quinta-feira, 27 de novembro de 2008




A VELA E O GIZ

Valter de Oliveira




Estava lendo a História do Mundo Feudal, de Mário Curtis Giordano. Relia um texto sobre educação que era baseado em uma grande medievalista: Regine Pernoud. A narrativa levou-me a lembrar coisas da infância. Uma a uma foram passando em minha memória as primeiras imagens da Idade Média que tive quando criança. Uma delas foi a capa de um livro sobre Carlos Magno e os doze pares de França. Recordei-me das aulas do ginásio nas quais desfilavam heróis da Cruzada e da Reconquista. Aprendi também que para os autores medievais o mundo seria um quadro ou um espelho do invisível. Daí o amor que tinham pela alegoria, pelo símbolo. Sendo assim, o homem deveria saber ver as coisas, ver o que elas são e o que simbolizam. E ao fazer isto sua alma sentiria um gozo particularmente doce, cresceria no amor pelo absoluto, teria sede do infinito.

Lembrei-me, então, de uns antigos papéis que tenho em algumas pastas. Saí da sala e vim procurá-los em meu micro-escritório. Primeiro encontrei textos sobre heróis medievais: Godofredo de Bouillon, chefe da primeira cruzada, Bayard, o cavaleiro sem medo e sem mácula, Chatillon, que deu sua vida em uma luta memorável para salvar seu rei, S. Luís. Depois encontrei umas folhas amareladas. Eram parte de um estudo sobre a beleza e a arte.

Os textos eram frutos de belas conversas de bons amigos, ainda jovens, e que procuravam crescer no amor à verdade e ao bem. Estavam estudando um autor francês, Edgar de Bruyne, que escreveu um livro sobre a Estética na Idade Média. O livro os ajudou ainda mais a se encantar com tudo o que era belo. Liam, trocavam idéias, escreviam. E ao estudar a alegoria decidiram fazer um exercício: ver o lado simbólico de uma vela e de um giz. A folha amarelada que tenho em mãos está dividida em três partes, em três colunas. Na primeira há dois textos: o de um livro não identificado e o “exercício” deles sobre a vela. Na coluna do centro há uma foto de uma bela vela num castiçal. Na terceira eles fazem um comentário sobre o simbolismo do giz. Pensei: por que não colocar no blog? É o que faço. É bom lembrar dos amigos (1). Fica como uma homenagem a todo o bem que me fizeram. Só não consegui manter a formatação original.


A VELA


“O aço duro da faca feriu a pederneira, fazendo saltar uma chuva de faíscas. O ruído seco parecia ecoar por toda a imensidão da nave da igreja vasta e escura. Ainda uma vez e outra o aço tornou a ferir, até que uma chama vacilante apareceu no topo da enorme vela de cera, afastando um pouquinho a escuridão e refletindo no rosto pálido e assustado do menino, que cuidadosamente a colocou no chão, ao lado do enorme missal.”

“Procurando as páginas, e com alguma hesitação na pronúncia do latim, o menino começou a ler as primeiras palavras da vigília pascal: “Deus, qui per filium tuum...” “Ó Deus, (...) santificai esse fogo novo tirado da pedra.”

“A chama desenhava sombras fantásticas nas colunas próximas. Mas a igreja era tão alta e tão longa que nada se distinguia, nem das paredes do teto. O menino, a vela e o missal pareciam estar dentro de um globo de luz imerso na escuridão”.


“Uma vela que se consome num globo de luz em meio às trevas. Ela é tão pouca coisa: Um pouco de matéria gordurosa, tendo um pavio por “alma” e nada mais. Mas quando o fogo se apodera dessa alma, que transformação! Esse fogo vai lentamente consumindo o pavio, e a vela gera luz e calor.”

“Assim é o homem, tão miserável e tão pouco em si mesmo: um pouco de carne com uma alma que é apenas um sopro. Mas um sopro de Deus, e capaz de receber o fogo da fé e do amor. E se o homem se deixa dominar pelo amor de Deus, ele se consome lentamente num silencioso holocausto espalhando por toda a parte o calor da virtude e a luz da verdade.”


E assim terminamos. E o simbolismo do giz? Cabe a você imaginar. Pare um pouco, esqueça a correria do mundo moderno, reflita, escreva. (2) Se desejar, mande seu texto para o blog.



1. “Amigo fiel é proteção poderosa, e quem o encontrar, terá encontrado um tesouro”. (Eclesiástico, 6,14).

2. Se Deus criou as coisas à sua imagem, é natural que, contemplando as formas, encontremos os vestígios da Sabedoria Divina.