quarta-feira, 20 de maio de 2020

DSI 10. FASCISMO. TEXTOS, DOCUMENTOS, ILUSTRAÇÕES





1. O FASCIO


Calendário de 1923 do Partido Nacional Fascista. 

Entre dois jovens "camisas negras", o fascio, símbolo romano de autoridade do chefe sobre o povo e, também desse movimento político italiano.

O Fascio está  colocado sobre um escudo com as cores da bandeira italiana. 




2. Do fascis ao fascismo



Os facistas italianos queriam afirmar-se como os herdeiros e os continuadores do Império Romano, o que os levou a adotar como símbolo do seu movimento o fascio. Essa palavra italiana deriva do termo latino fascis, designação de um feix de varas atadas em volta de um machado (doc.1) que era um dos símbolos da unidade e da autoridade na Roma Antiga. Nessa altura, era transportado em lugar de honra nos desfiles militares. É do fascis que deriva, portanto, a palavra fascismo. (história 9, Diniz, Maria Emilia et alii, Lisboa, Raiz Editora,2016 p. 86). 



3. A doutrina fascista


"O fascismo nega que a maioria, só pelo fato de ser maioria, possa dirigir as sociedades humanas; nega que essa maioria possa governar graças a consultas eleitorais periódicas. Afirma que a desigualdade é, para o homem, inapagável, fecunda e benfazeja (...). O fascismo recusa, na democracia, a absurda mentira da igualdade política (...). Para o fascismo tudo está no Estado, nada do que é humano ou espiritual existe fora do Estado.  Nesse sentido o fascismo é totalitário (...). Nem partidos políticos, nem sindicatos, nem indivíduos podem existir fora do Estado. 



O fascismo quer um Estado forte, poderosamente organizado e apoiado numa larga base popular (...). O fascismo não acredita nem na possibilidade nem na utilidade de uma paz perpétua (...). Só a guerra desenvolve ao máximo todas as energias humanas. 

Mussolini, A doutrina do fascismo, 1930.  In História 9. p. 87. 


4. O fascismo em ação


"Montados em caminhões (...), os camisas negras (fascistas), dirigem-se para o local que é o destino de expedição. Uma vez chegados, começam por castigar à cacetada todos os que não tiram o chapéu à passagem das bandeiras fascistas ou que trazem uma gravata ou uma camisa vermelha... Precipitam-se em seguida para a sede do sindicato ou da cooperativa, arrombam as portas, lançam à rua o imobiliário e os livros e despejam-lhes galões de gasolina. Poucos minutos depois, tudo arde".  (Angelo Tasca, O nascimento do fascismo, 1938, in História 9, p. 89). 


Por ordem de Mussolini a Azurra usou camisas pretas no Mundial de 1938






5. Chefe ou Deus?

Um livro para crianças, publicado na Itália em 1930, referia-se assim a Mussolini (O Duce):


"Deves saber que o Duce é como o Pai Eterno: manda produzir cinco milhões de toneladas de trigo e é preciso produzi-las. Manda ter muitos filhos e é preciso ter muitos filhos; manda fazer casas para os operários e os patrões devem fazer belas casas para os operários (...). Se não há trabalho, manda que o haja. Estás a ver agora como ele é como o Pai Eterno. Além disso, fulmina com o seu olhar aqueles que não lhe obedecem e manda persegui-los porque não gosta de abusos. (D. Biondi. Viva il Duce. 1967), in História 9, p. 89 



6. OBBEDIRE.



Podemos nos perguntar: Por que obedecer?  Em um cartaz fascista temos a  justificação autoritária: "Obedecer porque deves obedecer". (Op. cit. p. 89).

A CONDENAÇÃO DO FASCISMO POR PIO XI - (DOC.)

NOTAS: 


1. Em encíclica de 1931 o Papa Pio XI critica fortemente o fascismo por se arrogar um poder sem limites. O Estado fascista é condenado por querer "monopolizar inteiramente a juventude, desde a primeira infância, para o pleno e exclusivo proveito de um partido, de um regime, sobre a base de uma ideologia que, explicitamente, se resume numa verdadeira estatolatria pagã,em pleno conflito não só com os direitos naturais da família, mas também com os direitos sobrenaturais da Igreja". (Non abbiamo bisogno, p. 39). 

