terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

A POLÍTICA E O DEVER DOS CATÓLICOS



Conheço muitos católicos que não gostam de política. Ela é suja, dizem alguns. O importante é rezar, dizem outros. Contudo a política é necessária para procurarmos o bem comum. Mais ainda, é a própria doutrina católica que nos diz que, como cidadãos, não podemos ficar alheios a ela. Temos que participar. 

Para entendermos esse dever publicamos hoje alguns trechos de artigo de João Camilo de Oliveira Torres. (V.O.)

João Camilo de Oliveira Torres


     Uma grave responsabilidade pesa sobre os ombros do intelectual católico, principalmente se leigo e desligado de funções em organismos oficiais: a de discutir os problemas especificamente políticos. Responsabilidade tanto maior quando se considera que a Igreja docente, (1) por si, é levada a silenciar a respeito. Nós temos o risco de discutir por nossa conta problemas graves.

      A Igreja docente silencia a respeito de problemas políticos completos por um motivo muito simples: ela fala em princípio para todos os povos, e esses problemas são específicos de cada país. Além disso, há divergências em torno da política, e a Igreja deve estar fora de querelas temporais. Muita gente estranha, de fato, que Igreja docente traga a sua opinião a respeito de temas sociais e silencie a respeito de questões políticas. O motivo é simples: as questões sociais são comuns a uma época: São Paulo, Chicago ou Tóquio são cidades de problemas semelhantes. Mas o regime político adequado aos Estados Unidos poderá não servir para o Brasil ou o Japão.

      O resultado desse silêncio é a omissão dos católicos a respeito da política, não obstante possuirmos excelentes escolas em matéria de economia e política social. Esta omissão é tanto mais clamorosa quando se sabe que vivemos numa época de nominalismo e de ativismo, quando grupos aguerridos inimigos do pensamento abstrato desejando, apenas, tomar o poder,combatem toda discussão de problemas políticos, por saberem que, na realidade, constitui uma concessão à razão e à liberdade.

        Mas, se a Igreja docente silencia a respeito de questões políticas - uma encíclica sobre o Parlamentarismo, por exemplo, seria um disparate - isso não quer dizer que devemos ser indiferentes na matéria. A Igreja não possui compromissos com regimes; eu devo te-los, sob pena de omissão ou covardia. Se assumir um cargo de dirigente de movimento oficial, devo silenciar, para não meter a Igreja em discussão, mas, como um católico brasileiro que escreve, devo emitir minha opinião. Principalmente, devo ter uma opinião. 

          Admitido, pois, que o silêncio da Igreja docente a respeito da questão política não significa omissão, mas sim uma exigência de sua posição supra-nacional devemos enfrentar os problemas que existem diante de nós.

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A partir daí Oliveira Torres começa a explicar condições prévias para que bem possamos participar do processo político. Amanhã, em continuação do artigo, vamos fazer uma síntese do que propõe. 

Nota:

1. Igreja docente: Termo usado no catolicismo para designar o clero, ao qual pertence a tarefa de ensinar a doutrina aos leigos, que constituem a eclesia discens, a Igreja discente, (que aprende). Papa e Bispos pertencem à chamada Igreja Docente. É a hierarquia, de direito divino. Sacerdotes e fiéis pertencem à chamada Igreja Discente, embora se deva ressaltar a diferença que há entre o sacerdócio da Ordem e o sacerdócio comum dos fiéis. Todos, Papa, bispos, sacerdotes e fiéis somos membros da Igreja Militante na terra, não somos a Igreja. 

Fonte:  Torres, João Camilo de Oliveira, 1915-1973. O elogio do conservadorismo e outros escritos/ organização de Daniel Fernandes,(...) Curitiba, PR. Arcádia, 2016, p. 279,280. 

          

domingo, 16 de fevereiro de 2020

NAZISMO É DE ESQUERDA OU DE DIREITA?






