sábado, 7 de março de 2009


DISCRIMINAÇÃO E INCLUSÃO:
A DELES E A NOSSA



Valter de Oliveira


Palavras. Simples palavras, inocentes palavras, podem ser perigosas. Afinal é com elas, e com sons e imagens, que é possível manipular o ser humano. Manipular eu e você. (1)

Várias Ciências Humanas estudam como as palavras podem e são usadas de modo ideológico. A História registra várias delas: a trilogia da Revolução Francesa (Liberdade, igualdade, fraternidade); o slogan bolchevista russo (paz, terra, liberdade); o aggiornamento, tão em voga durante o Concílio Vaticano II. Exemplos atuais: inclusão, pro-choice, discriminação.

A tal ponto este assunto é sério que o Pontifício Conselho para a Família publicou uma obra – de enorme profundidade – intitulada Lexicon, Termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas. (2)

O prefácio do livro lembra-nos que “é necessário seguir pacientemente a origem e o desenvolvimento das expressões e sua difusão”. E mais adiante:

“Certas expressões aproveitam-se da escassa informação ou da ingenuidade daqueles que fazem uso das mesmas, os quais, seduzidos pela ambigüidade, não se dão perfeitamente conta do engano. De tal forma, tenta-se manipular a própria opinião pública, ocultando aspectos desagradáveis ou chocantes da realidade ou da verdade. Os termos criados não são propriamente inocentes; alterando o significado das palavras seus autores usam qualquer meio para obter os fins que desejam alcançar”. Finalmente: “A astúcia na busca de expressões ambíguas chega a níveis preocupantes”. (3)

Em minha vida tive o privilégio de encontrar pessoas que me ensinaram a dar a devida importância às palavras. E aos detalhes. Um deles me dizia: “é pela unha que se conhece o leão”. Foi o que percebi há 20 anos.


Por ocasião da Constituinte de 87-88 tive a ocasião de acompanhar a elaboração de nossa atual Carta Magna. Quem acompanhou o trabalho dos constituintes há de se lembrar como os políticos de esquerda procuraram – e em boa parte conseguiram – fazer avançar seus ideais. Alguns bem claramente, outros de forma mais velada e aparentemente inocente. Ademais souberam colocar em nossa Constituição uma palavra que, em minha opinião, abriu caminho para abrigar idéias que, pelo menos naquele momento, ainda eram rejeitadas pela sociedade. Trata-se da palavra discriminação.
Lembro-me que na ocasião comentei com alguns colegas que tinha ficado preocupado com a redação do inciso IV, do art. 3º, dos Princípios fundamentais da Constituição. Diz ele:

Art.3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Não sou jurista e nem mesmo advogado. Mas pareceu-me que se abriam as portas para a futura aprovação de leis contrárias ao direito natural. Por exemplo, o casamento homossexual.

Meus colegas acharam que eu exagerava. Estava sendo muito pessimista. Nem acreditaram que era uma brecha. Mantive minha opinião e lembrei-me de uma frase de meu padrinho de crisma: “por onde passa uma gota d’água passa o mar”.

Lamentavelmente o tempo me deu razão. (4) Nossa Câmara Federal já aprovou o projeto da homofobia que quer punir até com prisão quem for considerado homófobo. (5)

Hoje, passados mais de 20 anos, o que vemos em concreto é que as idéias dos defensores do direito natural passaram a ser automaticamente consideradas preconceituosas e discriminatórias. Mais combatidas ainda se forem idéias baseadas em princípios religiosos cristãos.

Etimologicamente, discriminar pode significar distinguir, discernir, separar, especificar, segregar, estabelecer diferença. Basta olhar o dicionário para ver que a palavra pode ser usada em sentido bom ou mau.

Quando nossos pais nos pediam para evitarmos más companhias só o que pretendiam era prevenir-nos contra más influências. Concretamente alertavam-nos para sermos prudentes. Tinham noção da fraqueza humana. Compreendiam que os filhos que amavam podiam vir a seguir maus exemplos. Estritamente falando, discriminavam. Devemos censurá-los por isso?

Ao mesmo tempo eles davam outros conselhos: Respeite os mais velhos, não despreze os outros, ajude os pobres. Talvez sem entender filosofia quisessem que entendêssemos que deveríamos amar os outros simplesmente por serem humanos. Sem discriminações injustas. (6)

A esquerda, aparentemente sempre preocupada com justiça, percebeu que apesar de tudo nós, pobres seres humanos, nem sempre percebíamos que esquecíamos dos desvalidos e mais fracos. E é verdade. Basta ver como nossos engenheiros e arquitetos projetaram casas, prédios, estações de metrô, calçadas, como se não existissem idosos e deficientes.

Rapidamente começaram a propagar os males de uma sociedade que exclui e segrega, os seja, da sociedade capitalista. E começaram a exigir inclusões sociais e o fim de toda e qualquer discriminação. Propositalmente confundiram tudo. Simplesmente porque capciosamente misturaram alhos com bugalhos.

