segunda-feira, 27 de julho de 2009



O artigo abaixo, escrito por Armando Valladares (1), é um brado em defesa de Honduras.

Brado que precisa ser ouvido no momento em que os defensores do chamado socialismo bolivariano e seus aliados, com a ajuda conivente e manipuladora de importantes setores da grande mídia, querem reinstalar no poder um presidente que desrespeitou sistematicamente as leis hondurenhas. E que, como cita o artigo, podem promover no pequeno país um banho de sangue.


KERENSKISMO OBAMISTA, HERÓICA HONDURAS E ABISMO CHAVISTA


Assim como o presidente Eduardo Frei Montalva passou à História como o Kerensky(2) chileno, por pavimentar o caminho para o socialista Allende, o presidente Obama corre o risco de passar para a história como o kerenski das Américas por empurrar Honduras ao abismo chavista.


Armando Valladares




Quando ocorreu a destituição do presidente hondurenho Zelaya, por ordem da Suprema Corte desse país, e com o apoio majoritário do Congresso, Honduras caminhava a passos largos para uma ditadura chavista, passando por cima da Constituição e das leis. Além disso o mais alto órgão judiciário de Honduras, vinha advertindo sobre o risco chavista as mais importantes figuras políticas e religiosas de destaque em Honduras.

Apesar disso, nem o presidente Obama; nem o secretário geral da OEA, o socialista chileno Insulza; nem o “moderado” presidente do Brasil, Lula da Silva; e nem sequer, que nos conste, nenhum outro presidente disse uma palavra a respeito. Se alegava a autodeterminação, a necessidade do diálogo, do respeito aos processos políticos internos, etc.

Todas essas personalidades políticas tiveram, recentemente, oportunidades de falar em favor da liberdade de Honduras. Menciono as duas mais notórias.

A primeira delas foi a “Cúpula das Américas”, em Trinidad Tobago, próximo a Honduras, na qual o presidente Obama, com seu estilo neokerenskista, se desfez em sorrisos com o presidente ditador Chaves, flertou com o próprio Zelaya e com outros presidentes populistas indigenistas como o equatoriano Correia e o boliviano Morales, prestigiou o “moderado” Lula e anunciou que estava disposto a dialogar, e a estabelecer um “novo começo” com a sanguinária ditadura castrista.

A segunda delas foi a Assembléia geral da OEA, por uma ironia da História realizada na própria Honduras, na qual, com a aprovação do governo Obama, se absolveu a ditadura castrista e lhe abriram as portas para poder retornar ao referido organismo internacional.

Diante de seus próprios olhos, os chanceleres dos governos das Américas puderam sentir e ver a grave situação interna de Honduras, mas preferiram lavar as mãos como Pilatos.

Quando houve a destituição do presidente Zelaya, ordenada pela Suprema Corte, com base em preceitos constitucionais que impedem que um presidente tente reeleger-se, os “moderados úteis” da História contemporânea, ergueram-se com um verdadeiro açodamento contra um pequeno país que decidiu resistir a essas pressões. Um pequeno país que se agigantou espiritualmente, inspirado na expressão de S. Paulo, esperando “contra toda a esperança” humana, mas esperando tudo da parte da Providência, fazendo recordar, àqueles que vêem com apreensão o drama hondurenho, a figura bíblica de Davi contra Golias.

Nos momentos em que escrevo estas linhas, o destituído presidente Zelaya ameaça retornar a Honduras, com o que, segundo advertência do Cardeal desse país, se tornará responsável pelo sangue fratricida que possa correr. Diante da resistência hondurenha, até o presidente ditador Chavez olha para o presidente Obama e espera que este quebre as resistências hondurenhas à chavização do país. Também nos momentos em que escrevo estas linhas, se difunde a notícia de que a secretária de Estado Hillary Clinton acaba de chamar o presidente interino de Honduras, e correm versões que lhe havia dado uma espécie de ultimato. A mesma secretária Clinton que, em Honduras, na recente reunião da OEA, aprovou a absolvição da sanguinária ditadura castrista; a mesma que, junto com o presidente Obama, está disposta a dialogar com o governo pró-terrorista iraniano, abre seus braços para os comunistas cubanos, se reúne e ri com o presidente ditador Chavez, fechou as portas à delegação civil hondurenha que chegou a Washington simplesmente para explicar sua versão dos fatos. São dois pesos e duas medidas, de uma injustiça, uma hipocrisia e uma arbitrariedade que clamam aos Céus.

