quarta-feira, 25 de novembro de 2020

IGUALDADE. UM GRITO NA HISTÓRIA

 

Pedro Demo



"A igualdade é um grito enorme na história. Em seu nome fizeram-se revoluções e as promessas mais radicais. E traduz-se sobretudo na igualdade de direitos. Este sentimento é vivo e penetrante (...).

A história perde-se entre os extremos da excitação da desigualdade e igualdade.(...)

A igualdade é também uma utopia, no que ela tem de proposta irrealizável na sociedade. É uma das mais amarrotadas da história, que aparece certamente como comprovação empírica de uma traição teimosa e sorrateira. Tantas vezes foi prometida, quantas foi solapada. É o reverso da desigualdade, filha esta do poder. Porquanto não pode haver poder, onde não haja quem mande e quem obedeça. A disparidade é componente inevitável"


Pedro Demo, Sociologia, uma introdução crítica, Atlas, São Paulo, 1995, p. 153. 


domingo, 22 de novembro de 2020

ESTRATÉGIA MARXISTA, VIOLÊNCIA E O PAPA

 


Valter de Oliveira

 

Marxistas procuram tomar o poder de dois modos: pacificamente, pela democracia, e pela Revolução.

Não é opinião minha. É o que encontramos nos textos marxistas e até em programas de certos partidos políticos socialistas ou comunistas.

Outro ponto fundamental do marxismo é a defesa da luta de classes. Relembro o texto:

"(...) A história de todas as sociedades passadas é a história da luta de classes.


 O homem livre ou escravo, patrício ou plebeu, barão ou servo, numa palavra, opressores e oprimidos, estiveram sempre em luta uns contra os outros, sem quartel, por vezes dissimulada, por vezes aberta, e que terminou sempre por uma transformação revolucionária da sociedade, ou pela destruição simultânea das classes em luta.

Mas nossa época, a época da burguesia, tem de peculiar o fato de que simplificou a oposição de classe. Cada vez mais, a sociedade se divide em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado".  (K.MARX, F. ENGELS – Manifesto Comunista)

Com o tempo, o desenvolvimento do capitalismo e a melhora das condições sociais e de trabalho tornou cada vez mais difícil para os marxistas transformar os trabalhadores em revolucionários.

Criaram uma nova tática: criar e ou exacerbar problemas e conflitos em proveito da própria causa. Inclusive partindo para a luta armada.

Querem exemplos? Vamos lá.

Um dos mais importantes foi a questão da raça. Levando em conta injustiças reais gravíssimas como o odioso apartheid,  souberam se aproveitar e se apropriar da causa dos negros por direitos civis e sociais. Nos EUA, principalmente, souberam usar da influência de Martim Luther King bem como dos movimentos negros radicais, em proveito de seus objetivos maiores.

Em nações em que não era possível ganhar com a causa da raça criaram polaridades de origem nacional. No Canadá procuraram ganhar terreno apoiando Quebec contra Toronto.

Na Irlanda foram hábeis em apoiar os católicos injustiçados há séculos pela política inglesa. 

Muito católico ingênuo caiu no conto do vigário e partiu para a luta armada. Surgiu o IRA. Exército Republicano Irlandês. Terrorismo que abalou a comunidade britânica por bom tempo.

21/11/1920 - Há 100 anos ocorria o Domingo Sangrento na Irlanda

Aqui entra o Papa João Paulo II. O que fez ele? Apoiou o terrorismo “católico”?

Nem de longe. Quem inventou a história que o oprimido tem direito à violência foram os marxistas.  Também tese de Malcom X. Nos meios católicos D. Helder foi quem justificou tal barbárie.

O Papa enfrentou o problema de frente. Inaceitável a violência criminosa em nome de reais injustiças do passado.

Não esqueçamos das novas fontes de discórdias: feminismo desbragado, que odeia homens, casamento e até crianças; a causa e o lobby LGBT; e, finalmente, a ideologia de gênero.

Os vários tipos de marxismo atribuem todos os problemas existentes como fruto da visão cristã no mundo. A consequência tem sido a intolerância religiosa, a destruição de igrejas e símbolos religiosos, e, em alguns países, até mesmo a morte de fiéis cristãos.

Hoje os líderes revolucionários não mudaram sua doutrina. Eles só a disfarçam. Exploram todo tipo de injustiça – ou que afirmem ser injustiça – para avançar com seus ideais.

Precisamos estudar melhor os que pregam o caos. Que vendem ilusões e esperanças. Que sempre prometeram o Paraíso e criaram verdadeiros infernos. 

