terça-feira, 30 de março de 2010













LIBERAIS E CONSERVADORES
UM DEBATE PELA UNIÃO

Valter de Oliveira

Publicamos hoje dois artigos de autores que têm se destacado em defender a liberdade e o direito natural. É mais um “debate”. De um lado Klauber Cristofen defende os liberais da crítica conservadora e afirma que conservadores europeus, por exemplo, na questão da propriedade, estão caindo em posições socializantes. Nivaldo Cordeiro, por sua vez, que em seu blog se intitula um liberal, passou, devido aos estudos que tem realizado, a considerar que o liberalismo é causa da Revolução que nos ameaça, com a conseqüente destruição dos valores morais tão odiados pelos socialistas...

A discussão é importante, entre outras coisas, porque vemos hoje bons pensadores discutir seriamente a causa da crise do mundo moderno. É ponto sobre o qual, o Papa Bento XVI tem pedido que dediquemos nossa atenção.

Para terminar: espero sinceramente que Klaus, Nivaldo Cordeiro e muitos outros continuem a aprofundar o tema. Que procurem a união na verdade, num diálogo sério e fraterno, de modo que o talento de todos seja utilizado cada vez mais em defesa dos mais nobres valores da civilização e do homem.


LIBERALISMO E REVOLUÇÃO

12 de março de 2010
Nivaldo Cordeiro

Da obra de Hobbes (e de seu discípulo dissimulado, Locke, o o “sage” Locke) emerge a idéia do contrato social, dos direitos fundamentais e da igualdade. De Grocius a idéia de que a lei natural deve ser compreendida como uma equação matemática e que o direito deve emergir de sistemas gerais aplicados a todos os casos. De Maquiavel a idéia de que a obtenção do poder é ato voluntarista do “novo” príncipe, cujo único compromisso é com a manutenção do poder, uma vez esse conquistando, abandonando qualquer ilusão de justiça ou de equidade que se esperava dos governantes até então.

Como pano de fundo o laicismo e o ateísmo, militante ou camuflado, que tem acompanhado a ciência política desde então. E, claro, o desdobramento inexorável dos direitos fundamentais em direitos humanos e a busca obsessiva pelo dogma da igualdade. Esse é o receituário liberal desde a origem e aqui podemos ver nele contido todo o germe revolucionário jacobino, que vai se desdobrar nas revoluções.

As três maiores revoluções ─ a Reforma, a Francesa e a marxista, no século XX ─ foram derivações dessa rebelião original contra os fundamentos metafísicos da ciência política e do direito. Não por acaso que Leo Strauss fará na sua obra maior – DIREITO NATURAL E HISTÓRIA – a demonstração de que a modernidade é, ela mesma, um mergulho integral na loucura coletiva, já descrita na obra imortal de Miguel de Cervantes.

Na mesma linha está a obra de Eric Voegelin. Aqui quero sublinhar seu ensaio “Liberalismoand history”, publicado originalmente em “Thereview of politics”, Vol 36, nº 4 (Outubro de 1974). Com elegância e erudição Voegelinmostrou aqui o movimento interno da modernidade depois da ruptura com o cristianismo e a filosofia clássica. Desde então haverá uma sucessão de revoluções, contra-revoluções, restauração e conservadorismo,todos elementos do drama moderno oriundos da ruptura original. O liberalismo é ele mesmo essencialmente revolucionário, mas toda revolução gera o seu contrário e o próprio liberalismo acabou por ser ele mesmo a variante que precisa controlar a anarquia revolucionária, estabilizando-a.

Voegelin sublinhou quatro dimensões ou conceitos associados ao liberalismo: o político, o econômico, o religioso e o científico. Há uma tendência a se olhar a doutrina liberal apenas sob a ótica dos dois primeiros. O liberalismo político logrou grande parte da sua aceitação e legitimidade porque a luta contra os abusos do poder absolutista carregava em si um elemento óbvio de justiça, propondo a separação de poderes e a limitação do tamanho do Estado. Da mesma forma, o liberalismo econômico, que demonstrou cientificamente a superioridade da ordem fundada no Estado mínimo e nas livres trocas, com o mínimo ou a total ausência de regulação.