Como já foi dito, o Cardeal de Honduras advertiu o deposto presidente Zelaya que será responsável pelo banho de sangue que possa ocorrer se forçar seu regresso ao país.

De minha parte, na condição de ex-preso político cubano por 22 anos nas masmorras castristas, na minha condição de embaixador estadunidense diante da Comissão de Direitos Humanos da ONU por muitos anos, e enquanto simples cidadão das Américas, tenho a certeza de que, assim como o presidente Eduardo Frei Montalva passou à história como o Kerenski chileno, por preparar o caminho para o socialista Allende, o presidente Obama corre o risco de passar para a história como o Kerenski das Américas caso contribua para empurrar Honduras ao abismo chavista.




(Nota importante: não somente se permite, mas que se solicita encarecidamente, e até se implora, a multiplicação desta mensagem, especialmente aos hondurenhos e aos meios de comunicação do mundo inteiro, em um momento crucial em que horas, minutos e até segundos, podem ser decisivos para evitar que Honduras caia no abismo chavista, empurrada pelo kerenkismo obamista)

E-mail: armandovalladares2006@yahoo.es

Tradução: Valter de Oliveira

NOTAS

1. Reproduzimos para nossos amigos leitores algumas informações sobre Valladares que constam na contra-capa de seu livro “Contra toda a esperança”

“Armando Valladares passou 22 anos nas desumanas prisões políticas de Fidel Castro, unicamente por expressar suas idéias contrárias ao marxismo-leninismo.

Preso rebelde, de profundas convicções cristãs e democráticas, negou-se aos planos de “reabilitação” do regime comunista. Isto desencadeou sobre ele represálias brutais, prisão solitária e torturas. Sua família sofreu perseguições.

Negaram-lhe alimento durante 46 dias, na tentativa de quebrar sua resistência. Como conseqüência, teve de permanecer 8 anos em cadeira de rodas.

A “Anistia Internacional” adotou-o como “prisioneiro de consciência”. Governantes, intelectuais e a imprensa de todo o mundo ocidental exigiram sua libertação. Finalmente, em 1982, o presidente francês François Miterrand, conseguiu de Fidel Castro a liberdade do poeta Armando Valladares”.

VALLADARES, Armando, “Contra toda a esperança”, edição condensada, Editora Intermundo, São Paulo, 1986.


2. Em fevereiro de 1917 ocorreu na Rússia uma revolução que culminou com a abdicação do czar Nicolau II e a derrubada da autocracia. Surgiu, então, um governo considerado liberal e democrático. Em julho, ascendeu ao poder Alexandre Kerensky que, conforme vários historiadores, com sua fraqueza diante dos revolucionários contribuiu para a vitória da revolução de outubro que levou os marxistas leninistas ao poder.

sábado, 18 de julho de 2009

MAURO CHAVES, A ENCÍCLICA "CARITAS IN VERITATE" E UM RETRATO DO BRASIL


Valter de Oliveira


Tinha pensado em dar alguns exemplos da grave crise ética que assola o mundo contemporâneo. Pensei na última encíclica do Papa. Como comentar alguns de seus conceitos de modo a não dar a impressão que são coisas muito abstratas, sem ligação com o nosso dia-a-dia? Imaginei alguns exemplos. Foi então que, antes de iniciar meu artigo, resolvi dar uma olhada no “O Estado de São Paulo” de hoje (18/07/2009). E ali, logo na página 2, encontrei o artigo de Mauro Chaves. Artigo no qual o valoroso jornalista, de modo claro e inteligente, mostra todo o mal que a ausência de valores morais provoca em nosso país. Exatamente na linha do que pretendíamos fazer. Só que sem o talento do autor...

