segunda-feira, 30 de março de 2020

DSI. ESTADO. AUTORIDADE SOCIAL




QUESTÕES SOBRE ESTADO, SOCIEDADE, AUTORIDADE


Começo lembrando um ponto: meu objetivo aqui não é entrar em profundas discussões jurídicas, filosóficas ou sociológicas. É apenas explicar sucintamente pontos da doutrina social da Igreja (DSI) que são pouco conhecidos.

Comecemos pelo conceito de Estado.


O Estado é a sociedade civil juridicamente organizada. O Estado moderno tem três elementos necessários: Território, povo organizado, soberania.

Na verdade, essa explicação, corresponde ao Estado Moderno, surgido no final da Idade Média e consolidado na Idade Contemporânea. 

É bem diferente do que tivemos, em certos lugares, na Antiguidade. Na Grécia chegava a confundir-se com as cidades (Esparta, Atenas). Outras vezes o Estado era um império, o Império Romano. 

Podemos usar a palavra Estado em outra acepção: Govêrno. Ou seja, o organismo social encarregado de dirigir a sociedade civil. 

Ponto importante: A sociedade é anterior ao Estado

Em famoso livro "A sociedade antiga, de Fustel de Coulanges, é dito que na Grécia o desenvolvimento das cidades se deu através de etapas. Em primeiro lugar, bem no início de uma colonização, houve uma família, ou conjunto de famílias. Estas, com os tempos se transformaram em fratrias; depois em tribos e, finalmente, na cidade. 

Na mesma linha a DSI ensina que Deus criou o homem com a natureza ordenada para a vida em sociedade. O homem é um ser racional e também social e político. Assim se considera que Deus é criador nosso e da sociedade. Ele quis que fosse assim. Também dizemos que a família é uma sociedade, uma instituição natural, .Assim a sociedade, ou seja, comunidade de famílias que se organizaram tendo em vista um bem comum, surgiu,neste sentido, por vontade de Deus.  


A ORIGEM DA SOCIEDADE

Nos livros de Ciências Humanas que tratam deste tema encontramos, basicamente, três teorias sobre a origem da sociedade.

1. A sociedade resulta da livre resolução dos homens, de um contrato social. 

2. A sociedade é fruto de uma força superior ao homem - a evolução - e se impõe ao homem necessariamente. Não há como escapar desse processo. 

3. A sociedade humana provém de Deus que formou o homem para viver em sociedade. Contudo, não sem prescindir da vontade humana. Fomos criados livres. É com liberdade que devemos cooperar com Deus e nossos semelhantes. 

A DSI, logicamente, considera que as teorias 1 e 2 são falsas.


CONSEQUÊNCIAS QUE DECORREM DAS TEORIAS FALSAS

A primeira corrente- a do contrato social de Hobbes ou Rousseau - é considerada errada porque considera que a sociedade, a autoridade, as leis sociais, as instituições, tudo dependem e continuam a depender, exclusivamente da vontade dos homens. Exemplo disso podemos ver na Declaração dos Direitos Humanos e dos Cidadãos, da Revolução Francesa que diz: "A lei é a expressão da vontade geral". Meus alunos, em geral, entendiam que isso queria dizer que a lei é o que a maioria decide; e concordavam.... Ora, o verdadeiro conceito de lei, como vemos em S. Tomás de Aquino, precisa estar intimamente ligado à justiça e outras condições (tema para depois). Eles não sabiam disso!


A segunda teoria - a evolucionista - (Comte, Marx) é revolucionária e totalitária, ou conduz ao totalitarismo. Ela considera que o homem, a sociedade, as instituições, surgiram da força incontenível da evolução, sem depender do homem. Em sua expressão mais radical o homem é apenas uma peça da engrenagem social. Como resultado não há direitos individuais e naturais inalienáveis que o Estado tenha que respeitar. É o indivíduo que existe para a sociedade. 

Claro está que nos textos de seus autores tais ideias estão apresentadas de modo a dar a impressão que vão contribuir para o bem do homem. Não fosse assim não seria compreensível que tenham encontrado tantos adeptos. 


A QUESTÃO DO PODER

A doutrina social da Igreja ensina que o poder vem de Deus. 

Como? Não vem do povo?

Calma. Vamos explicar

Lembram da discussão entre Cristo e Pilatos?  O governador romano interroga: "De onde és tu?". Mas Jesus não lhe respondeu. Pilatos então lhe disse: "Tu não me respondes? Não sabes que tenho poder para te soltar e para te crucificar?". Respondeu Jesus: "Não terias poder algum sobre mim, se não te fora dado.do alto " (Jo 19:11).

Tal ensinamento é confirmado por São Paulo: "Todo poder vem de Deus".(Rom 13,1).

Vejam as palavras de Leão XIII, na "Immortalis Dei": "Mas, como nenhuma sociedade pode existir se não houver quem presida a todos, e a cada um mova com um mesmo impulso eficaz para um fim comum, daí resulta ser necessária aos homens constituídos em sociedade uma autoridade para regê-los; autoridade que, tanto como a sociedade, procede da natureza e, por consequência, tem a Deus por autor". 

Os pensadores católicos procuraram ver como aplicar as palavras de Cristo à realidade concreta. Concluíram que, sem dúvida, o poder originário é de Deus, pois foi ele quem determinou a necessidade da autoridade. Contudo o povo pode, de diferentes modos, escolher quem vai exercer a autoridade, Esta deveria, ao atuar, respeitar o direito natural e as exigências de Deus (Daí a fórmula medieval: "O poder vem de Deus, através dos homens).

Nada disso implica em aceitar a teoria do direito divino dos reis. Tampouco implica em clericalismo onde o poder temporal e os leigos  seriam como menores de idade controlados pelo clero. Afinal, a Igreja e o Estado são sociedades distintas; cada qual na sua esfera, com o poder próprio de cada um. Assim se dá a Deus o que é de Deus e a César o que é de César. 

Terminamos esta parte com um exemplo. Nele vemos o direito da Igreja e do Papa em pedir que os Estados respeitem o ser humano e, também, como devem agir os governantes diante da exortação. 

O Papa Francisco, como é bem conhecido, várias vezes disse que, em nossa sociedade devemos construir pontes e não muros. Visava Trump? Provavelmente, mas não só ele. A exortação é para que as nações façam por seus cidadãos e estrangeiros que procuram melhores condições de vida o melhor possível para abrigá-los de modo digno. Às vezes até com renúncias. O que cabe aos governantes? Simplesmente o que também ensina a Igreja. "Agir com prudência política", (S.Tomás), descobrir e determinar concretamente o que o bem comum exige naquele momento e em tal lugar. Basta ver o que aconteceu agora: Todo mundo fechando fronteiras, criando "muros". A Igreja não vai criticar ninguém por isso. Depois, vai continuar pedindo, até com as lições da crise, que procuremos meios de ajudar os mais fracos.

Política Pública com P maíúsculo é dever de todo governante.