O aspecto religioso do liberalismo, que inicialmente se identificou com a Reforma e, posteriormente, com o materialismo ateu, é a sua ponte mais ostensiva com os movimentos coletivistas revolucionários da mesma natureza. Por isso que os liberais estão na linha de frente em questões como o aborto, gaysismo, a eutanásia, a liberação das drogas e a livre sexualidade (e a destruição do casamento monogâmico tradicional, sua conseqüência inevitável). Talvez por isso que nos EUA “liberal” equivale a esquerdista, pois aqui não há que se fazer distinção: ambos comungam da rebelião contra Deus. A adoção das doutrinas epicurista e estóica (utilitarismo e centralidade imanentista no ego como um substituto de Deus) é elemento que torna o liberalismo e o marxismo, por exemplo, uma única e mesma realidade política doutrinal.

No âmbito da pesquisa científica a coisa é ainda mais clara. Voegelin demonstra que Augusto Comte será o filósofo que influenciará fortemente as ciências no século XX (aqui nos referimos às ciências sociais), de tal sorte que se projeta no mundo científico todas as conseqüências do materialismo ateu. O resultado é duplo: o relativismo e o niilismo, conforme o autor demonstrará em outra obra (A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA).

É por isso que o argumento liberal não pode ser usado eficazmente para combater o irracionalismo e a anarquia revolucionária. É o mesmo que querer apagar fogo com querosene. É por isso que a tese degenerada dos direitos humanos prospera em todo o mundo, sob o patrocino da ONU e os braços cruzados dos liberais. Nenhum comentário político hoje deixa de se remeter a essa tolice teórica dos direitos humanos. Veja-se o recente caso da morte do cubano em greve de fome, coincidente com a visita de Lula a Fidel. Todos os comentaristas disseram que Lula se esqueceu dos direitos humanos, por ele outrora defendidos. Não viram que a locução “direitos humanos”não passa de slogan revolucionário que tem plasticidade suficiente para se aplicar a qualquer situação no rumo da revolução.

Direito humanos estão além do cinismo habitual da política, situam-se na crença profunda dos revolucionários de que vale tudo para se chegar à perfeição revolucionária. Tudo se legitima para se chegar a esse objetivo que, se sabe de antemão, é inatingível. Só tolos que não conhecem o conteúdo teórico escondido por detrás da locução para se escandalizar com gestos como os de Lula.

O liberalismo dito “clássico”, basicamente aquele compreendido na dimensão econômica e política, foi derrotado inexoravelmente desde o século XX. O agigantamento do Estado mostra que mesmo na sua dimensão econômica ele desapareceu. Não serve mais de elemento de estabilização política. A única força capaz de fazer frente ao movimento revolucionário em curso é o retorno à ciência política clássica. Ou seja, contra os direitos humanos revolucionários existe apenas o direito natural clássico.



VAMOS TRABALHAR JUNTOS?

18 de fevereiro de 2010
Klauber Cristofen Pires


Eu vou comentar mais uma vez sobre as constantes críticas que os conservadores lançam sobre os liberais. A idéia corrente entre eles é a de que os liberais oferecem como proposta para a sociedade tão somente um plano formal de eficiência econômica, e são destituídos de coisas como valores morais ou religião. Não tendo nada o que oferecer além disso, sobra o oco, que é preenchido pelos movimentos sociais tais como o gayzista, o abortista, o ateísta, o feminista, o ambientalista e outros de estirpe parecida.

Eu preciso dizer que os conservadores incorrem em engano de perspectiva. Para que se entenda melhor como isto se processa na prática, utilizemo-nos, como estudo de caso, da questão da luta pela retirada dos crucifixos das repartições públicas, promovidas recentemente pelo 3º PNDH (e desde muito antes, que se diga). Os conservadores querem mantê-los, e acusam os liberais de apatia. Entretanto, por que motivo um liberal haverá de lutar pela permanência de crucifixos nas repartições, se são elas o que ele quer extinguir? Quem pensa em colocar rodas de liga leve em um carro à venda?