Mauro Chaves simplesmente nos mostra a grave falha moral da irresponsabilidade humana. É confrangedor ver pessoas que não reconhecem os próprios erros. Pior ainda vê-los transferir a própria culpa para os outros. É um pecado contra a verdade. Não é pouca coisa.

O artigo põe o dedo em muitas chagas: empresas particulares, órgãos governamentais, poderes da República, o próprio Estado. E com toda a razão.

Notemos que todos os criticados, quando se pronunciam, apresentam-se como grandes defensores da cidadania e do desenvolvimento. Palavras, somente palavras.

Sucede que o desenvolvimento que defendem nada tem a ver com o que nos ensina a Doutrina Social da Igreja. Este só é verdadeiro quando é alicerçado no bem comum, na justiça, na responsabilidade, na caridade, na verdade. O falso, o dos relativistas, não passa do interesse nefasto das oligarquias contemporâneas. Nacionais e Internacionais.

Parabéns Mauro Chaves! Seu artigo denuncia esses males com maestria. E por isso, com grande satisfação, o reproduzimos em nosso blog.



TERCEIRIZAÇÃO DAS CULPAS


Mauro Chaves


Nos últimos tempos tem-se observado no Brasil uma verdadeira revolução ética: é a terceirização das culpas, fruto da criatividade comportamental brasileira. Já houve tempo em que as pessoas tinham muita vergonha quando se desconfiava delas e até podiam cometer gestos tresloucados (como o suicídio de um presidente da República) quando se lhes atribuía culpa pelo "mar de lama" à sua volta. Hoje em dia, não só ninguém assume (de graça) responsabilidade alguma pelos atos dos outros - mesmo que estes sejam seus notórios apadrinhados, agregados ou apaniguados -, como, ao contrário, jogam-se todas as culpas próprias nos ombros do próximo, especialmente se subordinado. É que se erradicou do território nacional a velha praga do "sentimento de culpa" (antes só interrompida nos dias de carnaval) que os velhos psicanalistas consideravam fonte de depressão e infelicidade.

Para muitos esse incômodo sentimento não passava de um obsoleto subproduto do maniqueísmo religioso - mas aí a questão é controversa, embora, de fato, o antigo medo do inferno tenha praticamente desaparecido. O que mais importa reter, no entanto, é a formidável descoberta da possibilidade de se terceirizarem as culpas, jogando para os outros todas as consequências negativas dos próprios atos. Rompeu-se aqui o clássico princípio ético-jurídico da individuação das responsabilidades, criando-se um sistema de liberação psíquica capaz de gerar conforto psicológico. É verdade que essa terceirização também resulta em quebra de valores morais, que tem por consequência a impunidade. Mas tudo na vida tem seu custo.

A terceirização das culpas se manifesta de várias formas na sociedade brasileira. Por exemplo, no campo da prestação dos serviços públicos, como os de eletricidade e telefonia, nas transações, como as bancárias, em tudo o que envolva a utilização de sinais de comunicação eletrônica ou diga respeito a procedimentos informatizados, ninguém mais tem culpa quando "cai o sistema". A culpa, pois, é sempre do "sistema", que ninguém sabe ao certo onde está, de onde vem e muito menos por que "caiu". O sinal de "banda larga", quando interrompido por dezenas de horas, causando incalculáveis prejuízos às pessoas que dele dependem (hoje crucialmente), propicia, no máximo, um afrontoso ressarcimento indenizatório de dois ou três reais (quando não de apenas alguns centavos).

Quando uma rede de lojas vende um produto eletrônico que deixa de funcionar no outro dia, ao infeliz freguês que o comprou - e tinha urgência em utilizá-lo - só resta tentar entender-se (geralmente em vão) com uma firma de "assistência técnica" de que jamais ouviu falar, de nada adiantando reclamar aos Procons da vida - embustes instituídos mais para desarmar do que para proteger os consumidores. É que a loja vendedora terceiriza a culpa pelos produtos estragados que vende, assim como inúmeros setores do comércio, da indústria e de serviços deixam de assumir a responsabilidade pelo que venderam, fabricaram ou prestaram, repassando-a a terceiros que não venderam, não fabricaram nem prestaram coisa alguma ao coitado do comprador.