2. A mesma crítica o Papa lança depois - em 1937 - contra o socialismo comunista. Hoje, Estados que se afirmam democráticos, em nome do laicismo, também desrespeitam os direitos da família e da Igreja. Um exemplo é a imposição da ideologia de gênero como científica e a doutrinação das crianças,  tal como aconteceu na Itália, na Alemanha, na ex URSS. Não é exagero. São fatos comprovados. Mais ainda, há todo um empenho, para através de leis, punir os que não querem se curvar diante do neototalitarismo. 



segunda-feira, 18 de maio de 2020

DSI 9. O TOTALITARISMO NAZISTA




Valter de Oliveira


A Alemanha e a Áustria perderam a Primeira Guerra Mundial. Os alemães derrubaram o Kaiser e implantaram o regime democrático criando a República de Weimar. 

O novo governo teve que enfrentar inúmeros problemas. A nação sentia-se humilhada com as pesadas condições que lhe foram impostas pelo Tratado de Versalhes. Pesadas indenizações de guerra contribuíram para desorganizar a economia e provocaram uma inflação gigantesca. O dinheiro perdeu todo o valor. O desemprego e a miséria cresceram de modo avassalador.

A crise provocou o crescimento de dois grupos aparentemente opostos: a esquerda, com o Partido Comunista, e a direita mais radical. Dentro deste último grupo surgiu o Partido Nazista. Oficialmente o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Os comunistas fracassaram na sua tentativa de tomar o poder e fazer um governo revolucionário marxista. Os nazistas souberam se valer dos problemas da conjuntura do país. Convenceram os desempregados que dariam empregos para todos. Assustaram o empresariado e a classe média com o perigo de um comunismo semelhante ao que havia na recém criada URSS. Recebeu apoio de industriais que não perceberam as semelhanças entre o partido de Hitler e o socialismo revolucionário. De qualquer modo o Partido Nazi foi aumentando seu eleitorado. Em certo momento, com o caos da inflação de 1923, Hitler tentou uma aventura de tomada do poder. Perdeu. Foi preso e condenado a cinco anos de prisão. O partido foi extinto. Depois de nove meses Hitler foi anistiado. Nesse momento a Alemanha começa a se recuperar economicamente e os extremistas perdem terreno. Mas, quando tudo parecia voltar a sorrir para a democracia tivemos o Crash de 1929... Em pouco tempo os 3 milhões de desempregados alemães duplicou.  Hitler soube se aproveitar e, finalmente, conseguiu o poder nas eleições de 1933. Mesmo sem ter maioria...

A partir daí sabemos como conquistou todo o poder e implantou o nazismo na Alemanha. Uma hábil propaganda que utilizava plebiscitos como meio de apoio fez com que o ditador tivesse um prestígio constantemente aumentado. 

Características e doutrina do nazismo

As características do nazismo são as mesmas do fascismo mas sua doutrina sobre a raça era mais profunda e radical.  

A concepção de Estado

Conforme muitos autores a concepção nazista de Estado estaria ligada a Hegel. Conforme este filósofo a realidade é a idéia universal, o espírito em constante evolução. Ele é que, em sua evolução, teria dado orígem ao Estado. Por isso Hegel o chama de "espírito vivente",  o "deus terreno". 

Daí - corretamente ou não - os nazistas tiraram suas consequências. "Se o Estado é o próprio Espírito divino, tem todos os direitos e todos os poderes absolutos sobre todos os súditos. O Estado passa a ser um fim supremo em si, e a finalidade suprema de cada indivíduo é ser um membro bom da sociedade, um súdito inteiramente obediente e a serviço do Estado. Toda a ordem moral e religiosa deve ficar subordinada ao Estado" (cf. Klimke-Colomer, Historia de la Filosofia, p. 736.

