terça-feira, 30 de junho de 2009



JÓ, O POVO BRASILEIRO E JUDAS MACABEU

Valter de Oliveira



Meu caro amigo Ubiratan Iório (1), está inconformado com nossa classe política. Cansou-se. Desabafou escrevendo dois artigos em seu blog. Suas palavras iniciais no primeiro, de 16 de junho, intitulado “Atos secretos e ratos abjetos” mostram-nos todo seu desalento:

Sinceramente, o Brasil está cansando a gente! Dá vontade de desistir, de mudar de país, ou de escolher a alternativa de deixar-se alienar. O que acontece aqui, especialmente em Brasília (mas não só lá) é realmente desanimador.

No dia 25 ele continua a mostrar sua indignação com o artigo:

Brasileiro, teu nome é Jó!

Está cada vez mais difícil suportar as declarações de muitos de nossos políticos.

Confesso que, nos últimos dias, tenho tentado escrever para o Blog e, depois de um ou dois parágrafos, tenho apagado tudo e desistido. Penso que seja uma reação natural em um “contribuinte” brasileiro que é espoliado – como quase todos os demais – por tributos e mais tributos, sem qualquer retorno em termos de serviços públicos; em um professor de uma universidade pública brasileira que vem assistindo à sua degradação progressiva, nada podendo fazer para impedir esse processo, a não ser escrever um artigo aqui, outro ali; em um sujeito que, com muito esforço - seu e de seus pais -, passou incontáveis horas estudando até completar um curso de doutorado na Fundação Getulio Vargas, em uma época em que fazer um doutorado ou mesmo um mestrado era tarefa muito mais difícil do que hoje em dia, já que esses cursos proliferaram como tiririca em jardim, enquanto sua qualidade caiu como gotas de chuva em capim.

Confesso também que fico triste quando observo que o grande sonho de muitos de meus alunos de graduação na UERJ é fazer um concurso público para passar o resto de suas vidas trabalhando pouco e, naturalmente, sendo sustentados por recursos do erário, mas reconheço que não é deles o grande erro nesse tipo de atitude, é do ambiente que prevalece no país e que os conduz a pensar assim.

O que fazer diante das declarações de ontem do presidente, de que “um país que tem uma carga tributária de 10% não tem Estado?”, ou de que “muitas vezes você dá R$ 1 milhão para uma pessoa, que coloca no banco, não faz nada. Só ele vai ganhar dinheiro. Na hora que você dá R$ 100 para cada pobre, em meia hora volta para o comércio. Nem que ele vá para um boteco tomar uma canjebrina (sic). Não fica no banco, não vai para derivativos”.

Apenas solicitar a um de seus incontáveis assessores que lhe explique, necessariamente em linguagem de botequim, que, quando o Estado é enxuto, a carga tributária não precisa ser alta e que quando um banco recebe depósitos o dinheiro não fica “parado” lá.

O que fazer diante dos tristes episódios que vêm maculando indelevelmente a imagem de nosso Senado e protagonizados por seu próprio presidente, por sua família e por alguns de seus inúmeros afilhados? Apenas alertar os eleitores para que mudem as suas escolhas no futuro. Mas será que eles mudarão? Afinal, o referido senhor, ao deixar o cargo de presidente do país, nos legou uma inflação de 84% ao mês, uma relação dívida interna/PIB de quase 90% e três congelamentos de preços, mas sempre consegue ser reeleito para o Senado Federal (pelo Amapá)...

O que podemos esperar de nossos jovens diante de tantos maus exemplos a que somos obrigados a assistir diariamente, despejados pela mídia? Como incentivá-los a ter iniciativa para abrir um negócio, se a burocracia e os custos tributários e trabalhistas lhes dizem o oposto? Como fazer-lhes ver que estudar ainda é o melhor caminho, se o próprio presidente do país, em sandices diárias proferidas com a regularidade de um velho relógio suíço, chega a desdenhar de quem estudou?

Creio que o melhor a fazer, nos dias atuais, é ler e reler o relato bíblico de Jó, aquele patriarca da terra de Ur que primou pela fé e pela paciência e que, ao cabo dos 42 capítulos do Livro, ganhou de Deus o dobro de tudo o que antes possuía de bens materiais, além de vir a ter outros sete filhos e três filhas, e a viver mais cento e quarenta anos.

Brasileiro, teu nome – compulsoriamente – é Jó!


É verdade, meu caro Ubiratan, tudo o que você relata é muito triste. Pode chegar a ser deprimente.

Muitos de nós, realmente, diante de tantos males nos sentimos desencorajados. Mas, nestes momentos, refletindo um pouco mais, penso com meus botões e me pergunto: devemos?

Você compara o brasileiro com Jó. Chagado, sofrido, criticado até pelos amigos.

Você também lembra que após tanto sofrimento foi recompensado por Deus. Jó era um homem justo...

Nós somos o povo brasileiro. Sabemos de nossas fraquezas e até misérias. Mas somos bem mais do que muitos setores da mídia apresentam. O brasileiro é antes de tudo um forte. E meu amigo Ubiratan é um exemplo disso. Em que pese dizer que é só um professor “de uma universidade pública brasileira que vem assistindo à sua degradação progressiva, nada podendo fazer para impedir esse processo, a não ser escrever um artigo aqui, outro ali”.

Na verdade, quando vejo o seu idealismo, e de tantos outros brasileiros que remam contra a maré promovida pelas oligarquias, penso em lutadores cheios de entusiasmo e otimismo.

E que não se preocupam com a força dos adversários. Ou com o número deles. Pelo contrário, sentem gáudio em enfrentar a muitos.

Como Katsumoto, em “O Último Samurai”, que se encantava com as flores e com os 300 de Esparta que enfrentaram os persas.

É bom tentar a todo momento ser como Jó. Só pergunto se não está na hora de sermos também como Judas Macabeu que lutou heroicamente por Deus.

Heroísmo e grandeza retratados magnificamente no grande oratório de Haendel.

Recordo-me de meus 18 ou 19 anos quando pela primeira vez, ouvi, encantado, o tenor John Maccolum (representando Judas na música) chamando o povo eleito para a luta:

Soai os alarmes! Vossas trombetas de prata soai!

E chamai os bravos, e somente os bravos dos arredores.

E o coro, representando o povo, replicava:

Nós ouvimos, nós ouvimos o poderoso e terrível chamado;

E se for preciso cair, em defesa de Deus, da religião, da liberdade, nós cairemos!

É isso meu grande Ubiratan e caros leitores amigos. Sejamos Jó e sejamos Judas Macabeu. Como Jó vivamos na fidelidade ao bem ainda que, como seres humanos, sintamos muitas vezes desalento. Mas, sobretudo, como o bravo Macabeu, nunca deixemos de soar nossas trombetas de prata.



NOTA

1 – Veja o perfil do prof. Ubiratan Iório no blog www.ubirataniorio.org. E aproveite para ouvi-lo ao piano...




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