sexta-feira, 14 de agosto de 2020

O QUE É O "FAMIGERADO" MERCADO FINANCEIRO"?

 



Ontem Bolsonaro fez uma longa live sobre o tema do momento: teto de gastos.

Mostrou consciência de que se trata de aumento de endividamento, o que é bom. Mas (e sempre tem um 'mas'), mostrou também ignorância sobre um tema básico: como funciona o mercado financeiro.

Não vou culpá-lo. Afinal, trata-se de tema difícil, que a maioria dos brasileiros realmente desconhece. Claro, poderíamos dizer que do presidente da República se deve exigir que pelo menos tenha noções básicas de como funciona a economia. Afinal, são dele as decisões que, em última instância, influenciarão a vida de todos os brasileiros. Mas deixa prá lá. Aqui no meu humilde espaço, vou tentar explicar porque é uma imbecilidade pedir "patriotismo" para o mercado.

O que é o mercado financeiro? Se fizéssemos uma pesquisa com brasileiros comuns, leigos, a resposta seria provavelmente algo parecido com "os grandes bancos" ou "os especuladores" ou ainda "os operadores da bolsa". Estes são os personagens que encarnam essa entidade etérea chamada genericamente de "mercado financeiro".

Sim, o mercado é isso também. Mas é muito mais do que isso. Vamos nos ater apenas à questão da dívida pública, que é o que nos interessa aqui. Afinal, o teto de gastos só existe para controlar a dívida pública.

A dívida pública brasileira totalizou 4 trilhões, 389 bilhões e 940 milhões de reais no final de junho. Ou, R$ 4.389.940.000.000, em números redondos. Isso representa mais ou menos 85% do PIB. Devemos chegar no final do ano com uma dívida de aproximadamente 5 trilhões de reais.

Vira e mexe os partidos mais radicais de esquerda levantam a bandeira da "auditoria da dívida". Mas não tem segredo nenhum. Esta montanha de dinheiro não surgiu do nada. Foi fruto de um trabalho perseverante, em que necessidades muito nobres foram sendo empurradas para dentro do orçamento ao longo de décadas. Como diz o presidente em outro trecho de sua fala de ontem, é dinheiro "para a água no Nordeste, revitalização de rios, Minha Casa Minha Vida". É óbvio que nunca se pede mais dinheiro para pagar lagostas no STF ou para alimentar as emas do Alvorada, mas, por algum motivo ainda misterioso, este dinheiro de fim tão nobre acaba pagando por este tipo de coisa.

Mas meu ponto aqui é outro. Quem são os financiadores desta dívida? Afinal, se há um devedor, há também um credor. Aí é que entra o famigerado "mercado financeiro". Este seria o pérfido credor, aquele que pensa antes em si do que no país. Um anti-patriota, por assim dizer.

Vamos analisar a questão mais de perto. O Tesouro Nacional publica um relatório mensal em que divulga os detentores da dívida pública. Em junho, estes detentores eram os seguintes:


Previdência: 24,5%
Instituições Financeiras: 27,5%
Fundos de Investimento: 25,8%
Estrangeiros: 9,1%
Governo: 3,9%
Seguradoras: 3,9%
Outros: 5,4%

Observe que apenas 27,5% da dívida pública está nas mãos dos bancos. E, mesmo estes, não são "donos" desse dinheiro. O dinheiro que os bancos investem em títulos públicos pertencem aos depositantes e poupadores. O banco é apenas o intermediário entre o cliente e a dívida pública. Quando você deposita dinheiro na caderneta de poupança, ou compra CDB de um banco, este usa o dinheiro para emprestar para outras pessoas, inclusive para o governo.

O mesmo acontece com os Fundos de Investimento. Você aplica o seu rico dinheirinho em um fundo, e o fundo compra títulos públicos.

No caso da Previdência, os títulos públicos servem como lastro das aposentadorias a serem pagas. Os credores da dívida pública, neste caso, são os aposentados atuais e futuros.

Em resumo: os detentores da dívida pública somos todos nós que poupamos. A nossa poupança, de uma maneira ou de outra, acaba por financiar a dívida do governo. Ou seja, o mercado financeiro somos todos nós.

Esta noção é muito importante. O mercado financeiro, entendido de maneira estrita como o conjunto dos seus operadores, é apenas a ponta do iceberg. Os operadores do mercado são empregados daqueles que poupam e investem, e fazem o que estes desejam.

Tenho certeza que o presidente tem lá os seus investimentos. Será que ele seria patriota o suficiente para abrir mão de seus rendimentos? Ou, até melhor, doar o seu dinheiro para abater a dívida pública? Pois é disso que se trata. Os operadores do mercado são pagos pelos investidores para maximizar os ganhos e evitar perdas. Quando se diz que "o mercado não vai gostar disso ou daquilo", o que se quer dizer é que os operadores vão tentar proteger os seus clientes de perdas. E os clientes somos todos nós que investimos.