É no espaço público-político, no entanto, que a terceirização das culpas se institucionalizou mais plenamente, em especial nos últimos tempos. Quando um chefe de Estado e governo afirma, com ênfase e convicção - dando até a incrível impressão de estar acreditando no que diz -, que não tinha conhecimento algum dos cambalachos, maracutaias e falcatruas, articulados e executados na antessala de seu próprio gabinete, há aí uma terceirização de culpa elevada a nível institucional. É bem verdade que na terceirização das culpas, especialmente em alto nível governamental, costuma ser escolhido a dedo, como absorvedor (de todas essas culpas), alguém de grande qualificação.

Na questão do mensalão, por exemplo, foi escolhido o ex-ministro mais forte, (1) que se tornou o único cassado - além do denunciador -, como se só ele tivesse realizado todas as operações ilícitas visando à conquista da base parlamentar. Para pagar essa terceirização de culpa se ofereceu a ele a condição de intermediar grandes negócios com o governo, por meio da participação, em grande estilo, no jet set internacional. Quer dizer, uma cassação que se tornou altamente rentável. É até possível prever que terceirizações de culpa tão prósperas como essa estimulem a criação de uma nova profissão, a de culpado profissional particular - personal guilty -, contratado por gabinetes políticos com alta remuneração e o baixo risco correspondente ao grau de punibilidade vigente no País.

Quando o presidente de um dos Poderes da República (2) afirma ignorar a existência de atos secretos assinados por um apadrinhado seu, durante longos anos, assim como o valor de depósitos de dinheiro irregular efetuados em sua própria conta corrente, e também os desvios de dinheiro público realizados por fundação com seu próprio nome, da qual é presidente vitalício e responsável financeiro estatutário, e que também ignora as nomeações (secretas), para a instituição que preside, de seus próprios parentes, assim como desconhece o tráfico de influência praticado nessa instituição por seus próprios descendentes, nesse caso as culpas foram terceirizadas para todo um Poder de Estado, tornando-o institucionalmente degradado - a ponto de ser ridicularizado (pizzaiolos) pelo próprio chefe de Estado que o degradou.

Em razão do lamaçal em que estão transformando nossos Poderes de Estado, talvez precisemos ressuscitar em nossa sociedade, com urgência, o obsoleto "sentimento de culpa".



Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor. E-mail: mauro.chaves@attglobal.net


1. O articulista se refere ao ex-ministro José Dirceu.

2. José Sarney, presidente do Senado.

Fonte: O ESP Sábado, 18 de Julho de 2009 – coluna opinião, p. 2.


domingo, 12 de julho de 2009


O ESTADO DE DIREITO E A JUSTIÇA


Valter de Oliveira




Há certos termos do Direito ou da Ciência Política que vemos com freqüência nos meios de comunicação. Um deles é “Estado de Direito”. Outro é: “a sociedade civil”. O comum dos leitores não se preocupa ou não tem tempo ou interesse em entendê-los mais profundamente. É compreensível. Especialmente quem vive neste mundo atribulado. Eu, por dever de ofício, ou seja, por ser professor universitário, tive que pesquisar um pouco para entendê-los melhor.

A primeira coisa que fica clara na pesquisa, e que não é novidade, é que o “Estado de Direito” é interpretado de modo diferente por liberais, positivistas, marxistas e tomistas. Aliás, é o que acontece também com o próprio conceito de “Direito”.