A expansão militarista. A teoria do espaço vital

O criador da teoria foi Haushofer, professor de geopolítica na Universidade de Munique. Ensinava a teoria do grande espaço ou espaço vital. Ela viria a ser usada para justificar a expansão militarista.

"O dinamismo e a ascensão de um povo, segundo tal teoria, justificam que este povo possa ocupar um espaço para sua expansão. Tal expansionismo beneficia, aliás, todo o globo, porque esse povo superior melhorará a produção das riquezas do mundo ao organizar o espaço que ele dominou (cf. Jules Monnerot, "Sociologie de La Révolution", p. 475). 

O racismo

Outro teórico nazista foi Rosenberg, o mais típico representante das ideias racistas. A partir das concepções de Nietzche sobre o super-homem, afirma que a raça nórdica, ou ariana (e só os alemães seriam essa raça pura) é absolutamente superior a todas as outras raças; ela deve então dominar o mundo e esmagar todas as nações que não se dobrarem a seu domínio.

A condenação oficial da Igreja

Uma observação importante. É comum adversários da Igreja tentar responsabilizar a Igreja e os Papas pela implantação do nazismo na Alemanha.

É verdade que sempre houve católicos, mesmo na hierarquia, que não conseguem ver erros em movimentos ou partidos políticos. É um erro crasso mas que acontece.

É falso porém que tenham sido os católicos os grandes responsáveis pela barbárie nazista. Muito pelo contrário. Nas eleições de 1933, por exemplo, os Estados cujo eleitorado mais votou contra os nazistas, foram aqueles de maioria católica.

Também durante o regime tivemos bispos e religiosos - em especial citamos o bispo Von Galen, "o leão de Munster" - que enfrentaram e criticaram aberta e claramente o regime.

Finalmente cumpre notar que o nazismo foi condenado pela encíclica "Mit Brennender Sorge" de Pio XI, em 14 de março de 1937. Exatamente quando o poder do hitlerismo cresceu na Alemanha...

Mais à frente, aqui e no site olivereduc, publicaremos textos de documentos da Igreja condenando princípios da ideologia nazista.





quinta-feira, 14 de maio de 2020

DSI 8. A IGREJA E O TOTALITARISMO DO ESTADO



Valter de Oliveira


Vimos que a Igreja defende claramente que há uma justa autonomia tanto do poder temporal -  o Estado -  quanto do poder espiritual - a Igreja. Na Idade Média ensinava-se que deviam estar unidos. Ensinamento que durou até o Concílio Vaticano II. A Igreja era o sol, o Estado era a lua. Como tal, não tinha luz própria. Também foi dito que a Igreja era a alma; o Estado era o corpo. Este, para ter verdadeira vida, deveria estar unido à Igreja. 

Apesar disso se ensinava claramente que cada um tinha sua esfera específica de atuação. Cabia ao Estado cuidar do bem comum da sociedade temporal. Cabia à Igreja cuidar do bem espiritual dos fiéis para que conseguissem a salvação. 

Também era muito claro para todos que a autonomia do Estado não significava que ele pudesse não respeitar as leis divinas e a lei natural. Na prática, também, os governantes tinham que respeitar a lei consuetudinária; os legítimos costumes da sociedade. 

Apesar das inúmeras mudanças ocorridas na idade moderna tais princípios permaneceram vivos no magistério católico. A Igreja ainda se valeu deles para julgar a questão social, o liberalismo e o socialismo.  

A crítica ao totalitarismo

A Igreja sempre ensinou que o poder deve ser limitado. A defesa que o bispo Bossuet fez da teoria do poder  divino dos reis nunca foi consonante com o ensinamento do magistério católico.  

O totalitarismo é algo muito mais grave que o absolutismo dos reis. É uma ideologia surgida no mundo contemporâneo que afirma que o Estado é, na realidade, o único detentor de todos os direitos. Assim, ele intervém em todos os grupos sociais, e acaba por intervir, planejar, e dirigir totalmente toda a vida da sociedade. Deste modo ele afoga todas as aspirações particulares, facilmente tidas como oposição ao governo e dignas de severos castigos. 