Portanto, nada contra fazer as coisas por patriotismo. Trata-se de um sentimento muito nobre. Só tome o cuidado de saber quem é o patriota que vai colocar a mão no bolso pelo país.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

POMBAL E O DESASTRE DA EDUCAÇÃO EM PORTUGAL

 




José Maria C.S. André

Férias! Dirijo pela estrada a caminho de uma atividade com estudantes universitários. Que gosto, encontrar aquela juventude entusiástica! Sonho também com algumas excursões através do campo, atravessando rios e montes. A tabuleta da estrada que anuncia «Pombal» distrai-me. Evoco mentalmente aquele homem estranho, diferente de tudo o que alguma vez tivemos em Portugal. Como foi possível?

Começou como um fidalgo sem ocupação, até saltar para a embaixada de Londres aos 40 anos, ser chamado para Secretario de Estado dos Negócios da Guerra e Estrangeiros aos 51 e começar, pouco depois, um mandato ininterrupto de Primeiro Ministro, que durou 27 anos. Ao fim de 9 anos, recebeu o título de Conde de Oeiras e terminou as funções senhor de uma imensa fortuna e com o título de Marquês de Pombal.

D. José, o Rei que o chamou para o Governo, sofria desequilíbrios que o afundavam em vícios e destemperos, ao mesmo tempo que alimentava loucuras de dominador absoluto. A história dos reis portugueses e da sua corte tem a marca dos cruzamentos endogâmicos, que produz feições disformes e personalidades imaturas, como aconteceu com este Rei. A frieza de Pombal ajustava-se perfeitamente aos seus planos, porque qualquer pretexto lhe servia para matar pessoas; às vezes, uma centena em cada leva; em muitos casos, por razões fúteis; tantas vezes, sem razão nenhuma, nem julgamento, apenas para manter o terror. Nunca existiu em Portugal tanta violência, nem tão sistemática, como instrumento de poder.

O absolutismo de D. José e do seu Primeiro Ministro apontava para o modelo de Inglaterra, em que o monarca era simultaneamente a autoridade religiosa, talvez com as variantes que o fenómeno tinha com Luís XIV, ou com o Josefismo na Áustria. Proibiam-se documentos pontifícios, nomeavam-se bispos à revelia do Papa, expulsava-se o Núncio, metiam-se na prisão, com maus tratos, os bispos fiéis a Roma e tudo isso culminou em 1759 com a abolição quase completa do sistema educativo português e a expulsão dos jesuítas. Na altura, havia 861 jesuítas em Portugal, que dirigiam a universidade de Évora, tinham uma presença importante na universidade de Coimbra, mantinham 20 colégios gratuitos, com milhares de alunos, e mais de 20 outras instituições de formação.

Pombal tinha apenas uns rudimentos de instrução formal, o que se notava nos decretos em que punha um empenho mais pessoal. Neste caso, as deficiências da redação contrastam com o arrojo do propósito. Exercendo violência contra os professores e deixando dezenas de milhares de alunos sem aulas, Pombal anunciava, a um país libertado, o triunfo da cultura e da ciência.

Parte da estratégia consistia em substituir a instrução gratuita, aberta a todo o povo, por uma instrução reservada aos nobres. Assim, dois anos depois de fechadas as escolas dos jesuítas, cria-se o Colégio dos Nobres. Como não encontrou quem os pudesse ensinar, o colégio só começou a funcionar 5 anos depois da fundação, porque foi preciso recrutar o corpo docente e os directores em Itália, e algumas matérias ainda começaram com maior atraso. Inaugurou-se com 24 crianças fidalgas, caprichosas e habituadas a bater nos criados. Os professores italianos aguentaram pouco e o colégio fechou.

As promessas de transformar a Universidade de Coimbra num grande centro de cultura e investigação também não tiveram êxito. Destruiu-se muito do que havia e, no primeiro ano de funcionamento das novas faculdades, em Matemática matricularam-se 8 estudantes, um morreu, 2 desistiram e 5 acabaram o curso. No segundo ano letivo, inscreveram-se 2 alunos, dos quais 1 desapareceu sem ter ido às aulas. Nos terceiro, quarto e quinto anos letivos não se matriculou ninguém. Em 5 anos de funcionamento, a faculdade de Filosofia teve ainda menos alunos, um total de 4.

Em 1759, Portugal expulsa os jesuítas. Em 1773, sob ameaça de cisma, o Papa Clemente XIV acedeu a suprimir a Companhia de Jesus. Em Lisboa, a vitória celebrou-se nas ruas e nos templos e as janelas enfeitaram-se com luzes, depois de o Governo ameaçar com graves penas quem não festejasse.

Graças a D. José e a Pombal, Portugal chegou ao final do século XVIII praticamente analfabeto. Com as leis de 1834, 1848 e 1851, que extinguiram as ordens religiosas e fecharam praticamente todas as escolas que restavam, o país manteve-se analfabeto até ao fim do século XIX. A República redobrou as proclamações de progresso, mas a perseguição à Igreja e as contínuas convulsões políticas não contribuíram para melhorar a situação. No Estado Novo, lentamente, demasiado lentamente, começou a recuperar-se, mas já vamos no século XXI e falta muito para alcançarmos os outros países da Europa.

Pombal, terra do profeta de um mundo novo, considerado por alguns como o modelo da democracia, ficou para trás na placa da estrada. Rezei por ele e pelo país que ele deixou, tão pobre e inculto, algumas vezes demasiado covarde. Um país, também, de gente esplêndida, a quem devo tanto.

Fonte: spedeus.blogspot.com  - 11 de agosto de 2020