domingo, 28 de fevereiro de 2021

O DISCURSO DE DAMARES NA ONU

Valter de Oliveira



O que ela disse.

O que os jornais disseram...

 

Dia 22 de fevereiro p.p.  a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos defendeu a posição do Brasil diante de vários problemas que causam preocupação em todo o mundo.

Claro está que um ministro que fala por seu país procura dar sua versão dos fatos e do que está realizando. Pode fazer um discurso perfeito. Também pode dourar a pílula. Pode exagerar ou fazer omissões. O bom jornalismo daria clara ideia do que foi falado por nossa representante. A partir daí poderia ser feita uma análise crítica do que foi dito. Nada mais justo e democrático.

Já o mau jornalismo pinça dois ou três pontos e os expõem de modo a provocar antipatia no leitor em relação ao governo.

Eis a manchete da Globo: “Damares defende na ONU “vida desde a concepção” contrariando legislação brasileira sobre aborto”.

É o caso de perguntar ao jornalista e ao editor:

1.    É proibido a um governo ou a um cidadão que critique abertamente certas  leis existentes em um país?

2.    Tal crítica é conforme à democracia?

3.    Governos democráticos não procuram eliminar leis injustas? Não procuram melhorar as boas?

4.    Se uma lei fere direitos humanos deve permanecer só porque é lei? Passam a ser cláusulas pétreas?

Agora vamos ver um pouco mais do que foi dito pelo Globo

“A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, reiterou internacionalmente a posição do governo do presidente Jair Bolsonaro contra o direito ao aborto. Em pronunciamento online feito nesta segunda-feira (22), na 46ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Damares disse que o Brasil continuará "firme" na defesa "da vida a partir da concepção"

A seguir o jornal tira suas conclusões da fala do governo em defesa da vida:

“A fala reforça ao mundo a posição do governo de extrema-direita do Brasil e de movimentos religiosos fundamentalistas que usam o conceito de "vida a partir da concepção" para perseguir o direito ao aborto, mesmo nos casos já previstos em lei”

Aqui, seguindo a narrativa da esquerda internacional, o Globo considera que eu, você e o Papa Francisco somos de extrema direita e fundamentalistas. Extremistas que ousam se opor a uma lei abortista ou a uma decisão abstrusa do STF...


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Que jornalismo!

A partir daí o Globo deixa de noticiar e passa a procurar justificar o aborto. Diz ele:

“No Brasil, o Código Penal de 1940 permite o aborto nos casos de gravidez decorrente de estupro ou se a mulher correr risco de morte. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o aborto em caso de anencefalia fetal”.

Depois de dar números de abortos infantis no Brasil o jornal volta ao discurso da ministra:

“Em seu discurso,  Damares Alves também defendeu as iniciativas tomadas pelo governo para a proteção dos direitos humanos dos brasileiros durante a pandemia. Apesar da ONU classificar o aumento nos casos de violência contra a mulher ocorrido em todo o mundo de "pandemia das sombras", a ministra limitou-se a dizer que, em 2020, o governo brasileiro executou "o maior orçamento para a área dos últimos cinco anos, com investimento cinco vezes maior do que o de 2018". Ela não mostrou os números”.

Aqui o Globo afunda ainda mais. Ele poderia ter citado frases da ministra contra o feminicídio, o assédio sexual, etc. Simplesmente omitiu...

 

E o grupo Folha, o que disse?

 

Eis uma manchete da Folha-Uol:

“Na ONU, Brasil faz discurso descolado do resto do mundo”

“Participação de Damares e Ernesto mostra como a postura retrógrada do Itamaraty afastou o país dos desafios internacionais mais urgentes”.

Lembremos que o aborto é o maior genocídio praticado em todo o mundo. Para a Folha não tem importância. Não é urgente cessar a matança de inocentes....

São apenas exemplos que mostram porque a grande mídia a cada dia perde mais credibilidade.

Fontes:

https://oglobo.globo.com/celina/damares-alves-defende-na-onu-vida-desde-concepcao-24893064

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/02/na-onu-brasil-faz-discurso-descolado-do-resto-do-mundo.shtml

 

 


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

A LIBERDADE NA DEMOCRACIA

 

Decidi postar em meu blog e não no FB texto escrito por Marcelo Guterman. Merece estar em um local em que possa ser mais facilmente visto  quando desejarmos. 