Até quando seremos ingênuos?

domingo, 15 de novembro de 2020

DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 16. DIREITO DE PROPRIEDADE E PADRES DA IGREJA

 


Valter de Oliveira

 



A partir de 1965 costumava comungar à noite na igreja de Nossa Senhora do Carmo, no centro de Itaquera. O pároco, padre João, era espanhol. Cuidava da paróquia e também dava aulas de religião para o ensino médio no colégio Emília de Paiva Meira. Era progressista, mas tinha bom conteúdo, o que atraía minha atenção. Por isso mesmo ia ouvir suas preleções antes da missa.

Certo dia ele decidiu explicar o ensinamento dos Padres da Igreja sobre as riquezas e o direito de propriedade. Novidade para mim. No final ele concluiu que, conforme Santo Ambrósio, enquanto houver uma pessoa passando fome na terra, não há direito de propriedade... (1)

Fiquei perplexo. Comentei com um amigo. Concordamos que, se fosse realmente assim, ninguém hoje teria direito à propriedade, dado que há uma infinidade de gente passando fome. Não fazia nenhum sentido (2).

A perplexidade tinha uma explicação. Eu havia começado a ler encíclicas sociais no final de 1964 e já tinha lido a Rerum Novarum.  Sabia que Leão XIII condenara os males da Revolução industrial que provocaram a questão social operária, os erros iluministas e liberais e clamava para que fosse feita justiça aos trabalhadores. Contudo, ao mesmo tempo, ele havia afirmado que era falsa a suposta solução proposta pelo socialismo. Este, afirmou o Papa, só deixaria os trabalhadores ainda mais miseráveis.

De qualquer modo não esqueci da afirmação do padre João sobre os Padres da Igreja.

Algum tempo depois vim a ter um contato indireto com textos patrísticos ao começar a ler livros sobre a doutrina social da Igreja. Não era muito diferente do que ouvira naquela noite em Itaquera. Com efeito, muitas das afirmações que fazem podem causar estranheza e exprimem ideias que precisam ser entendidas e contextualizadas. Seguem alguns exemplos.

Textos de Padres da Igreja


Comecemos citando S. Basílio, que Pierre Bigo considera o mais “economista” dos padres gregos.

“O que despoja um homem das suas vestes terá nome de ladrão. E o que não veste a nudez do mendigo, quando pode fazê-lo, merecerá um outro nome? Ao faminto pertence o pão que tu guardas. Ao homem nu, o manto que fica nos baús. Ao descalço, o sapato que apodrece na tua casa. Ao miserável, o dinheiro que tu guardas enfurnado (3).



Agora um texto de S. Ambrósio:

“Não deveis dizer: “Eu gasto o que é meu, eu gozo daquilo que é meu”. Não: não daquilo que é vosso, mas daquilo que é de outro. Esses bens não vos pertencem: pertencem em comum a vós e a vossos semelhantes, como são comuns o céu e a terra e tudo o mais. (4).

Em princípio, não há como não reconhecer que os textos assustam. Basta imaginar o que diriam deles se tivessem sido pronunciados pelo Papa...

De qualquer modo julgo importante vermos, mais do que a letra, o espírito que os Padres procuravam incutir em seus fiéis.

Outro texto interessante é de S.Basílio que faz uma comparação baseada em Cícero, a do egoísta no teatro:

“Tu és semelhante ao homem que, reservando uma vaga no teatro, queria impedir os outros de entrar e desejaria gozar só de um espetáculo, ao qual todos têm direito. Assim são os ricos: dos bens comuns que abarcaram, eles se decretam donos por terem sido seus primeiros ocupantes”. (5)

Mas, voltemos à questão. Como conciliar tais posicionamentos com o direito particular de propriedade? Os autores que pesquisamos concordam que tais leituras precisam ser feitas corretamente.

Pierre Bigo aborda outro ponto que vai dar um matiz à questão:

 Mas existe também o direito de posse. Sobre esse ponto os Padres são também unânimes. Os ricos podem salvar-se. Ao redor do ano 200, Clemente de Alexandria o afirmou numa célebre homilia (6) (na qual explica como o rico pode ser salvo) e a lição será muitas vezes retomada. Mas ele busca a salvação do rico na linha que será de todos os Padres: o desapego do coração e a renúncia real aos bens que ultrapassem as necessidades pessoais”

Camacho também aprofunda a questão quando discute a questão dos bens materiais

“Os Padres (...) não consideram os bens materiais maus em si. (...) Tomemos como paradigma a sugestiva argumentação de S. Basílio. Para ele, os bens são naturalmente bons, primeiro porque foram criados por Deus e, segundo, porque “o mandamento de Deus não nos ensina que devemos rechaçar os bens e fugir deles como se fossem males, mas que os administremos”. Portanto “aquele que se condena, não se condena absolutamente porque possuía bens, mas porque avaliou erradamente o que tinha e não o usou bem” (7).