Llovera, em seu manual de "Sociologia Cristiana"  diz que no totalitarismo: 

"A moral, o direito, a religião, o ensino, a agricultura, a indústria, o comércio, tudo deve não somente submeter-se à inspeção universal de um governo que se considera omnisciente e omnipotente, mas também obedecer a uma moção impulsora e diretiva, sem ficar nenhum outro campo à iniciativa individual e privada senão o de mover-se dentro dos moldes de antemão assinalados pela ação governativa do poder (Llovera, Tratado de Sociologia Cristiana, p. 105).

Um parenteses para esclarecer conceitos. Ditadura não é sinônimo de totalitarismo. Elas podem ou não ser totalitárias. Por outro lado todo totalitarismo é ditatorial.

Totalitarismos do século XX: 

São quatro: O fascismo, o nazismo, o socialismo e o comunismo

1. O fascismo

Fascismo é palavra polivalente. Seu uso mais comum é como sinônimo de autoritarismo e violência. A esquerda usa a palavra fascista a torto e a direito.  Claro, o alvo, pode ser realmente alguém que defenda os ideais de Mussolini. Mas, pode ser também FHC, Dória, Bolsonaro e até uma freira palestrando em defesa da família tradicional...

Na verdade, pouca gente conhece o fascismo doutrinariamente. Basta perguntar a alguns conhecidos. 

Quem conhece um pouquinho do assunto é capaz de dizer que o fascismo era um movimento de direita contra o comunismo. Se guardou um pouquinho mais do que aprendeu na escola vai dizer, além disso, que foi uma reação do capitalismo contra os movimentos de esquerda. Será? Vamos responder a questão enquanto elencamos, sumariamente, suas características.

Características do fascismo.

1. Combate ao socialismo e ao comunismo.  Era o que julgava a imensa maioria dos apoiadores e militantes das fileiras fascistas. O partido dizia que as duas ideologias eram destrutivas dos valores ocidentais. Não percebiam o que havia de socialista nas propostas do partido.

2. Crítica feroz ao liberalismo acusado de criar o caos que imperava na Europa após a Primeira Guerra Mundial. Daí:

2.1.  A rejeição do sistema representativo democrático (na Europa o Parlamentarismo), acusado de gerar divisões (partidos defendem partes...) e de enfraquecer a unidade nacional.

2.2. Desprezo pela liberdade e direitos individuais, uma vez que, para os fascistas, os direitos dos indivíduos tinham de estar submetidos aos interesses da Nação e do Estado.

2.3. Fortíssima crítica ao capitalismo,  especialmente o capitalismo financeiro, que colocaria o capital acima dos interesses nacionais e que a todos estaria explorando através da usura. Com a influência do nazismo alemão a propaganda governamental começou a colocar como culpados os grande banqueiros que, em sua maioria, seriam judeus... 

Este ponto já mostra o erro em se afirmar que o fascismo é capitalista. É certo que foi apoiado por certos capitalistas mas o regime gerado perdeu as características do sistema de mercado. 


2.5. O corporativismo,  sistema através do qual se criavam associações de classe, supostamente baseadas em costumes medievais, que iriam impedir a luta de classes pregada pelos marxistas. Patrões e empregados estariam unidos nessas corporações sob a tutela e a direção do Estado. 

2.6. Ultranacionalismo. A Nação era o valor mais importante, exaltando as glórias do passado, as realizações do presente e a grandeza do futuro. A partir daí preconceitos racistas foram usados para afirmar uma suposta superioridade.  Tal nacionalismo vai se aproveitar de ideologias geopolíticas. Por exemplo: a teoria do espaço vital que foi usada como pretexto para a invasão e ocupação de territórios de outras nações. 

2.7. Enaltecimento da autoridade do chefe (Duce, na Itália).  Lider carismático, forte, considerado o guia e o salvador da Nação e a quem se devia obediência cega. 

2.8. Existência de um partido único. Ele formava seus quadros e dele sairiam aqueles designados para dirigir todas as instituições da Nação.

2.9. Militarismo (até educação de crianças e jovens passava a ter um caráter militarizado) e criação de milícias armadas, usadas para reprimir pela violência os adversários do regime. 