"Ontem escrevi sobre os jogos de poder envolvidos na prisão do deputado Daniel Silveira. Hoje, depois de pensar e organizar um pouco o tema na minha cabeça, vou escrever sobre o assunto em si: a questão da liberdade de expressão.
Começarei por um tema absolutamente estranho ao assunto que trataremos: o aborto. É interessante como, neste tema, os papéis se invertem: os conservadores, sempre tão ciosos em relação ao tema “liberdades individuais”, defendem um regramento do Estado para cercear a liberdade da mulher. E os progressistas, sempre prontos a estabelecer regras de comportamento, defendem com unhas e dentes a opção livre da mulher.
Vamos analisar a coisa do ponto de vista do conservadorismo, que é o que nos interessa neste momento. Por que, afinal, no caso do aborto, se quer proibir a mulher de fazer uma opção livre? Simples: porque, neste caso, há um terceiro envolvido, o feto. O debate sobre o aborto passa pela desagradável discussão sobre a natureza humana do feto. Os progressistas normalmente não querem saber sobre essa discussão. A liberdade da mulher vem antes.
Ernesto Araújo chegou a afirmar que preferiria ser pária entre as nações por defender a liberdade. No entanto, no caso do aborto, tenho certeza que o nosso chanceler defende uma “limitação” na liberdade da mulher. Porque, afinal, a minha liberdade termina onde começa a do outro. E, neste caso, há um outro envolvido.
Não existe liberdade absoluta. Não existe liberdade de expressão absoluta. Assim como no caso do aborto, é preciso analisar se o exercício daquela liberdade constitui um crime. Temos liberdade para fazer o bem, não para fazer o mal. Portanto, não há como escapar da análise da fala do deputado, por mais que essa análise seja espinhosa.
Os deputados, vez por outra, a depender do seu nível de educação, chamam uns aos outros de canalhas, bandidos, corruptos. Coisas que podem gerar, inclusive, processos por injúria. Por que, então, neste caso específico, o deputado foi preso, enquanto, nos outros casos, há todo um processo antes? Não vou entrar aqui na tecnicalidade do flagrante, se o delito é contínuo ou não, enfim, se há elementos para a prisão em flagrante. Não é minha praia. Vou me concentrar na fala em si.
Para essa análise, é interessante observar os trechos destacados por Alexandre de Moraes em sua ordem de prisão (...). Não foram destacadas injúrias como o tamanho do bilau do Fachin ou as preferências sexuais do Barroso. Há dois tipos de falas destacadas: 1) ameaças, veladas ou não, à integridade física dos magistrados e 2) ameaças, veladas ou não, à integridade do STF e do próprio Congresso.
A coisa foi, portanto, além da injúria pessoal. As falas do deputado, se transformadas em realidade, significariam o fim das atuais instituições democráticas e sua substituição por uma “ditadura do bem”. Alguém já disse que o melhor regime de governo é uma ditadura que concorde comigo. O segundo melhor, ou o menos pior, é essa democracia que temos, com todos os seus evidentes defeitos. E o terceiro pior é uma ditadura com a qual não concordamos.
Daniel Silveira, na prática, usa sua liberdade de expressão para defender um regime político que, uma vez instalado, a primeira coisa que faz é acabar com a liberdade de expressão. Trata-se de uma contradição em termos. O regime democrático, em qualquer país, restringirá esse tipo de discurso sem medo de ser feliz. Injúria e difamação não atentam contra o regime. Discursos pelo fechamento do STF e do Congresso, sim. Por isso, entenderam os magistrados que o deputado, no mínimo, merecia uma prisão preventiva (figura prevista em nosso código penal, diga-se de passagem) mesmo antes do julgamento.
Termino com uma pequena digressão. Há quem diga que palavras, por pior que sejam, não têm o poder de criar realidades. Talk is cheap, dizem os americanos. Não é verdade. Os grandes líderes, aqueles que moveram seus povos em uma determinada direção, o fizeram através de suas palavras. Não é à toa que são famosos os discursos de Lincoln, Churchill e Hitler. Uma revolução começa no mundo das ideias, e se torna realidade através das palavras.
“Se pomos um freio na boca do cavalo para que nos obedeça, conseguimos controlar o seu corpo todo. Reparai também nos navios: por maiores que sejam, e impelidos por ventos impetuosos, são, entretanto, conduzidos por um pequeníssimo leme, na direção que o timoneiro deseja. Assim também a língua, embora seja um membro pequeno, se gloria de grandes coisas. Comparai o tamanho da chama com o da floresta que ela incendeia! Ora, também a língua é um fogo! É o universo da malícia! Está entre os nossos membros contaminando o corpo todo e pondo em chamas a roda da vida, sendo ela mesma inflamada pelo inferno!” (Tiago 3, 2-6)"

Extraído do FB do autor em 18 de fevereiro de 2021