terça-feira, 30 de março de 2010













LIBERAIS E CONSERVADORES
UM DEBATE PELA UNIÃO

Valter de Oliveira

Publicamos hoje dois artigos de autores que têm se destacado em defender a liberdade e o direito natural. É mais um “debate”. De um lado Klauber Cristofen defende os liberais da crítica conservadora e afirma que conservadores europeus, por exemplo, na questão da propriedade, estão caindo em posições socializantes. Nivaldo Cordeiro, por sua vez, que em seu blog se intitula um liberal, passou, devido aos estudos que tem realizado, a considerar que o liberalismo é causa da Revolução que nos ameaça, com a conseqüente destruição dos valores morais tão odiados pelos socialistas...

A discussão é importante, entre outras coisas, porque vemos hoje bons pensadores discutir seriamente a causa da crise do mundo moderno. É ponto sobre o qual, o Papa Bento XVI tem pedido que dediquemos nossa atenção.

Para terminar: espero sinceramente que Klaus, Nivaldo Cordeiro e muitos outros continuem a aprofundar o tema. Que procurem a união na verdade, num diálogo sério e fraterno, de modo que o talento de todos seja utilizado cada vez mais em defesa dos mais nobres valores da civilização e do homem.


LIBERALISMO E REVOLUÇÃO

12 de março de 2010
Nivaldo Cordeiro

Da obra de Hobbes (e de seu discípulo dissimulado, Locke, o o “sage” Locke) emerge a idéia do contrato social, dos direitos fundamentais e da igualdade. De Grocius a idéia de que a lei natural deve ser compreendida como uma equação matemática e que o direito deve emergir de sistemas gerais aplicados a todos os casos. De Maquiavel a idéia de que a obtenção do poder é ato voluntarista do “novo” príncipe, cujo único compromisso é com a manutenção do poder, uma vez esse conquistando, abandonando qualquer ilusão de justiça ou de equidade que se esperava dos governantes até então.

Como pano de fundo o laicismo e o ateísmo, militante ou camuflado, que tem acompanhado a ciência política desde então. E, claro, o desdobramento inexorável dos direitos fundamentais em direitos humanos e a busca obsessiva pelo dogma da igualdade. Esse é o receituário liberal desde a origem e aqui podemos ver nele contido todo o germe revolucionário jacobino, que vai se desdobrar nas revoluções.

As três maiores revoluções ─ a Reforma, a Francesa e a marxista, no século XX ─ foram derivações dessa rebelião original contra os fundamentos metafísicos da ciência política e do direito. Não por acaso que Leo Strauss fará na sua obra maior – DIREITO NATURAL E HISTÓRIA – a demonstração de que a modernidade é, ela mesma, um mergulho integral na loucura coletiva, já descrita na obra imortal de Miguel de Cervantes.

Na mesma linha está a obra de Eric Voegelin. Aqui quero sublinhar seu ensaio “Liberalismoand history”, publicado originalmente em “Thereview of politics”, Vol 36, nº 4 (Outubro de 1974). Com elegância e erudição Voegelinmostrou aqui o movimento interno da modernidade depois da ruptura com o cristianismo e a filosofia clássica. Desde então haverá uma sucessão de revoluções, contra-revoluções, restauração e conservadorismo,todos elementos do drama moderno oriundos da ruptura original. O liberalismo é ele mesmo essencialmente revolucionário, mas toda revolução gera o seu contrário e o próprio liberalismo acabou por ser ele mesmo a variante que precisa controlar a anarquia revolucionária, estabilizando-a.

Voegelin sublinhou quatro dimensões ou conceitos associados ao liberalismo: o político, o econômico, o religioso e o científico. Há uma tendência a se olhar a doutrina liberal apenas sob a ótica dos dois primeiros. O liberalismo político logrou grande parte da sua aceitação e legitimidade porque a luta contra os abusos do poder absolutista carregava em si um elemento óbvio de justiça, propondo a separação de poderes e a limitação do tamanho do Estado. Da mesma forma, o liberalismo econômico, que demonstrou cientificamente a superioridade da ordem fundada no Estado mínimo e nas livres trocas, com o mínimo ou a total ausência de regulação.

O aspecto religioso do liberalismo, que inicialmente se identificou com a Reforma e, posteriormente, com o materialismo ateu, é a sua ponte mais ostensiva com os movimentos coletivistas revolucionários da mesma natureza. Por isso que os liberais estão na linha de frente em questões como o aborto, gaysismo, a eutanásia, a liberação das drogas e a livre sexualidade (e a destruição do casamento monogâmico tradicional, sua conseqüência inevitável). Talvez por isso que nos EUA “liberal” equivale a esquerdista, pois aqui não há que se fazer distinção: ambos comungam da rebelião contra Deus. A adoção das doutrinas epicurista e estóica (utilitarismo e centralidade imanentista no ego como um substituto de Deus) é elemento que torna o liberalismo e o marxismo, por exemplo, uma única e mesma realidade política doutrinal.

