NOTA PRÉVIA: 22 de abril de 1500. Lembrei, é claro, que foi o dia em que Cabral chegou ao Brasil. Coloquei alguns posts no FB. Ontem li o artigo de Puggina que segue abaixo. Senti uma certa dor, uma compunção. Com efeito, assim como como no Natal muitos esquecem Jesus, parece que, cada vez mais, esquecemos da data do aniversariante chamado Brasil. Uma lástima. Puggina, pelo contrário, lembrou bem daquele grande dia. E fez um belo artigo em homenagem a ele. (V.O.)
O ANIVERSARIANTE
Percival Puggina
Eu, porém, me sinto
herdeiro dessa fé, dessa história e dessa cultura. Louvo, com Camões, “o peito
ilustre lusitano, a quem Netuno e Marte obedeceram”. Por isso, discretamente,
no retiro de minha casa, nesta noite de outono, brindo o aniversário de minha amada
e mal tratada Terra de Santa Cruz.
Há muitos anos assisti a um filme em
que o personagem principal entrou numa confeitaria e encomendou um bolo de
aniversário, bem enfeitado, que contivesse a frase “Feliz Aniversário”. No
final do expediente, retirou o bolo, levou para casa, ajeitou-o metodicamente
sobre a mesa e sentou-se para comemorar consigo mesmo.
Essa representação cênica de solidão
e esquecimento me vem à mente quando cai a noite sobre este 22 de abril e a
data passa longe dos registros e celebrações. Ontem fizemos feriado no
separatismo mineiro representado pela execução de Tiradentes e, hoje,
esquecemos do Descobrimento, malgrado seu belo registro oficial na Carta de
Caminha.
O 22 de abril de 1500 representa, na
História Universal, o ponto culminante de uma das mais significativas aventuras
humanas. O Descobrimento do Brasil foi o mais bem sucedido empreendimento
ultramarino português, a longa epopeia dos lusíadas, iniciada por Dom João I
com a conquista de Ceuta em 1415.
Na gravação para a série “A última
Cruzada” produzida pelo Brasil Paralelo, afirmei que as Grandes Navegações, no
início do século XV, como aventura e ousadia, superam as viagens que ficaram
conhecidas como a “Conquista do Espaço”. Estas, note-se, não envolviam
superstições, contavam com excelente informação, base tecnológica e, salvo
acidentalmente, não produziram vítimas. Viagens espaciais não justificam versos
como os que Fernando Pessoa dirige ao mar salgado lembrando o pranto das
famílias enlutadas: “Quanto de teu sal são lágrimas de Portugal!”.
A propaganda esquerdista, porém,
intoxicou o Descobrimento. Desvirtuou os feitos portugueses como condição para
a velha estratégia de suscitar sentimento de culpa, gerar dívidas e produzir
forças antagônicas em ausência das quais se asfixia. Parece não haver mérito em
o pequenino Portugal haver descoberto, povoado, protegido e defendido este
imenso continente brasileiro contra cobiçosas invasões francesas, inglesas e
holandesas.
A ocupação dita extrativista e
aventureira da descoberta era chamada povoamento nos textos portugueses.
Tratava-se de povoar um continente e os portugueses foram ativos nessa tarefa,
originando um fenótipo que hoje corresponde a 33% da população brasileira.
Contudo, os descobridores
desrespeitaram condições essenciais para que esse quase inacreditável feito
merecesse reconhecimento dos lixeiros da história. D. João III e seus
sucessores não eram comunistas. As caravelas portuguesas não traziam a bordo
sociólogos, antropólogos, assistentes sociais, ambientalistas e psicólogos. Os
donatários das capitanias hereditárias não eram sem-terra. Não duvido de que
até as posteriores senzalas seriam bem-vistas se se chamassem gulags.
A ideologização da história do
Brasil, toda ela concebida segundo uma teoria dita “crítica”, acabou por
comprometer o amor à Pátria no coração de muitos brasileiros. Mesmo entre os
católicos não falta quem considere o Descobrimento e a subsequente obra de evangelização
como o assassinato de uma cultura. E isso persiste mesmo depois de o Papa haver
canonizado o padre José de Anchieta por haver exercido com sabedoria e
discernimento seu sacerdócio entre os nativos.
Eu, porém, me sinto herdeiro dessa
fé, dessa história e dessa cultura. Louvo, como Camões, “o peito ilustre
lusitano, a quem Netuno e Marte obedeceram”. Por isso, discretamente, no retiro
de minha casa, nesta noite de outono, brindo o aniversário de minha amada e mal
tratada Terra de Santa Cruz.
* Percival Puggina (76), membro da
Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular
do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor
de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e
Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
http://www.puggina.org/artigo/o-aniversariante__17397?fbclid=IwAR28QlwLFz8L0N8IL00gcGEiVWBPJiGbTt4Qb1lK_BItBFLvA0mKXOxXonk