Camacho vai sintetizar a questão relacionando a visão dos Padres com o problema de nossa natureza decaída:

“A doutrina dos Padres da Igreja, com relação à propriedade, pode ser resumida nos seguintes termos: a intenção primeira de Deus era a destinação de tudo a todos. O que era de direito natural era a apropriação social. A apropriação pessoal, na mente dos mesmos Padres, era uma derrogação da lei primitiva, derrogação exigida pelo pecado.

Deus destina os bens da terra à fruição de todos os seus filhos. Mas essa fruição pacífica tornava-se impossível pelo pecado, que desperta no homem os instintos egoístas. A apropriação coletiva dos bens pelo homem inocente transformava-se numa causa de tensões intoleráveis entre os homens marcados pelo pecado, ameaçando a própria sobrevivência da espécie que emergia para a grande aventura humana  (8)

Os Padres escreveram quando ainda vigia o Império Romano baseado, entre outras coisas, na escravidão. Naturalmente não tinham uma série de conhecimentos de economia que temos hoje. Contudo, não temos dúvida em afirmar, que suas preocupações sociais, mais a evangelização dos bárbaros, e o papel desempenhado pela Igreja na derrocada do Império Romano, contribuíram para que fosse sendo mudado e humanizado o direito e o uso da propriedade. Se na Antiguidade havia uma enorme população de escravos, depois, na Idade Média, eles gradualmente tornaram-se servos da gleba e tinham determinados direitos reconhecidos. E depois do ano 1000 aumentou consideravelmente o número de homens livres e proprietários.

De qualquer modo os manuais de doutrina social da Igreja afirmam que será S. Tomás quem conseguirá harmonizar os pontos aparentemente divergentes do ensinamento dos Padres.

 

Notas:

1.    Chamamos de «Padres da Igreja» (Patrística) aqueles grandes homens da Igreja, aproximadamente do século II ao século VII, que foram no Oriente e no Ocidente como que «Pais» da Igreja, no sentido de que foram eles que firmaram os conceitos da nossa fé, enfrentaram muitas heresias e, de certa forma foram responsáveis pelo que chamamos hoje de Tradição da Igreja; sem dúvida, são a sua fonte mais rica. (https://cleofas.com.br/os-santos-padres-da-igreja )

2.      Em nossos dias, quando se fala em direito de propriedade rejeitado pelo socialismo e pelo comunismo não estamos nos referindo a bens de uso, bens pessoais, que não são negados por praticamente ninguém, mas a que ficou conhecida como propriedade privada dos bens de produção. Por exemplo uma indústria, uma rede de comércio, o agronegócio, a padaria da esquina. Tivemos países socialistas que não aboliram pequenas e médias propriedades. Razão tática, não de princípios.

3.      Homilia6. Contra a riqueza. 7. “Ricos e pobres”,pág. 76.pág 31, 277. In Pierre Bigo: a doutrina social da Igreja, São Paulo, Loyola, 1969, p. 41, 42,

4.      Homilia 10, PG 61, 86 in Pierre Bigo..op.cit.,p. 42.

5.      Hom. 6.6. in Pierre Bigo, op. cit, p. 42.

6.      ( Homilia “Que rico pode ser salvo” ver Bigo op.cit.,p. 44,45) – a frase entre parênteses e em negrito é do site para dar maior clareza.

7.      ). (13, S. Basílio, regras breves, in Práxis Cristã, Opção pela justiça e liberdade, São Paulo, Paulinas, 1988, p. 55).

8.      Pierre Bigo e Fernando Bastos. Fé Cristá e Compromisso Social, 2ª edição, São Paulo, Paulinas,1993, p. 172.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

QUÍMICA, GEOMETRIA, BIOLOGIA SUCUMBEM DIANTE DA PEDAGOGIA REVOLUCIONÁRIA

Eduardo Affonso


“(...) Renovando nosso compromisso com a promoção (e a pramocinha) do respeito (e do resseio) e da diversidade (e diversivila, diversialdeia, diversipovoado, diversiarraial), informamos também que, doravante, serão adotados os seguintes princípios pedagógicos:

1. Química: A fim de combater a desigualdade, todos os elementos da tabela periódica terão o mesmo número atômico, com redistribuição equitativa de elétrons,
Reparando uma injustiça histórica, as moléculas terão o mesmo número de cada elemento. Assim, a composição da água passa a ser H 1,5 0 1,5.
Em substâncias com mais de cinco elementos, 10% serão destinados a átomos pertencentes a minorias, como o astênio, o rênio, o lutécio, o túlio e o tântalo.