Qualquer ser humano retamente formado, que compreende a beleza e a dignidade da vida humana, concorda que há exclusões injustas e discriminações abomináveis. Basta citar o caso dos párias na Índia e as várias formas de racismo e apartheid. Ou mesmo as multidões pelo mundo afora que não conseguem participar dos bens produzidos pelo homem. São milhões – ou bilhões – que sofrem porque não têm alimento, habitação, assistência médica, assistência jurídica, etc. Na Ásia, na África, ou bem perto de nossas casas.

Querer criar um mundo mais justo que acolha tantos de nossos irmãos é absolutamente louvável. E não basta ficarmos só em palavras, como é comum entre os políticos, é preciso que realmente nos empenhemos para que o sonho se torne realidade. Afinal, se o mundo jamais será aquele desejado pelos utópicos, um paraíso na terra, também não pode e não deve ser uma geena, um campo repleto de amargura e de miséria.

Entretanto, é também abominável o desejo de incluir na sociedade o que não deve ser incluído, de colocar no mesmo balaio a justiça e a imoralidade.

Observem a pauta dos movimentos de esquerda: combatem a escravidão infantil, a opressão da mulher, a falta de oportunidade escolar para os pobres, o racismo. Só que junto com isso (supondo que esses pontos fossem corretamente interpretados e aplicados) promovem abertamente a defesa da prostituição (7), da homossexualidade, do aborto, da eutanásia e de um novo conceito de família. Defendem a descriminalização (da droga, do aborto) e ao mesmo tempo são absolutamente condescendentes com os criminosos para quem pedem penas cada vez mais suaves. Pelo menos enquanto vivermos em uma sociedade capitalista... Depois, se tiverem todo o poder será uma outra realidade. Certamente serão severamente punidos os que ousarem não concordar com o “governo do povo”.

Mais um ponto a ser considerado: como reagem os defensores da cultura da morte às nossas críticas?

É simples: com a ajuda de amplos setores da mídia afirmam, sem enrubescer, que eles representam a liberdade e o progresso. Nós é que merecemos a execração porque seríamos reacionários e inimigos dos direitos humanos!

Tal procedimento não é nenhuma novidade. Já Santo Agostinho havia ensinado que de tal modo o homem nasceu para o bem que não consegue praticar o mal chamando-o de mal. Até traficante sabe disso. Ao oferecer a droga para um pobre jovem ele diz: “Experimente. É bom...”

O amor que temos pelo verdadeiro bem nos faz rejeitar com toda a alma tal visão materialista do homem e da sociedade. Amor que nos faz proclamar que a verdadeira inclusão não pode ser total e irrestrita. Amor que jamais aceitará que se coloque em pé de igualdade os justos clamores de tantos que sofrem violência com o pretenso direito de se violar a lei moral.

Em suma, quem tem direitos são as pessoas. Não o crime, não a corrupção. E a liberdade de cada um de nós foi-nos dada para fazer o bem. E só é bom o que é conforme nossa natureza e concorre para a plena realização do ser humano.

O resto é ideologia, falsidade, demagogia.







1. “manipulação é toda atividade que pretende apresentar o falso como verdadeiro, o eticamente ilícito como eticamente lícito, o não-humano como humano”. PEREZ, Rafael Gómez. Problemas morais da existência humana, Lisboa, Edições CAS, 1983. p. 44.

2. Lexicon: Termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas/Pontifício Conselho para a Família. Brasília, Edições CNBB. 2007.

3. Lexicon. Prefácio. Págs 5 e 6.


4. E também uma alegria. No ano passado li no Lexicon: “Há alguns termos universalmente presentes que são fonte de especiais dificuldades. É o caso do conceito de “discriminação”. O equívoco aqui é particularmente perigoso. Inicialmente, desperta uma reação de simpatia: como não ser contra as discriminações? À primeira vista, parece ser conseqüência do respeito aos direitos humanos. Mas a primeira e espontânea reação favorável muda quando os conteúdos concretos são mais detidamente examinados”. (op. cit. prefácio. p. 7)

5. O projeto de lei sobre a homofobia está pronto para votação no Senado Federal brasileiro (PLC 122/2006). A proposta, iniciada na Câmara dos Deputados (PL 5003-B, de 2001 e aprovada pelo projeto de lei nº 5003/2001, pretende punir como crime qualquer tipo de reprovação ao homossexualismo) Mais especificamente, o projeto está para ser votado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). A relatora, Senadora Fátima Cleide (PT/Ro) deu parecer FAVORÁVEL à proposta em 7/3/2007. Assim sendo o texto está pronto para a pauta e poderá ser votado, e eventualmente aprovado, a qualquer momento. Em tempo oportuno escreveremos sobre o assunto. Permaneçamos vigilantes.

6. É como as desigualdades. Existem justas e injustas. E aqui também a propaganda revolucionária está vencendo. Toda desigualdade passou a ser tida por injusta. Outra negação da realidade humana.


7. O governo do PT chegou a ter no site do ministério do trabalho uma espécie de cartilha na qual defendia a legalização da prostituição. Seus deputados apóiam projeto de Gabeira. Basta acessar a internet para se ver a polêmica causada. De qualquer modo a esquerda considera tal medida mais um passo na defesa (?) dos “direitos humanos”.

Veja declarações neste sentido em:
http://www.beijodarua.com.br/materia.asp?edicao=28&coluna=6&reportagem=827&num=1