domingo, 23 de novembro de 2008





POLÍTICA E ELEIÇÕES:
A MANIPULAÇÃO DA ÉTICA


Valter de Oliveira


O motivo que me faz escrever esta breve análise sobre alguns aspectos da política partidária brasileira é a necessidade de mostrar como o tema ética na política tem sido abordado de modo completamente equivocado pela nossa mídia. Equívoco ainda mais preocupante quando vemos pessoas de alto nível moral e intelectual serem enredados nas teias de uma falsa ética. Explico-me.

No final do século passado amplos setores da sociedade brasileira estavam cansados de corrupção política. Para muitos, a vitória do PSDB após o sucesso do plano Real, representava a esperança de uma nova forma de fazer política. Houve melhoras em alguns pontos, sem dúvida, mas longe do que era desejável. Para piorar, FHC não usou seu segundo mandato para fazer as reformas há tanto tempo prometidas. Vários erros de seu governo, e a crise internacional, contribuíram para que o eleitorado passasse a ver esperança em outra seara.

Esperta, a esquerda brasileira havia levantado com força a questão da ética na política. Se o governo, por exemplo, socorria o sistema financeiro, o PT e seus aliados bradavam: “É legal, mas não é moral”. Diziam que era Robin Hood às avessas. Tirava-se do povo para ajudar os ricos. O canto da sereia foi parecendo cada vez mais simpático.

Em 2002 o PT foi ficando mais afável e atraiu antigos adversários. Cresceu o discurso da ética na política. Os marqueteiros foram chamados – e regiamente pagos – para dar os retoques necessários. Ajeitaram a barba de Lula, enfiaram-no em ternos com cortes mais distintos, descoloriram um pouco a bandeira vermelha, acenaram com mil esperanças para os pobres. Os empresários foram sendo cooptados. A classe média, cansada dos desmandos da “direita” (?), sucumbiu. Estava na hora de entregar o País para quem iria gerir com honestidade a “coisa pública”. Assim, muitíssimos brasileiros, (1), que nada têm de socialistas, resolveram dar uma chancezinha ao PT! E Lula venceu as eleições de 2002.
E depois?

Depois, as camadas mais pobres se sentiram amparadas. Tudo parecia melhorar. Lula parecia o rei Midas: tudo o que tocava virava ouro. E a mídia propagava suas proezas. Até que começaram os escândalos. Um, dois, cem, uma infinidade. Cada vez mais o PT se afundava neles. E o presidente nada sabia... Um professor de Harvard indignou-se contra o mar de lama. Afirmou que era o governo mais corrupto do governo republicano. Exigiu impeachment! Hoje é ministro do governo Lula...Sem constrangimentos...(2)

Após longo e tenebroso inverno a classe média começou a acordar. E, graças a Deus, o povo também. Mas continua de pé a pergunta: Por que até mesmo a classe média, que teóricamente tem mais meios e informações para não cair nas garras da mídia gramsciana, foi tão habilmente enganada?

Na verdade tudo acontece porque, como dissemos no início, deixamo-nos enganar por um conceito errado do que é ética.

Ética é só honestidade financeira?

A grande mentira que nos estão impingindo é que político ético é o que não rouba. Alguns “roubavam, mas faziam”. Com o governo Lula teria chegado o tempo de fazer sem roubar. Como se isso bastasse para termos um governo ético. Aliás, até mesmo a honestidade não pecuniária ficou em segundo plano. Não tem importância a aliança política com todos aqueles que, anos antes, eram tidos como corruptos, imorais, inimigos do povo, lacaios do FMI, etc, etc. Menos ainda o que se prometeu durante anos: não ao pagamento da dívida externa, auditoria dos empréstimos internacionais, possibilidade de salário mínimo acima de R$ 600,00 (ou até mais) desde que houvesse vontade política, etc. Tudo isso foi colocado de lado. A nova oligarquia sindical aliava-se à oligarquia dos coronéis. O fisiologismo cresceu como nunca. Coerência não faz parte dessa estranha ética.

Pior foi constatar, ao conversar com alunos e amigos, que muitos não tinham percebido os males dessa ética reducionista. Tanto em aula quanto em conversas lembrei alguns pontos:

1. Se prestarmos atenção veremos que nenhum de nós, no dia a dia, temos um conceito tão simplista da conduta moral de uma pessoa. Ninguém diz: “Meu vizinho é um homem admirável: é bom empresário, trata com dignidade seus funcionários, paga seus impostos, respeita o consumidor. É verdade que espanca violentamente o filho de dois anos e trai a esposa... mas é profundamente ético!”.

