sexta-feira, 19 de junho de 2020

DSI 12. LEÃO XIII E O SOCIALISMO

                                                                                                                       

                                                                                                            Valter de Oliveira


Socialismo utópico, socialismo científico, socialismo fabiano, socialismo sueco - e muitos outros - são todos... socialismo. Há pontos comuns entre eles. Fica a pergunta: qual o juízo da igreja sobre eles?

Vamos começar vendo o que diz Leão XIII. Como vimos foi com sua encíclica Rerum Novarum, de 1891, que o Papa abordou o drama da questão social, fruto das transformações ocorridas na sociedade com a Revolução Industrial, o liberalismo e o capitalismo. Na sua introdução, com tintas fortes, ele trata da situação de miséria da classe operária e justifica uma intervenção da Igreja.

Socialismo seria solução?

Numa primeira parte ele levanta a questão: qual deve ser a solução? O socialismo? Eis sua resposta:

     "Os socialistas para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida (1) explicar o conceito, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para os municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadão, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de por termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Outrossim, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifiício social (RN 3). 

Aqui temos, dado pelo Papa, um conceito de socialismo que é o tradicional. o conceito raíz, como diríamos hoje: "sistema politico, social, econômico que defende a abolição da propriedade dos meios de produção, transferidas em princípio para o povo, administrado pelo Estado através do planejamento econômico". A implementação do sistema implicaria na destruição das classes sociais antagônicas, no fim da exploração, na obtenção da igualdade social.

Para o Papa, contudo, com a aplicação de tal tipo de socialismo não teríamos um bem, pelo contrário, teríamos males pela violação da lei natural.

A defesa do direito de propriedade

Leão XIII o defende por considerá-lo um direito natural. Explica:

(...) esta conversão da propriedade particular em propriedade coletiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição do seu salário e roubando-lhes, por isso mesmo, toda esperança e toda a possibilidade de engrandecerem o seu patrimônio e melhorarem a sua situação (RN 4).

Sabemos que os socialistas afirmam que o sistema iria prover tudo a todos. Mais ainda, a família, entendida no sentido cristão ou burguês iria desaparecer.

Ora, o Papa critica também o socialismo ao afirmar que há uma relação entre o direito de propriedade e a família. O poder civil não pode arbitrariamente invadir o santuário doméstico. Tampouco pode a autoridade paterna ser abolida ou absorvida pelo Estado. Daí suas palavras:

"substituindo a providência paterna pela providência do Estado, os socialistas são contra a justiça natural e quebram os laços da família (RN 8).

Em outro trecho o Papa insiste na injustiça do sistema socialista "uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos" e conclui:

"Por tudo o que acabamos de dizer, se compreende que a teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles mesmos que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública" (RN 9)

Crítica ao igualitarismo

Como é sabido a igualdade defendida pelos socialistas é muito mais do que a justa defesa da igualdade natural - ou essencial - de todos os homens. Daí ser mais apropriado afirmar que são igualitários.

"É impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É sem dúvida o que desejam os socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são vãos". (2)

Observação final

É curioso notar que não há na encíclica qualquer alusão a Marx apesar de quem em 1891, suas principais obras eram conhecidas. O que temos é a crítica a um dos pontos fundamentais do marxismo, ou seja, a luta de classes. Não há outras referências. Não deixa de ser estranho para um documento que inicia chamando a atenção para os efeitos negativos da Revolução Industrial e que critica "a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão" (RN 1). 

Estudiosos do assunto - católicos e socialistas - tendo em vista o que Leão XIII disse do socialismo perguntam se ele teve a intenção de criticar qualquer forma de socialismo. Perguntam: "Ao condenar o gênero estaria condenando todas as espécies"?

Vai ficar mais claro com Pio XI, na Quadragesimus Annus, em 1931.

Nota. 

1. Na sua aplicação concreta os socialistas eliminaram a propriedade privada dos meios de produção, não necessariamente a propriedade de qualquer bem individual, os bens de uso.

2. O igualitarismo nunca foi aplicado plenamente. Na antiga URSS, por exemplo, Stalin estabeleceu níveis de salário. Explica-se isso com a afirmação que não haviam chegado à fase comunista, onde não haveria mais trabalho assalariado e no qual cada um receberia conforme suas necessidades e não conforme seu trabalho.