domingo, 22 de novembro de 2009



O OLHAR E O CORPO




Valter de Oliveira





Costumava-se dizer que o olhar era o espelho da alma. Nesses tempos, coerentemente, os homens costumavam dar destaque ao rosto das pessoas.

Isso era refletido nos trajes. Na antiguidade e na Idade Média usavam-se túnicas. Longas, elegantes, coloridas. Ou brancas e sóbrias como as usadas pelos senadores romanos. Túnicas também usadas por orientais.

A partir do início do mundo moderno, na Renascença, começou-se a dar mais destaque ao corpo. Os homens, por exemplo, passaram a usar calções mais ou menos longos e meias que passaram a destacar as pernas.

Na corte dos Habsburgos a moda realçou o rosto com o exagero de um tipo particular de colarinho: a fraise. Rebuscada mas certamente não muito confortável. Era uma elegância ascética.

Com o triunfo da Revolução Francesa e o advento da Revolução Industrial os trajes ficaram mais simples. Verdade que as roupas dos homens ficaram mais sóbrias. O preto entrou na moda. Talvez influência do puritanismo inglês.

No século XX, com os ventos da modernidade, a sobriedade e o pudor foram desaparecendo. Hollywood teve importante papel na revolução dos costumes. Já a partir dos anos 50, com o crescimento da civilização da imagem e do fenômeno da massificação, o poder manipulador da televisão ajudou a criar um novo modelo humano. O corpo erotizado, “sarado”, passou a ser o centro das atenções. É ele que a moda, da elite (elegante) ou popular, passou a destacar.

A vulgaridade chegou aos trajes. E aos modos. Fica-se feliz em mostrar o corpo, não importa como.

O Jornal Nacional, tempos atrás, noticiou eufórico que o Brasil estava exportando as calças de cós baixo... Americanas e européias, disseram os apresentadores, estavam entusiasmadas... É isso: o importante não é demonstrar cultura, ou educação. Bom mesmo é mostrar a barriga. E outras partes do corpo. Basta ver como rapazes e moças se retratam nos sites de relacionamento.

Por outro lado nossos rapazes importaram calças e bermudas que estão sempre caindo. Não foi idéia da Lupo, Calvin Klein ou qualquer empresa do ramo. Nasceu do costume de prisioneiros em cadeias americanas, disseram-me.

É tudo perfeitamente coerente, ou seja, são conseqüências lógicas de um mundo que rejeitou a razão e o espírito. Mundo pobre de vocabulário e de valores.

Hoje o rosto, quando destacado, não é para retratar a alma, ou o brilho intelectual. Menos ainda o esplendor da inocência. Importa mostrar olhares lânguidos, narcisistas, vazios. Ou lábios carnudos. Basta ver as fotos nos shoppings. Modelos, aparentemente menores de idade, apresentadas de modo sensual. Talvez preparação para a onda de pedofilia. Sem oposição, que eu saiba, dos pais e dos Conselhos Tutelares.

O corpo é bom e belo, como tudo que foi criado por Deus. Mas também nele há uma hierarquia. Temos que saber amá-lo e respeita-lo. O que implica na aceitação e no amor ao transcendente e ao sagrado.



Quando fizermos isso saberemos voltar a olhar e ver as pessoas como criaturas de Deus, não como objetos descartáveis. Saberemos amar o infinito nas criaturas. Como diz o filósofo Martin Buber: "A vida humana ou é encontro ou não é nada".


Um comentário:

Alberto Hikaru Shintani disse...

Muito interessante!! Aqui no Japão eu já pensei nisso muitas vezes: é incrível ver o poder da "moda". No Japão também é bastante comum ver os mesmos "tipos" de pessoas, com a diferença de que aqui as coisas são um pouco mais discretas (principalmente em anúncios). No entanto, a moda aqui é uma coisa bastante audaz (há coisas inimágináveis!), e talvez tenha um poder de influência maior que no Ocidente, apesar de não ser tão baixo nível como em outros países. Mas talvez justamente por isso seja possível comprovar na prática (basta abrir os olhos!) o pouco valor que as pessoas dão ao próprio corpo: queira ou não, a moda é massificante, e os que "estão na moda" acabam sempre parecendo como se tivessem saído de uma linha de produção... Acho que nunca disse isso numa ocasião tão adequada: seria cômico se não fosse trágico...