Valter de Oliveira



Nazismo e fascismo são de direita ou de esquerda? A pergunta parece simplória. Com efeito, na totalidade de nossos livros didáticos, e em grande parte das discussões sobre o assunto, esses dois regimes de governo são considerados de direita. Se é assim, por que a discussão?

Para respondermos lembremos da Revolução Francesa. Foi nela que surgiram os termos direita e esquerda para explicar o posicionamento politico dos deputados na Assembleia Nacional Constituinte.

Com efeito aí tivemos dois grupos revolucionários em luta: os girondinos, defensores de valores considerados mais liberais, e os jacobinos, extremistas que tendiam para uma política socializante. Estes dois grupos sentavam-se, respectivamente, à direita e à esquerda no salão da Assembléia Nacional 

Passado este período tivemos a Convenção. Os jacobinos venceram. Um grupo, os montanistas, passaram a ser a esquerda do jacobinismo.

De lá pra cá os termos foram usados do seguinte modo: um grupo passou a ser tido como esquerdista se tinha um ideal igualitário. Direitistas passaram a ser aqueles que, pelo menos de um certo modo, aceitavam certos tipos de desigualdade entre os homens. Ou valorizam mais o valor da liberdade. 

O problema maior é que as palavras passaram a ser usadas de modo que causam confusão entre quem não está acostumado ao linguajar político. Assim, por exemplo, a esquerda começou a considerar direitistas todo tipo de adversário. A palavra passou a rotular conservadores, nacionalistas, liberais, sociais democratas e até socialistas.

O que mais importa, o rótulo ou o conteúdo?

Voltemos ao conceito formado na Revolução Francesa: esquerdista é aquele que enfatiza a igualdade como valor. Quanto mais uma pessoa -ou grupo político - tiver como meta a igualdade em todos os aspectos da vida humana mais esquerdista deverá ser considerada.

Ora, quando usamos o termo como comparação entre diferentes grupos podemos incorrer em uma imprecisão. Vejamos alguns exemplos.

Suponha que no no Congresso brasileiro tivéssemos apenas três partidos políticos: O Liberal, O Social-Democrata e o PT.  Teríamos em sequência: direitistas, sociais-democratas e a esquerda. 

Digamos que na eleição seguinte liberais e sociais democratas fossem varridos do mapa e não elegessem representantes e os partidos no Congresso passassem a ser: O PT, o PSol, O PCdoB e o Partido da Causa Operária. Resultado: o PT passaria a ser considerado a extrema direita, depois PSOl como centro-direita, PCdoB como centro-esquerda e PCO como extrema esquerda...

Samba do crioulo-doido?

Nem tanto. O PT passaria a ser direita em relação ao PSol, e assim por diante. Há lógica no sentido que os outros partidos são mais radicais do que o PT no seu afã igualitário

Não é lógico no sentido que nos chocaria acreditar que um partido como o PT é de direita. Sem ter mudado em nada seu conteúdo político programático.

Podemos ver melhor a ilogicidade de se usar indiscriminadamente tal nomenclatura quando, por exemplo, rotulamos como direita tanto para liberais quanto nazi-fascistas. Os conteúdos são bem diferentes. Isso é reconhecido até mesmo por aqueles - como os tradicionalistas - que consideram que certos princípios liberais contribuíram para o surgimentos de diferentes tipos de socialismo.

Assim, o que importa é o conteúdo defendido por um partido ou movimento. O rótulo é secundário. 

Voltemos agora à questão do nazismo. Vou reproduzir parte de uma carta-programa do Partido dos Trabalhadores Alemães (Nazista) conhecida como "Vinte e Cinco Pontos", publicada em fevereiro de 1920. Ali podia-se ler:
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(...) "Não pode ser cidadão senão aquele que faz parte do Povo. Não pode fazer parte do Povo senão aquele que tem sangue alemão, qualquer que seja sua confissão. Consequentemente, nenhum judeu pode fazer parte do Povo.

(...) A supressão de toda renda obtida sem trabalho e sem esforço e a abolição da servidão dos lucros

(...) Exigimos a estatização de todas as empresas já constituídas em trustes.