____________________________


No próximo post vamos detalhar brevemente a doutrina do fascismo e porque ele foi condenado pela Igreja. 

Obra citada: LLOVERA, José M. Tratado de Sociologia Cristiana, Barcelona, Luis Gili editor.s/d. 


segunda-feira, 11 de maio de 2020

DSI 7. A RERUM NOVARUM E O CAPITALISMO



Valter de Oliveira


Como dito anteriormente Leão XIII teve que se posicionar tanto diante do liberalismo político e econômico quanto diante de uma hipotética solução para a questão social, ou seja, a implantação do socialismo. Foi muito duro nas críticas à doutrina liberal e seus efeitos na sociedade da época. Contudo, não criticou o capitalismo em si mesmo.  O que fez, então?

Princípios defendidos pelo Papa.

1. A propriedade.

No ponto 10 da encíclica o Papa afirma que o projeto socialista era gravemente injusto. Razão? "porque a propriedade particular e pessoal é para o homem de direito natural " Adiante explica as razões desse direito (11, 12), demonstra que ele é fruto do trabalho humano (16, 17), 
e é baseado na essência da vida familiar  (18, 20, 21). Ademais observa que como o Estado é posterior ao homem não tem ele o direito de eliminar a propriedade (13-17).  

2. Outros princípios defendidos pelo capitalismo

2.1. A livre iniciativa;

2.2. A concorrência;

2.3. o sistema assalariado;

2.4. o lucro

2.5. a não interferência do Estado na economia.

Como já dissemos aqui nessas páginas a DSI vai analisar todos esses pontos tendo em vista a Revelação e o Direito Natural.  É dito claramente que a Igreja tem o direito e o dever de se pronunciar sobre esses pontos.  Cada um dele, para ser legítimo, tem que estar conforme procedimentos éticos. 

Nessa ótica, e aqui já incluindo ensinamentos posteriores dos papas: 

1. A propriedade privada é um direito que deve ser preservado e estimulado. Todavia, não é um direito absoluto. Nada tem a ver com o conceito dado pelos juristas romanos: "direito de usar e abusar".  Ele tem uma função social  (como aliás muitos outros direitos) e deve ser entendido em conexão com outro princípio defendido pela DSI: o destino universal dos bens. 

2. A livre iniciativa implica no direito de se empreender qualquer trabalho honesto, digno. Trabalho escravo, pornografia não são tidos como empreendimentos legítimos. Aqui existe uma grande discussão se cabe ao Estado proibir o que não é ético. Ou até que ponto pode haver tolerância em relação a atividades não dignas.

3. A concorrência é algo bom e importante mas pode sofrer regulações legítimas

4. O regime de trabalho, para ser justo, tem que levar em conta uma série de fatores: condições de trabalho, idade e sexo, periculosidade, importância, etc. E aqui entra um ponto importantíssimo, o chamado justo salário, ponto de muitas discussões entre economistas.  Vamos colocar o texto de Leão XIII, que é longo, em outra postagem. Só adiantamos que o Papa afirma que ele não será necessariamente justo só porque patrão e empregado concordaram sobre o seu valor. 

5. O lucro. Muita coisa mudou da Idade Média para os nossos dias. No passado, até a própria atividade comercial foi tida como menos digna. Comerciantes não eram tidos como produtores. Com a dinamização do comércio a partir do fim da Idade Média os teólogos tiveram que se desdobrar para entender a nova realidade conforme a visão católica e conforme o próprio ser do homem. Os teólogos espanhóis tiveram importante participação nessas discussões. As encíclicas sociais confirmaram suas observações. O lucro é justo em uma sociedade livre, é sinal de boa condução de uma empresa, favorece o crescimento econômico e, em tese, a melhoria de toda a sociedade. A questão prática é porque o capitalismo não consegue distribuir melhor a riqueza. Aqui também temos outra séria discussão entre os economistas. 