É preciso que se diga algo sobre o assunto em questão: é verdade que os conservadores se ocupam mais com estes assuntos do que os liberais. Que bom que o mundo tem conservadores para lutar contra todas estas coisas. Todavia, eu ouso dizer que estes movimentos constituem uma força secundária, estando para a revolução socialista como a cavalaria para um campo de batalha. A cavalaria, aquela ainda montada, não era usualmente uma tropa de frente, mas de limpeza de terreno; os cavalarianos entravam em combate num segundo momento, pelos flancos, para cortar a cabeça dos inimigos já cansados, e muitas vezes resignados.

Se olharmos para as conquistas do Foro de São Paulo, veremos que em todos os países, à exceção do Brasil - e talvez da Argentina - a estratégia foi partir pra cima logo de cara com a "infantaria": a destruição da propriedade privada.

A propriedade privada não serve apenas como um fator de desenvolvimento econômico. Ela serve principalmente para o cidadão dar um chute no traseiro de quem ouse se meter na sua vida ou bulir com os seus filhos. Os liberais entendem que, dentro de uma sociedade que proteja a propriedade privada de acordo com o seu fundamento, os grupos de pressão coletiva gayzistas, abortistas e afins não têm o que reivindicar (ou impor).

Hoje, a Igreja Católica e provavelmente outras evangélicas se opõem ao aborto. Porém, quando a propriedade privada for para o farelo, o governo comunista passará por sobre padres e pastores com um trator, e pode ser que isto aconteça literalmente. Aliás, ele fará o que quiser com qualquer um.

A infantaria comunista - o ataque à propriedade privada - ataca com três divisões: a tributação, a regulação e o controle das comunicações.

Muitas pessoas talvez não saibam, mas o antigo Código Comercial, aquele editado no tempo do Brasil Império, proibia, por qualquer motivo, "por mais especioso" que fosse, que os livros contábeis dos comerciantes fossem abertos. No tempo do Império, a maior parte dos impostos era cobrada, como eu aqui vou cunhar, "da porta pra fora": os tributos recaíam sobre importações e exportações, sobre selos e outras atividades externas às portas do negócio. Com o advento da República, aos poucos começaram a ser instituídos impostos sobre o faturamento, os lucros e a folha de pagamentos, até que hoje os fiscais do governo têm entrada (e conhecimento) livre do que se passa nas empresas, vulnerando-as quanto às suas estratégias comerciais e seu acervo tecnológico. Digo mais: um fiscal pode até mesmo ocupar a cadeira do diretor e mandar ele arranjar o que fazer enquanto ele vasculha os documentos que precisa.

Hoje o estado se comporta como o sócio majoritário das empresas. No Pólo Industrial de Manaus, cada peça do Processo Produtivo Básico (PPB) precisa da anuência do governo para que a licença para a produção de um produto seja concedida. Nas fábricas de bebidas, medidores são instalados nas tubulações para registrar in loco a vazão e ali mesmo ser levantado o crédito tributário. Com a Substituição Tributária Progressiva, a propriedade privada deixou de vez de ser de seus donos, pois o estado já ordena a cadeia produtiva, estipula de antemão os preços das operações seguintes e cobra na fábrica os tributos tanto do fabricante quanto do atacadista e do varejista, como se eles fossem simples departamentos de um só negócio (claro, não sem razão: o negócio do governo).

No lado regulatório, comendo o mingau pelas bordas, de tal forma o estado foi tomando o lugar dos donos originais que literalmente hoje não há praticamente nada que possa estar sob a criatividade da livre iniciativa. As relações trabalhistas são definidas nos mínimos detalhes. Muitas vezes, as empresas são obrigadas a contratar só porque o estado lhes impõe este ônus. Na verdade, elas se amontoam de forma que às vezes, se se senta cumprir um artigo, descumpre-se outro: o empresário está enquadrado de qualquer jeito! Quer um exemplo? Tente organizar uma escala de serviço de turno ininterrupto de trabalho à risca da lei: simplesmente é impossível. Porém, não acaba aí: toda a contabilidade é definida pelo governo; o modo de comercializar também, assim como até regras para embalar, fazer propaganda e até receber!