No Brasil os estudiosos consideram que a ciência jurídica e o modo como nossos juízes interpretam a lei foram fortemente influenciados pelo positivismo de Augusto Comte, o que nos levou a um conceito legalista e/ou formalista da lei. Recentemente tem crescido a corrente sociológica do Direito que considera que é papel do legislador adaptar as leis aos costumes sociais. É uma interpretação mais conforme o relativismo moral. (1)

O homem comum não se preocupa com a Filosofia do Direito. A enorme maioria das pessoas não tem dela a mínima noção. Contudo o povo clama por justiça quando exige leis mais duras para criminosos; punição severa para os crimes de colarinho branco, rapidez nos processos judiciais, fim da cultura da impunidade.

O brilhante artigo do prof. Ubiratan Jorge Iorio, que colocamos no site olivereduc.com, critica com toda a razão a politização do Judiciário brasileiro e aponta os grandes males da Doutrina do Direito Alternativo que permite que os juízes usurpem o poder do Legislativo. E lembra com propriedade que FHC e principalmente Lula nomearam 9 juízes do STF.

Ora, nós brasileiros, quando elegemos o Presidente, nem pensamos nisso. A imensa maioria por desconhecimento; bom número porque não dá importância ao fato. Falta-nos escolaridade e cultura política. Sobra-nos também ingenuidade. Basta ver a classe média que votou no PT acreditando que o partido era comprometido com a ética!

Creio não errar se disser que o prof. Ubiratan quer para nosso país uma democracia na qual realmente prevaleça o Estado de Direito. O que pede em seu artigo? Juízes imparciais e fiéis ao princípio da legalidade, respeito ao princípio de subsidiariedade (2), independência do judiciário, etc. Tudo isso deve existir em um Estado de Direito.

Agora, sem mais delongas, vamos ver o que a respeito escreveu o insigne jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho: (3)

1. A finalidade do Estado e o Estado de Direito

“Estrutura-se o Estado de Direito em duas bases: a legalidade e o controle judiciário.

O primeiro desses princípios significa que a atuação de toda autoridade pública deve efetivar-se de acordo com a lei, segundo as formas prescritas pela lei, dentro dos limites postos pela lei. Significa, basicamente, que a atuação do Estado deve seguir um paradigma, uma norma, geral e impessoal, como deve ser a lei, verdadeiramente.

Portanto, segundo um paradigma previsto para a generalidade dos casos, e não para um caso especial e determinado. Deve ser destinada a todas as pessoas e não sob medida para algumas, quer para beneficiá-las, quer para oprimi-las (...)”.

Confesso que se por legalidade devêssemos entender apenas o que está acima, continuaria preocupado. Para mim, leigo, faltava um critério, algo que me fizesse sentir que estou realmente protegido. E este algo encontrei na continuação do texto do ilustre jurista:

“Claro está que o Estado de Direito pressupõe que o Direito não seja definido apenas formalmente, não seja aquilo que o poder quis e, querendo – denominou de lei. A concepção puramente positiva do Direito – o jus quia jussum, a identificação do Direito com a vontade do Estado, independentemente de seu conteúdo justo ou injusto – renega o Estado de Direito. Esvazia-o, reduzindo-o a nada. De fato, nada significa subordinar o Estado à lei, se a lei é tudo o que o Estado quer." (4)

“O Estado de Direito pressupõe que a lei e, portanto, o Direito, seja apenas a norma que vise à Justiça, a norma que, direta ou indiretamente, incorpore um conteúdo de Justiça. Deflui, pois, da filosofia jusnaturalista, concepção segundo a qual há um Direito anterior e superior ao direito positivo de cada Estado, direito esse que serve da medida da justiça e da injustiça desse direito positivo, de seu valor e da sua disvalia."

"Assim sendo, o Estado de Direito é o Estado de Justiça. Não se pode distinguir um do outro. O Estado de Direito é Estado de Justiça porque, na concepção que o inspira e vivifica, só é direito aquilo que é justo. "


Aqui há vários pontos que merecem consideração:


1. “Claro está que o Estado de Direito pressupõe que o Direito não seja definido apenas formalmente, não seja aquilo que o poder quis e, querendo – denominou de lei."