6. Quanto à intervenção do Estado na economia fica claro que a Igreja, por um lado, defende o princípio de subsidiariedade, ou seja, o superior não deve fazer pelo inferior o que este pode fazer sozinho. Aqui está um ponto de apoio para todos aqueles que defendem escolas familiares, corpos intermediários, pouca ou nenhuma regulamentação do Estado sobre o assunto, etc. O princípio também autoriza o Estado a dar subsídios, a todos que seja necessário.  Como está acontecendo agora, em época de epidemia. A questão é conciliar os subsídios, quando necessários, com o devido equilíbrio financeiro dos estados.  Notemos também que há  liberais modernos que admitem certas intervenções do Estado.

7. Um ponto que não coloquei acima: as relações patrão-empregados ou o famoso conflito de classes. A Igreja não nega a existência de conflitos mas não aceita a teoria de luta de classes de Marx. Leão XIII, na Rerum Novarum acredita no trabalho conjunto de ambas as classes. Ademais, defende a existência dos sindicatos e sua liberdade, especialmente em defesa dos mais necessitados. 

Devido a todos os pontos indicados acima muitas coisas foram defendidas por católicos por exemplo, nos Parlamentos.  Salário mínimo, direitos sociais, defesa do consumidor, etc.

Em tudo, importante observar, é necessária a chamada prudência política. Nem tudo aquilo que foi conveniente em uma época histórica é adequado em outra. Nas questões temporais a Igreja nos dá uma grande liberdade de atuação, e convida-nos a atuar na vida pública sem cairmos em dogmatismos. 

Como dito, o que temos aqui são apenas breves pinceladas sobre os temas. Mais à frente, neste blog ou no site, colocarei alguns pontos para discussão e aprofundamento.  


quinta-feira, 7 de maio de 2020

LEÃO XIII. UM AUTÊNTICO GRANDE POLÍTICO



Valter de Oliveira 


Há muito, aqui no Brasil, é dito que nos faltam líderes. Aliás, não só aqui. Recentemente o pensador israelense Yuval Harari, escreveu um ensaio intitulado: "Na batalha contra o coronavírus faltam líderes à humanidade". Enfim, é uma carência sentida por todos nós. Carência particularmente sentida quando nos defrontamos com candidatos em época de eleição. Eu, em especial, para cargos executivos, sempre votei no "mal menor". Nunca encontrei quem representasse, de modo pleno, os princípios e valores que defendo. Em um certo sentido é compreensível. Defendo um ideal cristão, cada vez menos vivo e valorizado em nossa sociedade. Ademais, não bastam as ideias, supondo que as expressas pelo candidato sejam realmente as que ele tem. É preciso saber se ele sabe como atuar para implementá-las, se sabe conciliar ética com prudência política, bem como muitos outros valores.

Na semana passada, lendo um livro de história da Igreja para rever episódios da vida de Leão XIII encontrei uma passagem na qual Daniel-Rops faz uma descrição do grande Papa. Imediatamente lembrei-me do perfil de tantos políticos, tão longe daquilo que gostaríamos de ter. Eu, por exemplo, gostaria de encontrar um candidato que tivesse as virtudes de um S. Luis IX ou do grande S. Tomás Morus. Ou pelo menos a firmeza de um Churchill, a visão de um Adenauer ou o estilo e a verve de Margaret Thatcher... Gosto de sonhar!

Mas, dito isso, vejamos o texto de Rops. 


Leão XIII  "tinha o temperamento de um condutor de homens. (...) Do autêntico chefe, tinha ele a clareza nos propósitos, a firmeza na execução e, ao mesmo tempo, o absoluto autodomínio que faz os grandes políticos. Como Bismarck ou como Richelieu, poderia ter dito de si próprio que era alguém "livre de qualquer sentimento, de qualquer ressentimento", radicalmente desligado de preferências pessoais,desde que estivessem em causa os interesses da Igreja. Nem mesmo lhe faltava, apesar de muita efusão verbal, uma certa secura que deve ser indispensável a quem tenha de governar a espécie humana. Mas, acima de quaisquer outros traços, o que o distinguia eram os altíssimos dons de observar os acontecimentos e os homens com olhos de águia, sem nunca se deixar iludir, medindo como que instintivamente o possível e o impossível, e, em seguida, quando a decisão estava tomada, lançar sua ação com um tato, uma habilidade e uma flexibilidade fora do comum. Tudo isso  fazia dele o tipo exato do diplomata, do político. Os romanos, algum tanto irônicos para com os seus papas, costumam dizer que todos eles se podem classificar numa de três categorias: os dotti, os zelanti, os politici. É evidente que foi na última categoria que meteram Leão XIII.´