Do lado das comunicações, a história é conhecida: o governo leva os louros e as empresas pagam a conta. Quando contratam mais gente, é o governo que se apresenta na tevê como o responsável pela criação de milhares de empregos, e por qualquer coisa que não vá indo bem, a culpa vai para os empresários gananciosos. A idéia de uma imprensa atuante é um sonho, desde que as tevês e rádios operam sob concessão pública. No sistema de ensino, a grade curricular é ensinada conforme os ditames estatais.

Tomemos um conservador ilustre. Será que assim podemos considerar o presidente Castelo Branco? Eu tenho uma profunda admiração por este grande brasileiro: foi primeiro lugar no Colégio Militar, na Academia, e em toda a carreira. Herói de guerra, homem de reputação ilibada, liderança indiscutível, cultura ímpar e coragem de sobra. Eu tenho certeza que debaixo de sua caneta toda esta turma de gays, abortistas e caçadores de crucifixos não teria vez. Porém, foi em seu governo que foi sancionado o Estatuto da Terra, e com ele, a sujeição da propriedade privada à estipulação de um índice de produtividade. Desde este dia não existe mais a propriedade rural privada, senão como uma concessão hoje sob os critérios discricionários do MST.

Eu apresento este exemplo para demonstrar como em geral os conservadores defendem a propriedade privada, mas o fazem amiúde sob considerações as mais das vezes meramente generalistas e perfunctórias. Não há um aprofundamento da questão, e por isto, ano após ano, fatias bem finas têm sido retiradas deste instituto que nasceu para nos proteger das garras do estado.

Se alguém perguntar a um conservador qual a sua receita para a economia, ele dirá que defende o..."liberalismo econômico", um conceito, claro, emprestado da doutrina liberal. E olhe que aqui estamos falando de conservadores vindos da tradição norte-americana; na Europa, o conservadorismo está ligado a um sistema que o filósofo Hans-Hermann Hoppe reputa como...socialista! O conservadorismo europeu, segundo o pensador alemão, consiste no sistema voltado para a proteção ao valor da propriedade, isto é, à proteção da propriedade dos atuais donos contra o ingresso de novos no mercado. Regulações, subsídios, quotas e produção sob prévia licença são seus principais instrumentos.

Há alguns meses atrás, eu enviei uma mensagem à CNA, explicando tim-tim por tim-tim como e porquê a propriedade privada deve ser considerada e defendida, e sugeri o fim do índice de produtividade, e parece que fui ouvido, pois este item constou da pauta de temas sob discussão daquela entidade. É o início, depois de quase cem anos de influência socialista.

Concluindo, eu francamente não pretendo injuriar os conservadores. De novo, repito, tenho como nobre a missão que cada um deles atribui a si mesmo. Apenas o que peço é que compreendam que os liberais também fazem a sua parte, atuando em uma frente por eles pouco guarnecida. Se o movimento revolucionário é multidisciplinar, porquê também nós, os seus oponentes, não devemos ser? Pois eu digo que devemos combatê-los com a máxima amplitude.




quinta-feira, 4 de março de 2010



A CAMPANHA DA FRATERNIDADE VISTA POR DOIS CATÓLICOS


Valter de Oliveira



Nosso amigo leitor já leu em nosso blog artigos de Aleksandro Clemente e Percival Puggina. O primeiro, bastante jovem, é um grande batalhador católico em defesa da vida. Conheço-o pessoalmente e espero que nossa jovem amizade cresça cada vez mais. O segundo é um veterano na defesa da fé, da liberdade e da democracia. Como ele mora no Rio Grande do Sul só tenho o prazer de ler seus artigos. Também o considero um amigo que gostaria de abraçar.

Para surpresa minha, ao ler seus artigos nesta semana, vi que abordaram a Campanha da Fraternidade de modo diferente. Aleksandro mostra o que vê de positivo. Puggina vê perigo no modo como a CNBB aborda o tema da economia e da justiça social. Terá razão? Leiam e tirem suas conclusões. Ou aguardem eventual resposta do Vaticano...





