quarta-feira, 4 de novembro de 2020

DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 15. DIREITO DE PROPRIEDADE E DIVISÃO DE BENS.

 


Valter de Oliveira

No artigo anterior sobre a gênese da propriedade falamos de importante princípio da DSI: a destinação universal dos bens. “Deus destinou os bens da terra a todos os homens, sem especificar destinatários, indivíduos, ou comunidades humanas.”

Daí surge a pergunta: “Se os bens se destinam a todos, não seria lógico que pertencessem a todos, isto é, à coletividade? (...) Não seria “uma contradição flagrante, afirmar e defender a apropriação particular dos bens cujo destino coletivo acabamos de provar?” (Van Gestel, 177).

Em palavras mais atuais: o destino universal dos bens não implicaria em defendermos a socialização da propriedade ou o regime comunista?

Desde jovem vi vários tipos de esquerdistas afirmando que são eles que entendem o verdadeiro espírito do Evangelho na questão da propriedade. Destacando falsa oposição entre o individual e o bem comum tendem a limitar fortemente a propriedade e a estimular teorias que tendam a aboli-la. Acrescento que neste sentido confundem as palavras individualidade e individualismo. Na verdade, fingem esquecer que a Igreja defende fortemente a primeira e rejeita a segunda, tão cara a certo liberalismo subjetivista. A individualidade está ligada à essência do homem já que, Deus fez de cada um de nós uma criatura única. É a unicidade do ser humano, conceito profundo, que nos ajuda a compreender como é o ser humano e como, a partir dele, devemos entender tanto questões econômicas quanto questões políticas, filosóficas e pedagógicas.


A interpretação progressista da Escritura

 

Ilustremos a questão lembrando aos amigos alguns pontos dos Atos dos Apóstolos: a divisão de bens entre os cristãos de Jerusalém e o episódio de Ananias e Safira.

Como sabemos os Atos narram o início da expansão cristã. O que diz sobre  a vida dos primeiros cristãos em Jerusalém?

Em Atos 2 temos a narrativa:

42. Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. 43. Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. 44. Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. 45.Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade.46. Todos os dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em casa e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, 47.louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos. (Atos 2:42-47)

 

Ou seja, os bens eram tidos em comum. Este é o ponto acentuado por pensadores socialistas ou comunistas para dizer que este deveria ser o ideal evangélico. E continuam seu “livre exame” afirmando que o episódio de Ananias e Safira, mostra como foi a ira de Deus, ao castiga-los por  serem individualistas e egoístas. Consideram-nos maus cristão que não quiseram ter espírito de partilha.

 

Na verdade,  o que aconteceu? Vejamos (o destaque em negrito é do blog):

"Atos dos Apóstolos, 5

1.      Um certo homem chamado Ananias, de comum acordo com sua mulher Safira, vendeu um campo 2.e, combinando com ela, reteve uma parte da quantia da venda. Levando apenas a outra parte, depositou-a aos pés dos apóstolos. 3.Pedro, porém, disse: “Ananias, por que tomou conta Satanás do teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e enganasses acerca do valor do campo? 4.Acaso não o podias conservar sem vendê-lo? E, depois de vendido, não podias livremente dispor dessa quantia? Por que imaginaste isso em teu coração? Não foi aos homens que mentiste, mas a Deus”. 5.Ao ouvir estas palavras, Ananias caiu morto. Apoderou-se grande terror de todos os que o ouviram. 6.Uns moços retiraram-no dali, levaram-no para fora e o enterraram. 7.Depois de umas três horas, entrou também sua mulher, nada sabendo do ocorrido. 8.Pedro perguntou-lhe: “Dize-me, mulher, foi por tanto que vendestes o vosso campo?”. Respondeu ela: “Sim, por esse preço”. 9.Replicou Pedro: “Por que combinastes para pôr à prova o Espírito do Senhor? Estão ali, à porta, os pés daqueles que sepultaram teu marido. Hão de levar-te também a ti”. 10.Imediatamente caiu aos seus pés e expirou. En­trando aqueles moços, acharam-na morta. Levaram-na para fora e a enterraram junto do seu marido. 11.Sobreveio grande pavor a toda a comunidade e a todos os que ouviram falar desse acontecimento.*" (Bíblia Católica Online).

Comentando



Como está claro no texto Ananias e Safira foram castigados (é falso que Deus nunca castiga) não porque não quiseram vender os bens e ter tudo em comum. S. Pedro é claro: Eles não estavam obrigados a vender o que tinham para partilhar com todos. E se vendessem, poderiam dispor livremente do dinheiro da venda. Pecaram por haver tentado enganar o Apóstolo dizendo que estavam dando tudo quando na verdade davam só uma parte. E o pior foi a mentira ao Espírito Santo!. 

E como terminou a tentativa de uma vida comunitária na pequena comunidade cristã em Jerusalém?  

Fracassou. Nada havia de errado no espirito de solidariedade e de amor entre eles, muito pelo contrário. A questão é que a realidade material é mais complexa. A partilha diminuiu o número dos que tinham bens, e que eram generosos com eles. Resultado: a pobreza começou a aumentar, e não diminuir. A comunidade de Jerusalém teve que ser socorrida pelos apóstolos, através de donativos enviados por outras comunidades cristãs.

Deus ensina. A realidade também.