Tenho lido muita gente defendendo o império da lei mas não conforme o texto acima. A lei é aplicada de modo legalista, baseando-se apenas no que está escrito. Aplica-se a lei sem preocupação com a justiça como exige o ponto 2 abaixo.



2. “O Estado de Direito pressupõe que a lei e, portanto, o Direito, seja apenas a norma que vise à Justiça, a norma que, direta ou indiretamente, incorpore um conteúdo de Justiça."


3. O juiz e o cidadão diante da lei injusta

Aqui as coisas ficam mais complicadas. O que deve fazer o juiz diante da lei manifestamente injusta?

O prof. Ubiratan nos dá uma resposta:

"De fato, como nem todas as leis são justas, a lei não esgota o Direito, mas isso não é argumento para que juízes devam postar-se acima delas, por mais nobres que sejam as suas intenções. Tal silogismo é um embuste ideológico disfarçado."

Mais adiante:

"É preocupante quando uma doutrina sustenta que um juiz está acima da lei,

E ele completa:

O juiz não pode substituir o legislador.(...), porque se uma determinada lei é “injusta”, o correto é que o Legislativo a revogue e não que o juiz a modifique de acordo com o que pensa com os seus botões."


Muito bem, eu e o prof. concordamos neste ponto no que se refere ao chamado Direito Alternativo. Mas, e se o juiz não aplicar a lei afirmando que ela viola o direito natural? Vejamos ainda uma vez o que ensina o texto de Manoel Gonçalves:

"Há um Direito anterior e superior ao direito positivo de cada Estado, direito esse que serve da medida da justiça e da injustiça desse direito positivo, de seu valor e da sua desvalia."

Caso um juiz decida desafiar a lei – em nome do Direito Natural – é necessário que haja o respaldo da Constituição? Ou seja, que explicitamente aceite o direito natural?

Se um juiz deve aplicar a lei, independentemente de seu conteúdo justo ou injusto, os juizes e promotores fiéis às leis nazistas de Nuremberg estavam moral e juridicamente corretos?

Esqueçamos os governos totalitários. Atenhamo-nos aos que se dizem democráticos e façamos algumas perguntas:

O que deve fazer um juiz americano se Obama aprovar as leis que proíbem a objeção de consciência para médicos e profissionais da área de saúde? Pode aplicar a pena de prisão ao médico que se recusar a fazer um aborto? Será correto alegar que não foi ele quem fez a lei e, portanto, não pode ser responsabilizado pela aplicação da pena?

Um juiz brasileiro – caso tenhamos a desgraça de ver aprovada a lei da homofobia – deve penalizar a quem, fiel a seus valores e sua consciência, continuar a defender que a prática homossexual é indigna e imoral?

Finalmente, supondo que os juízes possam não aplicar a lei nos casos citados, como impedir que os defensores do direito alternativo utilizem o pretexto do direito natural para fazer valer o pseudo direito gramsciano? O MST chega a citar S. Tomás...

Creio que apesar das frases do prof. Ubiratan Iório nem ele e nem eu, caso fossemos juízes, puniríamos alguém por seguir a lei natural. Se não tivéssemos alternativa, ou seja, se fossemos obrigados a punir inocentes para seguir um pretenso princípio de legalidade, renunciaríamos a nossos cargos.

E passaríamos a lutar contra essa leis.

É isso. Termino apelando para os leitores, advogados, juristas e outros estudiosos que nos escrevam sobre o assunto. E peço-lhes de antemão desculpas por meus parcos conhecimentos.



Notas:

(1) Por exemplo, se a prática homossexual ou o uso de drogas vão ficando comum na sociedade, não tem porque a lei considerar tais atos imorais ou criminosos.

(2) Princípio que afirma que o superior não deve fazer o que o inferior pode fazer sozinho. Seria maravilhoso, por exemplo, que o MEC o respeitasse. E que nós brasileiros não ficássemos, docilmente, aceitando como ordens o que são apenas indicações.


(3) Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. A democracia Possível. SP. Editora Saraiva, p.32-34


(4) O que seria a visão rousseauniana da lei.