(...) Pedimos a criação e a conservação de uma classe média sã; a expropriação pelas comunas das grandes lojas, que deverão ser alugadas a preço baixo aos comerciantes; e que melhor se considere os pequenos fornecedores para as encomendas do Estado, dos estados e das comunas.

(...) Exigimos a reforma agrária, adaptada às nossas necessidades nacionais, a publicação de uma lei permitindo a expropriação do solo sem indenização para as necessidades de interesse geral; a supressão das hipotecas sobre os bens de raiz e a especulação sobre os terrenos "

Conclusão

Fica para o amigo leitor. O conteúdo da Carta-Programa nazista tem ou não notável semelhança - ou identidade - com o que é pregado pela chamada esquerda?


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

COMO JULGAR OS INIMIGOS DA REVOLUÇÃO?




Lenin responde: “pela consciência revolucionária”

Como é sabido Lenin vivia para a causa revolucionária. Para ser vitorioso em sua luta poderia utilizar de todos os meios tidos por necessários. “A moral”, disse ele, “considerada fora da sociedade humana, não existe para nós, trata-se de uma mentira. A moral, para nós, está subordinada aos interesses da classe proletária”. (Nova Gazeta Renana, 1848-49 – in Piettre, p. 94).

Nessa lógica fica mais fácil entender porque Lenin e seus camaradas não tiveram pejo em implantar o terror. Daí dizer Pipes:

“ O primeiro passo para a introdução do terror em massa foi o banimento da lei e sua substituição pela “consciência revolucionária”. Nada semelhante jamais existira. As autoridades soviéticas dispunham de qualquer indivíduo que estivesse no caminho, na prática, implementando a definição dada por Lenin à “ditadura do proletariado”, como “governo não restringido pela lei” (Pipes, p. 219)

(...)

“Em março de 1918, o regime substituiu os tribunais locais por Cortes do Povo, responsáveis pelo julgamento de todos os tipos de crimes, exceto aqueles de natureza política. Uma lei de novembro de 1918 proibiu os juízes dessas cortes de se referirem a normas anteriores a outubro de 1917, liberando-os da observância dos procedimentos formais. Seu único critério deveria ser “o senso de justiça socialista” (idem).

A Tcheka e o Terror

Resultado de imagem para símbolo da Tcheka.

A Tcheka foi uma Comissão Extraordinária, de caráter policial, encarregada de combater a “contra-revolução e a sabotagem”. “O decreto que a criou, diz Paul Johnson não veio a público a não ser dez anos depois (Pravda, 18 de dezembro de 1927), portanto, a força de segurança permaneceu uma polícia secreta no sentido mais puro, já que sua verdadeira existência não foi oficialmente reconhecida”

“Não havia dúvidas de que, desde o início, a Tcheka estava destinada a usar de crueldade absoluta e em larga escala. (...) Ela recrutou pessoal com incrível rapidez, de dezembro de 1917 a janeiro de 1918 (...).  A polícia secreta do czar, a Okhrana, havia chegado a 15 mil homens, o que a tornara, de longe, a maior corporação dessa natureza no Velho Mundo. Em contraste a Tcheka, em três anos de existência, tinha uma força de 250 mil homens permanentes. Suas atividades eram de ampla escala. Enquanto os últimos czares tinham executado uma média de 17 pessoas por ano (por todo o tipo de crime), até 1918-19 a Tcheka tinha chegado à média de mil execuções por mês, apenas por razões políticas”. (Johnson, p. 54)

“Esse número é certamente um cálculo subestimado – por uma razão intrínseca a iniquidade do sistema criado por Lenin. (...) Quando a Tcheka prendia, julgava, condenava e punia suas vítimas, o número delas não era registrado numa lista confiável. A poucas semanas de sua criação, a Tcheka estava operando seus primeiros campos de concentração ou de trabalhos forçados. Esses surgiram de um decreto da Sovnarkom que arrebanhava “homens e mulheres burgueses”, enviando-os para cavar trincheiras defensivas em Petrogrado. (...) Seus campos começaram a proliferar... o núcleo do que viria a ser o gigantesco “Arquipélago Gulag”. Lá pelos fins de 1917, quando Lenin estava no poder há apenas 9 ou 10 semanas, seria correto dizer que a Tcheka era um “Estado dentro do Estado”, em alguns casos, ela era inclusive o próprio Estado”. (op.cit. p. 55)

Lenin foi responsável pelo Terror?