2. Biologia: Na luta pelos direitos iguais para todos os gêneros, deixaremos de utilizar o conceito sexista de cromossomos XX e XY, Todos os seres, inclusive os não binários, terão cromossomos KK. As pessoas que não se identificam com nenhum dos gêneros (agêneras) poderão optar por não ter cromossomos (neste caso, favor comunicar o fato à Secretaria, em formulário disponível no saite da escola).

3. Geometria: No enfrentamento dos privilégios, será estendido aos triângulos equilátero e escaleno o direito a ter catetos e hipotenusa, hoje exclusivos do triângulo retângulo.
A soma do quadrado de quaisquer desses elementos será igual ao quadrado do elemento faltante, tirando a hipotenusa do isolamento a que esteve condenada por séculos.
Nossos canais de comunicação encontram-se abertos do diálogo, ao triálogo e ao poliágolo para a elucidação de dúvidas. (Pedimos nossas sinceras desculpas aos e às que se sentiram ofendides com o uso do substantivo racista “esclarecimento” no corpo da mensagem anterior. O responsável já foi democraticamente cancelado e sumariamente demitido do nosso quadro técnico.)

Para celebrar este movimento rumo à inclusão, convidamos todes es alunes para a aula magna de História, que tratará da vitória de Montezuma sobre Cortez, impedindo a colonização do México.
Devido à segunda onda da pandemia, fica cancelada a visita a Ouro Afrodescendente para conhecer a cama onde Tiradentes morreu.
Atenciosamente,
Direção Pedagógica”

Nota: o texto foi extraído do FB. 12-11-2020 compartilhado da página de Cláudio Márcio Ferreira.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 15. DIREITO DE PROPRIEDADE E DIVISÃO DE BENS.

 


Valter de Oliveira

No artigo anterior sobre a gênese da propriedade falamos de importante princípio da DSI: a destinação universal dos bens. “Deus destinou os bens da terra a todos os homens, sem especificar destinatários, indivíduos, ou comunidades humanas.”

Daí surge a pergunta: “Se os bens se destinam a todos, não seria lógico que pertencessem a todos, isto é, à coletividade? (...) Não seria “uma contradição flagrante, afirmar e defender a apropriação particular dos bens cujo destino coletivo acabamos de provar?” (Van Gestel, 177).

Em palavras mais atuais: o destino universal dos bens não implicaria em defendermos a socialização da propriedade ou o regime comunista?

Desde jovem vi vários tipos de esquerdistas afirmando que são eles que entendem o verdadeiro espírito do Evangelho na questão da propriedade. Destacando falsa oposição entre o individual e o bem comum tendem a limitar fortemente a propriedade e a estimular teorias que tendam a aboli-la. Acrescento que neste sentido confundem as palavras individualidade e individualismo. Na verdade, fingem esquecer que a Igreja defende fortemente a primeira e rejeita a segunda, tão cara a certo liberalismo subjetivista. A individualidade está ligada à essência do homem já que, Deus fez de cada um de nós uma criatura única. É a unicidade do ser humano, conceito profundo, que nos ajuda a compreender como é o ser humano e como, a partir dele, devemos entender tanto questões econômicas quanto questões políticas, filosóficas e pedagógicas.


A interpretação progressista da Escritura

 

Ilustremos a questão lembrando aos amigos alguns pontos dos Atos dos Apóstolos: a divisão de bens entre os cristãos de Jerusalém e o episódio de Ananias e Safira.

Como sabemos os Atos narram o início da expansão cristã. O que diz sobre  a vida dos primeiros cristãos em Jerusalém?

Em Atos 2 temos a narrativa:

42. Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. 43. Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. 44. Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. 45.Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade.46. Todos os dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em casa e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, 47.louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos. (Atos 2:42-47)

 

Ou seja, os bens eram tidos em comum. Este é o ponto acentuado por pensadores socialistas ou comunistas para dizer que este deveria ser o ideal evangélico. E continuam seu “livre exame” afirmando que o episódio de Ananias e Safira, mostra como foi a ira de Deus, ao castiga-los por  serem individualistas e egoístas. Consideram-nos maus cristão que não quiseram ter espírito de partilha.