No âmbito da pesquisa científica a coisa é ainda mais clara. Voegelin demonstra que Augusto Comte será o filósofo que influenciará fortemente as ciências no século XX (aqui nos referimos às ciências sociais), de tal sorte que se projeta no mundo científico todas as conseqüências do materialismo ateu. O resultado é duplo: o relativismo e o niilismo, conforme o autor demonstrará em outra obra (A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA).

É por isso que o argumento liberal não pode ser usado eficazmente para combater o irracionalismo e a anarquia revolucionária. É o mesmo que querer apagar fogo com querosene. É por isso que a tese degenerada dos direitos humanos prospera em todo o mundo, sob o patrocino da ONU e os braços cruzados dos liberais. Nenhum comentário político hoje deixa de se remeter a essa tolice teórica dos direitos humanos. Veja-se o recente caso da morte do cubano em greve de fome, coincidente com a visita de Lula a Fidel. Todos os comentaristas disseram que Lula se esqueceu dos direitos humanos, por ele outrora defendidos. Não viram que a locução “direitos humanos”não passa de slogan revolucionário que tem plasticidade suficiente para se aplicar a qualquer situação no rumo da revolução.

Direito humanos estão além do cinismo habitual da política, situam-se na crença profunda dos revolucionários de que vale tudo para se chegar à perfeição revolucionária. Tudo se legitima para se chegar a esse objetivo que, se sabe de antemão, é inatingível. Só tolos que não conhecem o conteúdo teórico escondido por detrás da locução para se escandalizar com gestos como os de Lula.

O liberalismo dito “clássico”, basicamente aquele compreendido na dimensão econômica e política, foi derrotado inexoravelmente desde o século XX. O agigantamento do Estado mostra que mesmo na sua dimensão econômica ele desapareceu. Não serve mais de elemento de estabilização política. A única força capaz de fazer frente ao movimento revolucionário em curso é o retorno à ciência política clássica. Ou seja, contra os direitos humanos revolucionários existe apenas o direito natural clássico.



VAMOS TRABALHAR JUNTOS?

18 de fevereiro de 2010
Klauber Cristofen Pires


Eu vou comentar mais uma vez sobre as constantes críticas que os conservadores lançam sobre os liberais. A idéia corrente entre eles é a de que os liberais oferecem como proposta para a sociedade tão somente um plano formal de eficiência econômica, e são destituídos de coisas como valores morais ou religião. Não tendo nada o que oferecer além disso, sobra o oco, que é preenchido pelos movimentos sociais tais como o gayzista, o abortista, o ateísta, o feminista, o ambientalista e outros de estirpe parecida.

Eu preciso dizer que os conservadores incorrem em engano de perspectiva. Para que se entenda melhor como isto se processa na prática, utilizemo-nos, como estudo de caso, da questão da luta pela retirada dos crucifixos das repartições públicas, promovidas recentemente pelo 3º PNDH (e desde muito antes, que se diga). Os conservadores querem mantê-los, e acusam os liberais de apatia. Entretanto, por que motivo um liberal haverá de lutar pela permanência de crucifixos nas repartições, se são elas o que ele quer extinguir? Quem pensa em colocar rodas de liga leve em um carro à venda?

É preciso que se diga algo sobre o assunto em questão: é verdade que os conservadores se ocupam mais com estes assuntos do que os liberais. Que bom que o mundo tem conservadores para lutar contra todas estas coisas. Todavia, eu ouso dizer que estes movimentos constituem uma força secundária, estando para a revolução socialista como a cavalaria para um campo de batalha. A cavalaria, aquela ainda montada, não era usualmente uma tropa de frente, mas de limpeza de terreno; os cavalarianos entravam em combate num segundo momento, pelos flancos, para cortar a cabeça dos inimigos já cansados, e muitas vezes resignados.

Se olharmos para as conquistas do Foro de São Paulo, veremos que em todos os países, à exceção do Brasil - e talvez da Argentina - a estratégia foi partir pra cima logo de cara com a "infantaria": a destruição da propriedade privada.

A propriedade privada não serve apenas como um fator de desenvolvimento econômico. Ela serve principalmente para o cidadão dar um chute no traseiro de quem ouse se meter na sua vida ou bulir com os seus filhos. Os liberais entendem que, dentro de uma sociedade que proteja a propriedade privada de acordo com o seu fundamento, os grupos de pressão coletiva gayzistas, abortistas e afins não têm o que reivindicar (ou impor).

Hoje, a Igreja Católica e provavelmente outras evangélicas se opõem ao aborto. Porém, quando a propriedade privada for para o farelo, o governo comunista passará por sobre padres e pastores com um trator, e pode ser que isto aconteça literalmente. Aliás, ele fará o que quiser com qualquer um.

A infantaria comunista - o ataque à propriedade privada - ataca com três divisões: a tributação, a regulação e o controle das comunicações.