2. Robespierre tinha a reputação de incorruptível, o que não o impediu de dirigir a fase mais sanguinária da Revolução Francesa: o Terror. Nossos livros didáticos mostram-se encantados com os aspectos positivos do governo jacobino: abolição da escravidão nas colônias, fim de privilégios feudais, tabelamento de preços, laicização do Estado. Que belos democratas! Que importa que milhares foram condenados à guilhotina, que no altar de Notre Dame se colocou uma prostituta nua simbolizando a liberdade, que em Paris só se podia produzir o pão da igualdade, que....

3. Ainda nesta linha de raciocínio gostaria de relembrar um anúncio feito pela FSP, se não me engano no final dos anos 90, no qual o jornal queria mostrar seu compromisso de informar inteira e honestamente seu leitor. Começava sem imagem, só se ouvia a voz de um locutor:

- “Ele acabou com a inflação no seu país”!
- “Ele acabou com o desemprego”!
- “A economia voltou a crescer!”
- “O povo voltou a sentir orgulho de sua pátria!”
- “Ele... (e aí aparecia uma foto de Hitler)

E a conclusão do anúncio:

-“Você pode mentir dizendo só a verdade!”

Encerrei esta parte comentando com meus alunos que se eu vivesse na Alemanha no início dos anos 30 teria muita dificuldade em alertar a muitos do perigo nazista. Este era um partido trabalhista, que se dizia preocupado com o bem-estar do trabalhador e com as injustiças sociais. Prometia também o fim do caos capitalista, emprego para todos, não ao Tratado de Versalhes e tantos outros males. E claro, um reino glorioso de mil anos! . Como lembrar a meus compatriotas que deveriam ler o que Hitler escrevera no “Mein Kampf”? Ali estava prenunciado todos os horrores do nazismo. Não deveríamos levar as palavras do führer a sério?

Na época muitos foram ingênuos. Desde o homem comum na Alemanha até Chamberlain na Conferência de Munique. O primeiro teve muito menos responsabilidade. É o homem que cuida de sua família, preocupado com seu trabalho, normalmente distante de debates e estudos políticos e filosóficos. O segundo, movido por um falso idealismo, querendo a paz a todo custo, não soube ver com quem negociava. Voltou de Munique acreditando que obtivera a paz para o mundo. Em Londres, ao saber do teor do Tratado, Churchill então deputado no Parlamento, exclamou: “Tínheis que escolher entre a vergonha e a guerra, escolhestes a vergonha e tereis a guerra”.


Qual ética?

Quando o político fala em ética ele, em geral, procura passar a imagem que sabe que o público quer ouvir. A ética do povo em geral é a do senso comum, conforme a cultura do país. Em nosso caso a população considera ético o que é ainda, em vários pontos, conforme valores e condutas baseados em princípios do cristianismo e do direito natural. Já o político utiliza a ética de Maquiavel temperada com outras filosofias:, positivismo, pragmatismo, marxismo, até mesmo liberalismo e, pasmem, a escolástica de S. Tomás.(3) Portanto, em geral, ao falar em ética, ele não está dizendo absolutamente nada. Se quisermos saber o que realmente ele pensa temos que apelar para outras informações além daquelas transmitidas pela mídia. O programa do Partido pode ajudar. Pelo menos nos casos dos partidos mais ideológicos como é o caso do PT e de outros de esquerda mais radical. Só conhecendo mais profundamente as idéias e o comportamento dos políticos e dos partidos é que poderemos dizer se eles são ou não éticos. E nós também deveríamos saber que ética estamos usando ao julgá-los.

Bem, já me alonguei demais. Falta explicar o que Marx, Lênin e companhia Ltda consideram ser ético ou moral. Eles não escondem. Está nos escritos deles. E mais ainda na prática. É tema para outro artigo. Para o qual conto com sua imensa paciência.


(1) Após as eleições fiquei surpreso ao saber que vários amigos, inclusive bons católicos, haviam votado no PT. Razão: acreditavam que o PT era um partido mais ético!

(2) O professor é Mangabeira Unger que chegou a dar aulas para Obama. Hoje é ministro Extraordinário de Ações Estratégicas..Para não cansa-los coloco suas palavras no blog outro dia.

(3) É o caso do MST e dos ideólogos das CEBs que deturpam o conceito de S. Tomás sobre a propriedade.