 

Na verdade,  o que aconteceu? Vejamos (o destaque em negrito é do blog):

"Atos dos Apóstolos, 5

1.      Um certo homem chamado Ananias, de comum acordo com sua mulher Safira, vendeu um campo 2.e, combinando com ela, reteve uma parte da quantia da venda. Levando apenas a outra parte, depositou-a aos pés dos apóstolos. 3.Pedro, porém, disse: “Ananias, por que tomou conta Satanás do teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e enganasses acerca do valor do campo? 4.Acaso não o podias conservar sem vendê-lo? E, depois de vendido, não podias livremente dispor dessa quantia? Por que imaginaste isso em teu coração? Não foi aos homens que mentiste, mas a Deus”. 5.Ao ouvir estas palavras, Ananias caiu morto. Apoderou-se grande terror de todos os que o ouviram. 6.Uns moços retiraram-no dali, levaram-no para fora e o enterraram. 7.Depois de umas três horas, entrou também sua mulher, nada sabendo do ocorrido. 8.Pedro perguntou-lhe: “Dize-me, mulher, foi por tanto que vendestes o vosso campo?”. Respondeu ela: “Sim, por esse preço”. 9.Replicou Pedro: “Por que combinastes para pôr à prova o Espírito do Senhor? Estão ali, à porta, os pés daqueles que sepultaram teu marido. Hão de levar-te também a ti”. 10.Imediatamente caiu aos seus pés e expirou. En­trando aqueles moços, acharam-na morta. Levaram-na para fora e a enterraram junto do seu marido. 11.Sobreveio grande pavor a toda a comunidade e a todos os que ouviram falar desse acontecimento.*" (Bíblia Católica Online).

Comentando



Como está claro no texto Ananias e Safira foram castigados (é falso que Deus nunca castiga) não porque não quiseram vender os bens e ter tudo em comum. S. Pedro é claro: Eles não estavam obrigados a vender o que tinham para partilhar com todos. E se vendessem, poderiam dispor livremente do dinheiro da venda. Pecaram por haver tentado enganar o Apóstolo dizendo que estavam dando tudo quando na verdade davam só uma parte. E o pior foi a mentira ao Espírito Santo!. 

E como terminou a tentativa de uma vida comunitária na pequena comunidade cristã em Jerusalém?  

Fracassou. Nada havia de errado no espirito de solidariedade e de amor entre eles, muito pelo contrário. A questão é que a realidade material é mais complexa. A partilha diminuiu o número dos que tinham bens, e que eram generosos com eles. Resultado: a pobreza começou a aumentar, e não diminuir. A comunidade de Jerusalém teve que ser socorrida pelos apóstolos, através de donativos enviados por outras comunidades cristãs.

Deus ensina. A realidade também.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA. A GÊNESE DA PROPRIEDADE - 14

 

                                                                                                                  


 






Valter de Oliveira


Muitas vezes lemos as expressões: a propriedade é sagrada; a propriedade é um direito absoluto; a propriedade é inviolável.

Tudo isso pode ser aceito desde que entendamos como as palavras estão sendo usadas.

No caso da encíclica Fratelli Tutti, recentemente promulgada pelo Papa Francisco, houve quem não entendesse o texto - O Santo Padre disse que a propriedade não era um direito absoluto e nem inviolável-  e tenha chegado a dizer que ele, neste ponto, tomara uma posição socializante, socialista ou até comunista.

Como dissemos em artigo anterior a confusão vem da falta de conhecimento da Doutrina Social da Igreja e da teologia. Na verdade, acontece também, porque muitos não têm certas noções básicas de direito, de ciência política, de história. Muitas vezes não têm culpa disso. Estão mergulhados em um mundo confuso, relativista, manipulador onde não é tão fácil conhecer a verdade. 

Para entendermos melhor toda a questão é preciso vermos qual é a gênese do direito de propriedade. É o ponto que passamos a abordar.

Começo a explicar o assunto tendo como fonte um livro de Doutrina Social da Igreja intitulado “A Igreja e a Questão Social”. Eu o escolhi porque foi publicado no Brasil em 1956. Na Europa foi em 52. Só para que não se diga que determinados ensinamentos são frutos do Concílio Vaticano II ou dos Papas “modernos”. Comecemos pela relação que o autor, o dominicano Van Gestel, faz entre “Direito Divino e humano de propriedade”:

“Somente Deus é, em todo sentido da palavra, senhor e proprietário de tudo que é criado. A Ele só pertence a terra e toda sua plenitude. Este direito humano e fundamental de propriedade lhe é devido porque tudo criou e tudo mantém na existência pela ação contínua de sua providência. São seus títulos de propriedade”. 

