O conceito de liberalismo


Conforme o prof. Ubiratan Jorge Iório, ardoroso defensor da Escola Austríaca de Economia Liberal, "o liberalismo é um fenômeno histórico complexo e difícil de definir. Reflete a diversidade histórica, da mais antiga à mais recente e moldou o Ocidente moderno. Nasceu como um protesto contra os abusos do poder estatal, exigindo limitação e divisão da autoridade. (3)

Vejamos, agora, o que diz D. Estevão Bettencourt O.S.B. em seu Curso de Doutrina Social da Igreja.

"O liberalismo (é) uma corrente de pensamento que afirma o valor da liberdade humana de modo tal que a cada cidadão toca o direito de conceber a Verdade, o Bem e a Religião segundo o seu próprio alvitre, independentemente de qualquer tutela ou autoridade. (p.139)

Mais à frente ele diz: 

(...) "O liberalismo constitui uma tendência ou uma atmosfera muito mais do que um sistema ou uma escola de pensamento.

"Essa tendência se distingue primariamente pela intenção de desligar a liberdade humana de qualquer lei ou autoridade que não seja puramente humana ou até... que não seja do próprio sujeito. Atribui pois,à razão a capacidade de discutir todos os valores, remover o que ela julgar inaceitável e erguer o que ela considerar oportuno. Em particular o Liberalismo não reconhece autoridade religiosa sobrenatural, como afirma o catolicismo: ... autoridade que mereça acato e respeito independentemente dos valores humanos (virtude e sabedoria) de seus representantes".

"Aliás, continua, esta premissa é essencial para que possa existir Liberalismo: tudo é humano e meramente humano. Por isto, tudo é relativo, tudo é imperfeito. Nada, por conseguinte, nem mesmo a religião, merece adesão incondicional do homem. Daí se compreende que o Liberalismo acarrete o indiferentismo , ora mais, ora menos acentuado: implantando-se numa sociedade, cedo ou tarde solapa as energias coletivas e o heroísmo das atitudes(op.cit. p. 143). 

Facetas da mentalidade liberal aplicada às "expressões da cultura"

Continua D. Estevão:

1. Liberalismo filosófico e racionalismo

"É a tendência a rejeitar no campo filosófico (ou no modo de encarar o mundo e a vida) qualquer tutela que não seja a própria razão humana".

Tal tendência passou a crescer, diz ele, a partir de Descartes (+ 1650). "A razão humana, em consequência, negou qualquer limite no exercício da reflexão,  pretendendo julgar tudo, até mesmo as verdades religiosas. A possibilidade de dogmas de origem sobrenatural, não derivados da razão, foi, de antemão, negada: (4) o homem bastaria a si mesmo (auto-suficiência do pensamento humano).  As correntes filosóficas contemporâneas não cristãs, por mais contrárias que sejam entre si, supõem todas tal ponto de partida: assim o criticismo, o idealismo, o positivismo, etc. 

"Bons críticos modernos observam que nessa posição filosófica está latente uma certa contradição: o Liberalismo, que rejeita o dogma, de antemão admite um dogma - o dogma de que não pode haver autoridade ou tutela que transcenda a razão humana. Sem provas e gratuitamente, o pensador liberal se vincula a este pressuposto, cerceando sua liberdade dentro do seu imanentismo ou da sua auto-suficiência"(p. 143).

Por hoje paramos por aqui. Falta-nos abordar o liberalismo religioso, o político, o econômico e o artístico.  Vamos ver também como a Igreja foi se postando diante do desenvolvimento histórico do pensamento liberal.  Até mais. 

Notas:

1. As aulas foram em 88 ou 89. Ainda havia a Europa comunista. O muro de Berlim caiu em 89 e a URSS desintegrou-se em dezembro de 91. O que não é natural não tem como subsistir. Alguns pensaram, e disseram, que era o fim do comunismo. A realidade é mais complexa. 

2. Ubiratan Iório afirma o oposto! Cito fonte no próximo post. 

3. Veja aqui a íntegra do artigo. Nele é explicado os vários tipos de liberalismo, de suas orígens aos dias de hoje.  https://www.ubirataniorio.org/index.php/artigo-do-mes/392-fev-2020-liberalismo-a-la-carte-ou-o-meu-liberalismo-e-maior-do-que-o-seu-mane

4. Destaque do blog olivereduc.blogspot.com