Valter de Oliveira
No artigo anterior sobre a
gênese da propriedade falamos de importante princípio da DSI: a destinação
universal dos bens. “Deus destinou os bens da terra a todos os homens, sem
especificar destinatários, indivíduos, ou comunidades humanas.”
Daí surge a pergunta: “Se os bens se destinam a todos, não seria
lógico que pertencessem a todos, isto é, à coletividade? (...) Não seria “uma
contradição flagrante, afirmar e defender a apropriação particular dos bens
cujo destino coletivo acabamos de provar?” (Van Gestel, 177).
Em palavras mais atuais: o
destino universal dos bens não implicaria em defendermos a socialização da
propriedade ou o regime comunista?
Desde jovem vi vários tipos de
esquerdistas afirmando que são eles que entendem o verdadeiro espírito do
Evangelho na questão da propriedade. Destacando falsa oposição entre o
individual e o bem comum tendem a limitar fortemente a propriedade e a
estimular teorias que tendam a aboli-la. Acrescento que neste sentido confundem
as palavras individualidade e individualismo. Na verdade, fingem esquecer que a
Igreja defende fortemente a primeira e rejeita a segunda, tão cara a certo
liberalismo subjetivista. A individualidade está ligada à essência do homem já
que, Deus fez de cada um de nós uma criatura única. É a unicidade do ser humano,
conceito profundo, que nos ajuda a compreender como é o ser humano e como, a
partir dele, devemos entender tanto questões econômicas quanto questões
políticas, filosóficas e pedagógicas.
A
interpretação progressista da Escritura
Ilustremos a questão lembrando aos amigos alguns pontos dos Atos dos Apóstolos: a divisão de bens entre os cristãos de Jerusalém e o episódio de Ananias e Safira.
Como sabemos os Atos narram o início
da expansão cristã. O que diz sobre a
vida dos primeiros cristãos em Jerusalém?
Em Atos 2 temos a narrativa:
42. Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à
comunhão, ao partir do pão e às orações. 43. Todos estavam
cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. 44.
Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. 45.Vendendo suas propriedades e bens,
distribuíam a cada um conforme a sua necessidade.46. Todos os dias,
continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em casa e juntos
participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, 47.louvando a
Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava
diariamente os que iam sendo salvos. (Atos 2:42-47)
Ou seja, os bens eram tidos em comum. Este é o
ponto acentuado por pensadores socialistas ou comunistas para dizer que este
deveria ser o ideal evangélico. E continuam seu “livre exame” afirmando que o
episódio de Ananias e Safira, mostra como foi a ira de Deus, ao castiga-los
por serem individualistas e egoístas.
Consideram-nos maus cristão que não quiseram ter espírito de partilha.
Na verdade, o que aconteceu?
Vejamos (o destaque em negrito é do blog):
"Atos dos
Apóstolos, 5
1. Um certo homem chamado Ananias, de comum acordo com sua mulher Safira,
vendeu um campo 2.e, combinando com ela, reteve uma parte da quantia da venda.
Levando apenas a outra parte, depositou-a aos pés dos apóstolos. 3.Pedro,
porém, disse: “Ananias, por que tomou conta Satanás do teu coração, para que
mentisses ao Espírito Santo e enganasses acerca do valor do campo? 4.Acaso não o podias conservar sem vendê-lo?
E, depois de vendido, não podias livremente dispor dessa quantia? Por que
imaginaste isso em teu coração? Não foi aos homens que mentiste, mas a Deus”.
5.Ao ouvir estas palavras, Ananias caiu morto. Apoderou-se grande terror de
todos os que o ouviram. 6.Uns moços retiraram-no dali, levaram-no para fora e o
enterraram. 7.Depois de umas três horas, entrou também sua mulher, nada sabendo
do ocorrido. 8.Pedro perguntou-lhe: “Dize-me, mulher, foi por tanto que vendestes
o vosso campo?”. Respondeu ela: “Sim, por esse preço”. 9.Replicou Pedro: “Por
que combinastes para pôr à prova o Espírito do Senhor? Estão ali, à porta, os
pés daqueles que sepultaram teu marido. Hão de levar-te também a ti”.
10.Imediatamente caiu aos seus pés e expirou. Entrando aqueles moços,
acharam-na morta. Levaram-na para fora e a enterraram junto do seu marido.
11.Sobreveio grande pavor a toda a comunidade e a todos os que ouviram falar
desse acontecimento.*" (Bíblia Católica Online).
Comentando
Como está claro no texto Ananias e Safira foram castigados (é falso que Deus nunca castiga) não porque não quiseram vender os bens e ter tudo em comum. S. Pedro é claro: Eles não estavam obrigados a vender o que tinham para partilhar com todos. E se vendessem, poderiam dispor livremente do dinheiro da venda. Pecaram por haver tentado enganar o Apóstolo dizendo que estavam dando tudo quando na verdade davam só uma parte. E o pior foi a mentira ao Espírito Santo!.
E como terminou a tentativa de uma
vida comunitária na pequena comunidade cristã em Jerusalém?
Fracassou. Nada havia de errado no
espirito de solidariedade e de amor entre eles, muito pelo contrário. A questão
é que a realidade material é mais complexa. A partilha diminuiu o número dos que
tinham bens, e que eram generosos com eles. Resultado: a pobreza começou a
aumentar, e não diminuir. A comunidade de Jerusalém teve que ser socorrida
pelos apóstolos, através de donativos enviados por outras comunidades cristãs.
Deus ensina. A realidade também.
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