FRATERNIDADE, ECONOMIA E VIDA






Aleksandro Clemente


03/03/2010


Mais uma vez a Igreja brinda o povo brasileiro com uma importante reflexão. Nesta quaresma, tempo de penitência e conversão, a Campanha da Fraternidade (CF) aborda o tema: Economia e Vida, com o lema: "Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro" (Mt. 6,24). A campanha ressalta, mais uma vez, a importância de defendermos a vida e a dignidade do ser humano, bens que estão acima de todos os outros, inclusive dos bens materiais que por ventura o dinheiro possa comprar. Lembra-nos a palavra: "Cuidado! Guardai-vos de toda ganância; não é pelo fato de um homem ser rico que ele tem a vida garantida pelos seus bens" (Lucas 12,15).


A CF deste ano ensina que a economia deve ser orientada antes de tudo para o bem comum e que não se deve aceitar um modelo econômico que vise em primeiro lugar o lucro, sem se importar com as pessoas. Segundo os dados apresentados pela CNBB, chegaremos ainda este ano a 1,02 bilhões de pessoas passando fome (ONU); há no Brasil mais de 10 milhões de indigentes e mais de 40 milhões de pobres (IETS). Esses números mostram que a pobreza e a exclusão social atingiram índices intoleráveis e incompatíveis com a fraternidade cristã. Não é possível ao cristão ficar indiferente a essa situação que reforça a desigualdade e amplia o abismo existente entre ricos e pobres. O pior é saber que toda essa pobreza não é obra do acaso, mas o resultado de opções por modelos econômicos intrinsecamente injustos.


A Igreja lembra-nos que a sociedade precisa se guiar para a prática de uma economia de solidariedade, de cuidado com a criação e de valorização da vida como o bem mais precioso. Para isso é preciso investir na relação entre as pessoas; a economia deve estar a serviço do ser humano e deve-se dar oportunidades iguais para todos. Não por acaso a Campanha da Fraternidade desde ano é ecumênica, para conclamar todas as Igrejas, todas as religiões e a sociedade em geral para ações sociais e políticas que levem à implantação de um modelo econômico de solidariedade e justiça.


Ser rico não é pecado, desde que os bens tenham sido conquistados com honestidade. Mas a avareza e a indiferença para com o irmão necessitado são algumas das piores ofensas que se pode praticar contra Deus e contra o próprio homem.



Dr. Aleksandro Clemente é Advogado, Professor de Direito e Bioética em São Paulo. Pós-graduado em Direito pela Universidade Mackenzie e em Governo e Poder Legislativo pela UNESP. É membro da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB/SP e Coordenador da Comissão de Bioética e Defesa da Vida da Diocese de São Miguel Paulista

Blog: http://aleksandroclemente.blogspot.com

Msn: dr.aleksandro@hotmail.com

E-mail: aleksandroclemente@hotmail.com





ERROS DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE





Percival Puggina


Entristece-me o fato de a CNBB jamais esclarecer que ela não é a Igreja Católica. A CNBB é um ente burocrático, um órgão de apoio, de auxílio aos bispos. No entanto, o silêncio sobre sua verdadeira natureza faz com que, entendida como “a” Igreja Católica (algo infinitamente superior ao que a CNBB de fato é), ela se misture e nivele a outras organizações da sociedade (OAB, ABI, CUT, MST, etc. e tal). É uma pena.

A minha consternação se agrava, contudo, pela reiteração de certos equívocos que ficam bem nítidos na atual Campanha da Fraternidade. Um deles está na confusão entre os campos da Economia e da Política. Os documentos da CNBB são useiros e vezeiros em misturar essas duas esferas da atividade humana, atribuindo à primeira aquilo que é próprio da segunda. Como consequência, pretendem conferir aos agentes econômicos obrigações inerentes às instituições políticas. Trata-se de uma desatenção ao próprio pensamento católico, que reconhece a autonomia das duas esferas. De um sistema econômico se espera que produza, ao máximo de suas possibilidades, riqueza, desenvolvimento, postos de trabalho, tributos e renda, ou seja, condições materiais para a melhoria dos padrões de vida da sociedade. É o que pede a Campanha da Fraternidade de 2010? Não. Ela, enquanto aponta idolatrias e excessos que todos condenam, quer que o sistema econômico nacional, priorizando a partilha e a solidariedade, rejeite as exigências do mercado, do consumo e do lucro. E gere empregos e tributos com penitência e oração?