É isso amigos. Será que ainda veremos grandes políticos?




quarta-feira, 6 de maio de 2020

DSI 6. A RERUM NOVARUM




Valter de Oliveira


Como dito anteriormente, o Papa Leão XIII há muito conhecia a questão operária e os problemas causados pela Revolução Industrial. Sabia dos esforços dos católicos sociais no sentido de encontrar soluções para os problemas. Ouviu católicos mais propensos a uma economia de mercado e outros que se sentiam indignados com o capitalismo existente. Teve trabalho na hora de escrever sua famosa encíclica. Pediu que colaboradores a redigissem. Deu orientações. Viu a primeira versão, não gostou. A segunda, tampouco. Finalmente o jesuíta Laboratore, com a ajuda de outro jesuíta, Mazzela, redigiu a terceira, depois de enorme número de correções e indicações por parte do Papa. 

Leão XIII tinha que tratar da questão operária fazendo um juízo sobre o capitalismo e sobre a solução que surgia no horizonte: a implantação do socialismo. Ele precisava, além disso, "por em evidência os princípios de uma solução, conforme a justiça e à equidade (ponto 3).  É o que o fez dizer: 

"4. O problema nem é fácil de resolver, nem isento de perigos. É difícil, efetivamente, precisar com exatidão os direitos e os deveres que devem ao mesmo tempo reger a riqueza e o proletariado, o capital e o trabalho. Por outro lado o problema não é sem perigos, porque não poucas vezes homens turbulentos e astuciosos procuram desvirtuar-lhe o sentido e aproveitam para excitar as multidões e fomentar desordens".

Claro está que a alusão acima é aos revolucionários anticapitalistas sobre os quais irá se referir mais à frente..

O Papa continua:

"5. Em todo caso, nós estamos persuadidos,e todos concordam nisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes,vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida"

A seguir faz duras críticas a medidas revolucionárias que provocaram a questão.

O capitalismo do século XIX

"6. O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma proteção (1); os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas , e assim, pouco a pouco, os trabalhadores isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça de uma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isso deve-se acrescentar o monopólio do trabalho,e dos papéis de crédito,que se tornaram o quinhão de um pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão de operários". 

Ora, após uma crítica tão severa ao liberalismo econômico do século XIX poderíamos ser levados a acreditar que o remédio socialista poderia contribuir para a cura dos males econômicos. Foi assim? Voltemos à encíclica. 

O remédio socialista

"7. Os socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens de um indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para os municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes".

Leão XIII conclui:

"8. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de por termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Outrossim, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa da ordem social". 

A seguir iremos ver as análises de Leão XIII aos princípios tanto do capitalismo quanto do socialismo.


Notas: 

1. A Revolução Francesa, em nome do individualismo e da liberdade, extinguiu as Corporações de Ofício. O operário,em teoria, ficaria livre para pactuar um contrato de trabalho com quem quisesse. Por outro lado, os ideais da França Revolucionária, foram espalhados pela Europa por Napoleão e o anticlericalismo investiu contra a Igreja. Lembremos, para deixar as coisas mais claras, que muitos liberais não concordam com o jacobinismo francês e sua engenharia social. O grande teórico liberal Antonio Paim  diz que o que houve na França não foi a vitória do liberalismo e sim do democratismo, que é fortemente autoritário. 

2. Tão acertada foi a previsão do Papa que a vimos realizada por ocasião da Revolução Russa em 1917. Uma minoria revolucionária tomou o poder e estabeleceu a ditadura do proletariado, subvertendo completamente a ordem social que prejudicou todas as camadas de trabalhadores. 

PS: Os destaques em negrito são do blog.