E continua:

“Desta verdade básica segue-se, tanto para a razão como para a fé, que a posse humana é apenas um direito de uso da propriedade de Deus, uma gerência do domínio divino. Assim, no uso e na administração dos bens cuja gestão Deus lhe confiou, o homem deve se conformar com as prescrições divinas”  (1) 

Sabemos que para ajudar o homem a cumprir o plano divino aqui na terra, de modo a fazer seu trabalho, realizar-se, atingir seu fim último, Deus nos concedeu a lei divina e a lei natural.

Mesmo os que não tiveram a graça de receber a revelação do Antigo e do Novo Testamento tem um caminho, uma luz que vai ajuda-lo: a lei natural. É através dela que os planos divinos são transmitidos ao homem. É também graças a seus efeitos que o homem se relaciona com os outros e toda a natureza e percebe o modo como pode legitimamente submete-la dentro de uma correta escala de valores.

Estas breves considerações são o fundamento filosófico do direito de propriedade.


Descendo ao concreto

Destinação Universal dos Bens (2)

 

Comecemos com algumas questões simples: o ar, a luz, a terra, o conjunto da natureza? De ninguém, ou melhor, de todos. E o alimento? De quem são os vegetais e os frutos, os peixes e os animais? De quem é a terra? De ninguém especificamente.  A expressão latina para expressar tal verdade é: "res nullius". Coisa de ninguém. Contudo, o que é de ninguém é de todos...

Aqui, a Igreja coloca um dos princípios de sua doutrina social, o princípio do "Destino Universal dos Bens". Todos "são ordenados às necessidades do gênero humano!"

Tais ideias – ou tese – diz Van Gestel, está de acordo com as tradições constantes da doutrina da Igreja. São Tomás a proclama com insistência na Suma Teológica e os Papas, desde Leão XIII têm insistido nela.

Agora surge a questão: se é assim, como o homem se apropria das coisas?

É evidente que não é a natureza quem vai assinalar “quem é proprietário deste ou daquele bem”. Tivemos e temos casos de apropriação por grupos ou comunidades. Povos caçadores partilham sua caça. Outros tiveram glebas em comum. Nada disso é contra o direito natural. O bem comum está sendo alcançado conforme sua circunstância histórica.

A questão que se coloca é quanto à apropriação individual dos bens. Tema que desenvolveremos no próximo artigo. De momento achamos mais conveniente explicarmos como o homem se apropria dos bens da natureza.

 

Propriedade e trabalho

 



O homem, ser racional, sabe quais são suas necessidades de sobrevivência. Percebeu que para sobreviver pode pescar peixes; coletar frutos e legumes; caçar animais e aves. Mas, para isso, uma coisa é necessária: o trabalho humano. A propriedade nasce do trabalho. O capital também. 

Quando o ser humano dedicou-se à agricultura percebeu que seria preciso parar em um determinado local e trabalhar nele. Pelo menos por um certo tempo.  Aí, aquilo que ali era produzido, passava a ser de um grupo, de uma comunidade, com exclusão de outros que ali não trabalharam. Aqui destacamos um ponto fundamental ensinado pelos filósofos do direito natural: “o homem, ser racional, consciente e responsável pelo seu futuro, tem o direito de apropriar-se não só de bens de consumo como também de bens de produção, em vista da satisfação de suas necessidades futuras”  (3).

E o roubo?

Um índio, com um arpão ou rede, coleta alguns peixes. Coloca-os em um cesto e se afasta para coletar mais alguns. Índios de uma outra tribo se aproveitam do descuido e levam os peixes e o cesto. Roubaram? Sem dúvida. Mas não pegaram o que era de todos? Não, pegaram um bem que foi fruto do trabalho de outrem. Na verdade roubaram seu trabalho. O primeiro índio trabalhou e ficou sem nada. Para si, para sua família, para sua tribo.


Hoje, na sociedade moderna, trabalhamos e recebemos um salário. O que é este? É nosso trabalho “condensado”, “materializado em” forma de dinheiro. Quando um ladrão o assalta e leva embora seu salário do mês levou embora todo seu trabalho, todo seu fruto. Aí o criminoso é pior que um escravocrata. Este, explora um ser humano, retira todo o fruto de seu trabalho. Contudo, bem ou mal, ainda lhe concede alimento e moradia.