Muitas pessoas talvez não saibam, mas o antigo Código Comercial, aquele editado no tempo do Brasil Império, proibia, por qualquer motivo, "por mais especioso" que fosse, que os livros contábeis dos comerciantes fossem abertos. No tempo do Império, a maior parte dos impostos era cobrada, como eu aqui vou cunhar, "da porta pra fora": os tributos recaíam sobre importações e exportações, sobre selos e outras atividades externas às portas do negócio. Com o advento da República, aos poucos começaram a ser instituídos impostos sobre o faturamento, os lucros e a folha de pagamentos, até que hoje os fiscais do governo têm entrada (e conhecimento) livre do que se passa nas empresas, vulnerando-as quanto às suas estratégias comerciais e seu acervo tecnológico. Digo mais: um fiscal pode até mesmo ocupar a cadeira do diretor e mandar ele arranjar o que fazer enquanto ele vasculha os documentos que precisa.

Hoje o estado se comporta como o sócio majoritário das empresas. No Pólo Industrial de Manaus, cada peça do Processo Produtivo Básico (PPB) precisa da anuência do governo para que a licença para a produção de um produto seja concedida. Nas fábricas de bebidas, medidores são instalados nas tubulações para registrar in loco a vazão e ali mesmo ser levantado o crédito tributário. Com a Substituição Tributária Progressiva, a propriedade privada deixou de vez de ser de seus donos, pois o estado já ordena a cadeia produtiva, estipula de antemão os preços das operações seguintes e cobra na fábrica os tributos tanto do fabricante quanto do atacadista e do varejista, como se eles fossem simples departamentos de um só negócio (claro, não sem razão: o negócio do governo).

No lado regulatório, comendo o mingau pelas bordas, de tal forma o estado foi tomando o lugar dos donos originais que literalmente hoje não há praticamente nada que possa estar sob a criatividade da livre iniciativa. As relações trabalhistas são definidas nos mínimos detalhes. Muitas vezes, as empresas são obrigadas a contratar só porque o estado lhes impõe este ônus. Na verdade, elas se amontoam de forma que às vezes, se se senta cumprir um artigo, descumpre-se outro: o empresário está enquadrado de qualquer jeito! Quer um exemplo? Tente organizar uma escala de serviço de turno ininterrupto de trabalho à risca da lei: simplesmente é impossível. Porém, não acaba aí: toda a contabilidade é definida pelo governo; o modo de comercializar também, assim como até regras para embalar, fazer propaganda e até receber!

Do lado das comunicações, a história é conhecida: o governo leva os louros e as empresas pagam a conta. Quando contratam mais gente, é o governo que se apresenta na tevê como o responsável pela criação de milhares de empregos, e por qualquer coisa que não vá indo bem, a culpa vai para os empresários gananciosos. A idéia de uma imprensa atuante é um sonho, desde que as tevês e rádios operam sob concessão pública. No sistema de ensino, a grade curricular é ensinada conforme os ditames estatais.

Tomemos um conservador ilustre. Será que assim podemos considerar o presidente Castelo Branco? Eu tenho uma profunda admiração por este grande brasileiro: foi primeiro lugar no Colégio Militar, na Academia, e em toda a carreira. Herói de guerra, homem de reputação ilibada, liderança indiscutível, cultura ímpar e coragem de sobra. Eu tenho certeza que debaixo de sua caneta toda esta turma de gays, abortistas e caçadores de crucifixos não teria vez. Porém, foi em seu governo que foi sancionado o Estatuto da Terra, e com ele, a sujeição da propriedade privada à estipulação de um índice de produtividade. Desde este dia não existe mais a propriedade rural privada, senão como uma concessão hoje sob os critérios discricionários do MST.

Eu apresento este exemplo para demonstrar como em geral os conservadores defendem a propriedade privada, mas o fazem amiúde sob considerações as mais das vezes meramente generalistas e perfunctórias. Não há um aprofundamento da questão, e por isto, ano após ano, fatias bem finas têm sido retiradas deste instituto que nasceu para nos proteger das garras do estado.

Se alguém perguntar a um conservador qual a sua receita para a economia, ele dirá que defende o..."liberalismo econômico", um conceito, claro, emprestado da doutrina liberal. E olhe que aqui estamos falando de conservadores vindos da tradição norte-americana; na Europa, o conservadorismo está ligado a um sistema que o filósofo Hans-Hermann Hoppe reputa como...socialista! O conservadorismo europeu, segundo o pensador alemão, consiste no sistema voltado para a proteção ao valor da propriedade, isto é, à proteção da propriedade dos atuais donos contra o ingresso de novos no mercado. Regulações, subsídios, quotas e produção sob prévia licença são seus principais instrumentos.

Há alguns meses atrás, eu enviei uma mensagem à CNA, explicando tim-tim por tim-tim como e porquê a propriedade privada deve ser considerada e defendida, e sugeri o fim do índice de produtividade, e parece que fui ouvido, pois este item constou da pauta de temas sob discussão daquela entidade. É o início, depois de quase cem anos de influência socialista.

Concluindo, eu francamente não pretendo injuriar os conservadores. De novo, repito, tenho como nobre a missão que cada um deles atribui a si mesmo. Apenas o que peço é que compreendam que os liberais também fazem a sua parte, atuando em uma frente por eles pouco guarnecida. Se o movimento revolucionário é multidisciplinar, porquê também nós, os seus oponentes, não devemos ser? Pois eu digo que devemos combatê-los com a máxima amplitude.




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