Sem dúvida, afirma Johnson. Todas as provas que possuímos (mostram isso). “Na verdade foi Lenin quem, pessoalmente, infundiu o espírito de terror na Tcheka e também foi ele quem, de janeiro de 1918 em diante, constantemente forçou a Tcheka a ignorar as dúvidas e os sentimentos humanitários de outros bolcheviques(...). Quando mudou para Moscou ela tornou-se um “departamento independente”, reportando-se diretamente a Lenin. (...) Em janeiro de 1918, três meses antes de a guerra civil ter começado, defendia a ideia de “atirar para matar in loco um entre cada dez julgados culpados de vadiagem”.  (...) em agosto de 1918, Lenin telegrafou ao Soviete de Nizhni-Novogorod: “Vocês devem empregar todos os esforços, formar uma troika de ditadores... introduzir imediatamente um terror de massa, fuzilar e deportar os ex-oficiais, centenas de prostitutas quem fazem dos soldados uns bêbados, etc. Não se deve perder um minuto”. No mês seguinte o jornal do exército proclamou: “Sem piedade, sem hesitação, erradicaremos nossos inimigos às centenas, que sejam aos milhares, que se afoguem em seu próprio sangue... que haja enchentes de sangue dos burgueses”. As incitações de Lenin tiveram resultados. (...) por volta de 1920 a Tcheka tinha aplicado cinquenta mil sentenças de morte”.

Contudo, mais do que as mortes,o mais importante e característico do terror de Lenin, (...)  foi o princípio usado para selecioná-las. (...)  Lenin tinha abandonado a ideia de culpa individual” (para que alguém fosse condenado”. Johnson afirma que começaram a elencar categorias de pessoas que deveriam ser eliminadas: “prostitutas”, “vagabundos”, “caixeiros-viajantes”, “especuladores” (...)  Os decretos de Lenin, continua o historiador, em pouco tempo, se estenderam a classes inteiras. Um oficial da Tcheka, o segundo em importância, era o feroz letão M.Y. Latsis. “Ele é o que mais se aproximou da verdadeira definição de Lenin:”

Martin Latsis
“A Comissão Extraordinária não é uma comissão de investigação, nem um tribunal. É um órgão atuando na frente de batalha de uma guerra civil. Não julga o inimigo: abate-o. Nós não estamos lutando contra indivíduos. Estamos exterminando a burguesia como uma classe. Nós não estamos procurando evidências ou testemunhas que revelem feitos ou palavras contra o poder soviético. A nossa primeira pergunta é: a que classe o indivíduo pertence, quais suas origens, criação, educação, profissão? Estas perguntas definem o destino do acusado. Esta é a essência do Terror Vermelho”. (op. cit. p. 55-56)




Como se vê Pol Pot teve seus mestres. A revolução se repete. Sempre.
Mas, enquanto não está no poder, o militante revolucionário se diz democrata, humanitário...
E não enrubesce ao entoar loas à Revolução Russa e aos criminosos que a implantaram.

Bibliografia:

Piettre, André. Marxismo, RJ, Zahar editores, 1969.
Pipes, Richard. História Concisa da Revolução Russa, Trad de T. Reis. RJ, BestBolso, 2008
Johnson, Paul. Tempos Modernos. O mundo dos anos 20 aos 80. Tradução Gilda de Brito Mac-Dowell e Sergio Maranhão da Mata. RJ. Instituto Liberal, 1990.