Toda consciência bem formada se revolta com as tragédias da pobreza material, feitas de analfabetismo, baixo nível educacional e cultural, más condições habitacionais e sanitárias, abandono dos aposentados. Feitas também por corrupção, esbanjamentos, mordomias, absurdos desníveis na remuneração do serviço público e maus governos. Não é com a superação desses embaraços que venceremos a miséria e os desníveis sociais? Pois é tudo campo da Política! Miséria e desníveis sociais são temas para os poderes públicos, que se apropriam de 40% do PIB nacional! As justas preocupações com partilha e solidariedade deveriam focar, principalmente, essa brutal ruptura com o Princípio da Subsidiariedade. É grave erro da Campanha não dizer que os problemas do Brasil são muito mais políticos do que econômicos. Muito mais institucionais do que empresariais. Bons governos, com boas políticas, enfrentam essas dificuldades valendo-se da competente operação do setor privado.

Outro erro, ainda, está na influência marxista que se derrama sobre boa parte dos documentos da CNBB. Neles, o pobre, o pobre do Evangelho, sob influxo da mais do que reprovada Teologia da Libertação (TL), vira excluído. E fica subentendido que o excluído está excluído porque o incluído não o quer dentro. Assim, o apelo evangélico à caridade se converte em luta de classe. E saiba leitor, que Bento XVI, ainda agora, no dia 5 de dezembro, olho no olho, advertiu os bispos brasileiros do Sul III e IV contra “os princípios enganadores da TL” e para “o perigo que comporta a assunção acrítica, feita por alguns teólogos, de teses e metodologias provenientes do marxismo, cujas sequelas mais ou menos visíveis, feitas de rebelião, divisão, dissenso, ofensa e anarquia fazem-se sentir ainda, criando, nas vossas comunidades diocesanas, grande sofrimento e grave perda de forças vivas”. Será preciso dizer mais?

ZERO HORA, 28/02/2010




CARTA À CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ


Percival Puggina

Senhores,

Na condição de fiel leigo, atuante em movimentos da nossa Igreja Católica, levo a essa nobre Congregação a minha inconformidade perante o que vem acontecendo na Conferência dos Bispos do Brasil. Os fatos não são estranhos ao conhecimento de Sua Santidade, o Papa Bento XVI. Falando aos bispos brasileiros do Sul III e IV, em visita ad limina, no dia 5 de Dezembro do ano passado, ele usou palavras muito claras ao adverti-los contra “os princípios enganadores da Teologia da Libertação” e para “o perigo que comporta a assunção acrítica, feita por alguns teólogos, de teses e metodologias provenientes do marxismo, cujas sequelas mais ou menos visíveis, feitas de rebelião, divisão, dissenso, ofensa e anarquia fazem-se sentir ainda, criando, nas vossas comunidades diocesanas, grande sofrimento e grave perda de forças vivas”.

Pois bem, nestes dias quaresmais, está em curso uma nova Campanha da Fraternidade, desta feita ecumênica, sob cujas sombras brilham citações evangélicas e sob cujas luzes se insinuam leituras marxistas da realidade social brasileira, afinadas com aquela reprovada subteologia.

Soma-se a tais distorções, na Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010, um profundo desconhecimento das autonomias inerentes a duas esferas da atividade humana – a da economia e a da política. Assumindo critérios de interpretação próprios do marxismo, ela busca atribuir à economia de mercado tarefas que são próprias da política – esta sim, responsável pelos principais fatores que dão causa à miséria e às profundas desigualdades sociais do nosso país: analfabetismo, baixo nível intelectual, péssimo sistema educacional, deficiências culturais, má distribuição de renda, políticas monetárias, desníveis salariais do setor público, apropriação de 40% do PIB nacional pelo Estado, corrupção, descontrole do gasto público, bem como mordomias, luxos e prodigalidades custeados com recursos dos contribuintes. Não, não é a economia de mercado que dá causa aos problemas sociais brasileiros. É da má política e da inadequação de nossas instituições que tais males derivam.