Nessa ótica é bom lembrarmos o que ensina a moral católica quando diz que não pagar ou defraudar o salário de quem trabalha é um "pecado que brada aos céus". 

Negar o direito de propriedade é negar o próprio homem e sua liberdade.

Notas:

1. Gestel, Van O.P. A Igreja e a Questão Social. trad. Pe. Fernando Bastos de Ávila, S.J. Rio de Janeiro, Agir, 1956, p. 174. 

2. Os princípios da Doutrina Social da Igreja, DSI, são os seguintes: O Princípio do Bem Comum; A Destinação Universal dos Bens; o Princípio de Subsidiariedade; o Princípio de Participação; O Princípio de Solidariedade.

3. Gestel, op. cit. p. 179


terça-feira, 13 de outubro de 2020

DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA E PROPRIEDADE (13).

 

 

A confusão sobre o pronunciamento do Papa Francisco

                                                                                                                Valter de Oliveira

 

Tudo começou quando a mídia publicou a seguinte frase do Santo Padre:

“A tradição cristão nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada”


Muitos julgaram o texto surpreendente, ou melhor, decepcionante, errado.  Especialmente gente que utilizou os meios sociais para expressar seu desacordo. Os mais nervosos chegaram a chama-lo de comunista... Entre estes vi alguns fazendo questão de afirmar que eram católicos mas que não podiam deixar de protestar ao ver um Papa proferir palavras que eram contra o ensinamento da Igreja! Aí os escandalizados resolveram escandalizar outros.

Surge a questão: um católico não pode protestar contra autoridades da Igreja?

Protestar não é a palavra mais adequada mas, sem dúvida, ela permite que os fiéis possam se expressar. Evidentemente com o respeito e a reverência que devemos ter diante dos sucessores dos apóstolos. Reverência ainda mais necessária quando nos dirigimos ao representante de Cristo na terra. (1) A importância da participação dos leigos na igreja, inclusive pedindo explicações ou providências á hierarquia, foram particularmente afirmados no Vaticano II. Há também documento da CNBB a respeito.

Isso quanto à forma. Quanto ao conteúdo ele precisa entender bem do assunto tratado e precisa - com a razão e a fé - expor no que a autoridade legítima possa ter se equivocado.

Infelizmente muitos protestos não tiveram nada disso. Erraram. E muito.

 

Primeiro ponto: As palavras citadas são a reprodução do que o Papa dissera na encíclica Laudato Si de 2015, no ponto 107. Depois cita outros dois Papas, Paulo VI e João Paulo II. Cita também o manual de Doutrina Social Católica, ponto 172, publicado pelo Conselho Pontifício Justiça e Paz por ordem de João Paulo II em 2004 e que explica muito bem toda a questão.  

Segundo ponto: tal ensinamento não é só dos últimos Papas. É doutrina constante da Igreja.  

Agora vejam o texto completo do ponto 120 da encíclica Fratelli Tutti:

120. Faço minhas e volto a propor a todos algumas palavras de São João Paulo II, cuja veemência talvez tenha passado despercebida: «Deus deu a terra a todo género humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém».[94] Nesta linha, lembro que «a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada».[95] O princípio do uso comum dos bens criados para todos é o «primeiro princípio de toda a ordem ético-social»,[96] é um direito natural, primordial e prioritário.[97] Todos os outros direitos sobre os bens necessários para a realização integral das pessoas, quaisquer que sejam eles incluindo o da propriedade privada, «não devem – como afirmava São Paulo VI – impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização».[98] O direito à propriedade privada só pode ser considerado como um direito natural secundário e derivado do princípio do destino universal dos bens criados, e isto tem consequências muito concretas que se devem refletir no funcionamento da sociedade. Mas acontece muitas vezes que os direitos secundários se sobrepõem aos prioritários e primordiais, deixando-os sem relevância prática. (2) 

Fica uma pergunta: quantos que saíram criticando o Papa pelas redes sociais leram  a encíclica? Ou pelo menos o texto? Quantos já leram pelo menos um livro de Doutrina Social da Igreja? “Argumentam” baseados em quê?

Não sei. O que sei é que nas próximas postagens vou explicar porque o texto acima é conforme o que sempre foi ensinado cristalinamente pela Igreja. 

1. A importância da participação dos leigos na igreja, inclusive pedindo explicações ou providências á hierarquia, foram particularmente afirmados no Vaticano II. Há também documento da CNBB a respeito. Tal participação é até estimulada.

