quarta-feira, 6 de maio de 2020

DSI 6. A RERUM NOVARUM




Valter de Oliveira


Como dito anteriormente, o Papa Leão XIII há muito conhecia a questão operária e os problemas causados pela Revolução Industrial. Sabia dos esforços dos católicos sociais no sentido de encontrar soluções para os problemas. Ouviu católicos mais propensos a uma economia de mercado e outros que se sentiam indignados com o capitalismo existente. Teve trabalho na hora de escrever sua famosa encíclica. Pediu que colaboradores a redigissem. Deu orientações. Viu a primeira versão, não gostou. A segunda, tampouco. Finalmente o jesuíta Laboratore, com a ajuda de outro jesuíta, Mazzela, redigiu a terceira, depois de enorme número de correções e indicações por parte do Papa. 

Leão XIII tinha que tratar da questão operária fazendo um juízo sobre o capitalismo e sobre a solução que surgia no horizonte: a implantação do socialismo. Ele precisava, além disso, "por em evidência os princípios de uma solução, conforme a justiça e à equidade (ponto 3).  É o que o fez dizer: 

"4. O problema nem é fácil de resolver, nem isento de perigos. É difícil, efetivamente, precisar com exatidão os direitos e os deveres que devem ao mesmo tempo reger a riqueza e o proletariado, o capital e o trabalho. Por outro lado o problema não é sem perigos, porque não poucas vezes homens turbulentos e astuciosos procuram desvirtuar-lhe o sentido e aproveitam para excitar as multidões e fomentar desordens".

Claro está que a alusão acima é aos revolucionários anticapitalistas sobre os quais irá se referir mais à frente..

O Papa continua:

"5. Em todo caso, nós estamos persuadidos,e todos concordam nisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes,vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida"

A seguir faz duras críticas a medidas revolucionárias que provocaram a questão.

O capitalismo do século XIX

"6. O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma proteção (1); os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas , e assim, pouco a pouco, os trabalhadores isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça de uma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isso deve-se acrescentar o monopólio do trabalho,e dos papéis de crédito,que se tornaram o quinhão de um pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão de operários". 

Ora, após uma crítica tão severa ao liberalismo econômico do século XIX poderíamos ser levados a acreditar que o remédio socialista poderia contribuir para a cura dos males econômicos. Foi assim? Voltemos à encíclica. 

O remédio socialista

"7. Os socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens de um indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para os municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes".

Leão XIII conclui:

"8. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de por termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Outrossim, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa da ordem social". 

A seguir iremos ver as análises de Leão XIII aos princípios tanto do capitalismo quanto do socialismo.


Notas: 

1. A Revolução Francesa, em nome do individualismo e da liberdade, extinguiu as Corporações de Ofício. O operário,em teoria, ficaria livre para pactuar um contrato de trabalho com quem quisesse. Por outro lado, os ideais da França Revolucionária, foram espalhados pela Europa por Napoleão e o anticlericalismo investiu contra a Igreja. Lembremos, para deixar as coisas mais claras, que muitos liberais não concordam com o jacobinismo francês e sua engenharia social. O grande teórico liberal Antonio Paim  diz que o que houve na França não foi a vitória do liberalismo e sim do democratismo, que é fortemente autoritário. 

2. Tão acertada foi a previsão do Papa que a vimos realizada por ocasião da Revolução Russa em 1917. Uma minoria revolucionária tomou o poder e estabeleceu a ditadura do proletariado, subvertendo completamente a ordem social que prejudicou todas as camadas de trabalhadores. 

PS: Os destaques em negrito são do blog.