Muito conviria a essa Congregação conhecer o desconforto e a rejeição suscitada pela atual Campanha, que, de modo solerte, confunde idolatria com economia de mercado e recua em relação à Doutrina Social da Igreja quando propõe vagos modelos “alternativos” de organização da atividade econômica “que privilegiem a solidariedade e a partilha”, sem nada explicitar concretamente ou apontando para instrumentos consagrados há mais de um século (como o cooperativismo em harmonia com a economia de mercado) ou, ainda, para o retorno às fracassadas experiências do socialismo. E, por outro viés, silencia sobre a firme orientação que o Santo Padre João Paulo II explicitou com tanta clareza nos nºs 41 e 42 da Centesimus Annus.

É preciso atentar para a gravidade da situação. A totalidade da opinião pública e da imprensa brasileira confunde a CNBB com “a” Igreja. Quando alguém se manifesta nessa organização, seja o presidente, seja um assessor, as manchetes falam em manifestação “da” Igreja. A Campanha da Fraternidade é “da” Igreja. Seus temas e seus lemas também são vistos assim. Jamais, alguém da estrutura da organização faz a necessária distinção e esclarecimento, estimulando uma fusão e uma confusão que, ao que se infere, bem lhes convém.

Não bastasse furtar a riqueza espiritual da Quaresma para fazer dela um tempo de polêmica e radicalização política e ideológica, envolvendo o ano litúrgico em questões temporais e políticas desviadas da sã doutrina e da orientação pontifícia, a CNBB acaba de providenciar aos leigos brasileiros uma nova surpresa.

Periodicamente, a assessoria da instituição (o mesmo grupo de assessores que fornece a carne, os ossos, as cartilagens e o animus de seus documentos oficiais) emite “Análises de conjuntura”. São textos que, se despidos dos eventuais recursos ao léxico religioso, poderiam constituir editoriais do Granma. Vêm, é verdade, com a observação de que não constituem “opinião oficial da entidade”. Mas são acolhidas no site da CNBB, redigidas no seu estilo e pisam nas mesmas areias movediças por onde andam muitos de seus textos oficiais e oficiosos.

Agora, em plena efervescência das contestações à CFE de 2010, a mais recente “Análise de conjuntura” sugere, claramente, a continuidade do governo Lula, através da pessoa indicada por ele para o suceder, posto que a eleição do oposicionista José Serra representaria “o retorno da política neoliberal anteriormente efetivada por Fernando Henrique Cardoso, dialogando com os interesses do empresariado nacional e do capital internacional”.

O assunto trouxe a CNBB novamente ao noticiário, com ela arrastando “a” Igreja Católica para o torvelinho do debate político e para as matérias de opinião. Esse não é o campo próprio da Igreja. Mas, repita-se, o ingresso da CNBB e de suas pastorais nesse jogo, com tal fardamento ideológico, não é novidade na cena brasileira. A CNBB e a maior parte de suas pastorais, seus documentos oficiais e não oficiais, sempre serviram às partidas disputadas pelo Partido dos Trabalhadores e pelas organizações da sociedade por ele lideradas. Mudam a música, mas não a letra. A identificação é tanta que a imprensa brasileira surpreendeu-se quando a CNBB veio a público reprovar certos preceitos do decreto presidencial que instituiu o Plano Nacional de Direitos Humanos, nos últimos dias do ano passado. A coisa soou como arrufos entre parceiros.

É uma pena. E penso que esteja a demandar uma atitude da Santa Sé para coibir abusos e desvios que tumultuam a vida da Igreja em nosso país, espalhando entre os fiéis a rebelião, a divisão, o dissenso, a ofensa e anarquia tão precisamente apontadas por nosso querido pontífice Bento XVI. Os problemas criados “na” e “pela” CNBB só se resolverão com uma total remodelação das estruturas de sua burocracia funcional e com a substituição dos atuais assessores. Eles evidenciam ter com seus vínculos ideológicos um compromisso muito superior do que com as angústias pastorais das dioceses. E arrastam a imagem da Igreja por esses descaminhos.

Em união de fé e amor ao Cristo Redentor.


Percival Puggina
Arquiteto, empresário e escritor em Porto Alegre, Brasil.
E-mail: puggina@puggina.org