2.http//www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html



sábado, 3 de outubro de 2020

BOLSONARO, ELEITORES E A INDICAÇÃO DE KASSIO NUNES AO STF

 

Valter de Oliveira

            Desde a campanha eleitoral os eleitores de Bolsonaro sonhavam com o início de mudanças na composição do STF. O candidato acenou com a futura indicação de Moro, baluarte na campanha contra a corrupção política no Brasil.

            Muita gente ficou entusiasmada.

            Certos entusiasmos fazem parte da cultura brasileira. Já acontecera antes com a atuação do ministro Joaquim Barbosa quando este criticou seus colegas que teriam negado coisas evidentes no processo do mensalão (1).  Bastou para que muita gente pensasse em lançá-lo como candidato a presidente.

            Na verdade falta visão de conjunto. Certas posturas acertadas de certos atores políticos em determinada ocasião não nos garantem que acertarão em muitos outros pontos. Temos que saber o que eles pensam sobre muitas outras coisas e se são coerentes entre teoria e prática.

            A divergência Moro-Bolsonaro provocou frustração entre os eleitores de Bolsonaro que se dividiram. As faíscas prejudicaram a ambos. Perdeu também o Brasil com a não indicação de Moro?

            Descartado o antigo ministro falou-se em novos nomes que poderiam ser indicados. Esperava-se a indicação de alguém com grandes qualidades jurídicas, ilibada reputação, coerente, identificado com os valores conservadores desejados por grande parte da população e, principalmente, na capacidade de aplicar a justiça. (2)

            Repentinamente surgiu o nome do desembargador Kassio Nunes, do Piauí. Houve quem dissesse que era só balão de ensaio para sentir a opinião do eleitorado do presidente. A base não gostou. Expressou isso claramente.

            Apesar disso Kassio foi indicado. Conforme as notícias com as bênçãos de Toffoli, Gilmar Mendes e do Centrão.  Indicação também recebida com agrado pela bancada nordestina.

            Prevaricação do presidente? Pragmatismo político? Sagacidade maquiavélica?

            Eleitores mais fiéis afirmam que Bolsonaro sabia que outros nomes não seriam aprovados. Assim teria acertado em indicar quem é mais próximo e toma tubaína com ele.

            De minha parte preferiria a indicação de Ives Gandra Martins Filho. Mas, vejam só, como o jurista é numerário do Opus Dei isso já seria uma coisa difícil de engolir. A entidade seria ultraconservadora ou até franquista, como insistem em afirmar os pseudoinformadores.

            Fingem que não sabem que o Opus Dei, tal como a Igreja, não impõe um credo político. Só o que se pede é que seus associados sejam fiéis ao ensinamento católico.

            Contudo nada disso interessa à nova inquisição laicista revolucionária.

            Se Bolsonaro tivesse indicado Ives Gandra teria demonstrado a coragem de Trump. O Chefe de Estado norte-americano que é presbiteriano, sem pestanejar, indicou para a suprema corte americana uma jurista católica com seis filhos.

            Verdade que lá os republicanos têm a maioria do Senado. A indicação provavelmente será aprovada. E aqui? Quem garante que nossos nobres senadores estão ávidos para indicar um conservador? Mesmo assim, cabe a pergunta: teriam a coragem de rejeitar quando jamais fizeram isso no passado?

            Bolsonaro, que ao contrário do que se imagina conhece os bastidores da política, pode ter informações que desconhecemos. Resolveu ser pragmático. Acertou?

            Kassio Nunes certamente será indicado. Votará bem? Irá contra a corrente? O futuro dirá. Confesso que minha esperança não é grande.

            É sabido que a política é a arte do possível. Ela não é fácil.

            De qualquer modo o presidente sabe que não agradou sua base. Esperava-se mais dele neste momento. Prometeu-se muito. Por enquanto, infelizmente, o episódio lembra o famoso caso do parto da montanha.

 

Notas:

1.    http://g1.globo.com/politica/mensalao/noticia/2014/02/barbosa-critica-absolvicoes-e-diz-que-nacao-tem-que-estar-alerta.html

 

2.    Editorial da Gazeta do Povo do dia 02 de outubro p.p. indica detalhadamente  - e com todo acerto - as qualidades necessárias a um magistrado do STF.

 

https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/kassio-marques-stf-bolsonaro-tiro-no-escuro/?fbclid=IwAR1lBTTujRuH8DmPZFpcGRrMHeGv5B-14wSeK_1pjNnzU914LyYQam