A liberdade errada, a falsa justiça e o desprezo pelo homem.
Valter de Oliveira
A França, o Ocidente, e as pessoas de bem de todo o mundo sentiram indignação e horror perante os brutais assassinatos de jornalistas franceses executados por extremistas islâmicos.
Hoje os assassinos foram mortos. Levaram consigo mais quatro reféns. No total foram dezesseis, mais os feridos.
A repercussão tem sido enorme. Franceses saíram às ruas com cartazes desafiadores onde escreveram: “Eu sou Charlie”. Como quem diz: “quer me matar também? Não tenho medo”
A grande mídia ressaltou a defesa da liberdade de imprensa. Políticos, filósofos, historiadores também ressaltaram a importância da mídia no mundo ocidental. Seria um de nossos principais valores e alicerce de nossa democracia.
Na opinião da grande maioria a liberdade de imprensa é absoluta, ilimitada. Daí seu direito – no domínio do humor jornalístico – satirizar a respeito de tudo e de todos.
Reinaldo Azevedo, por exemplo, com quem comungo bom número de ideias, considera que temos todo o direito de satirizar do islamismo bem como de qualquer religião. Ele, como católico, diz que ainda que não goste quando satirizam a Virgem Maria e a consideram uma mulher qualquer (para ser delicado) sabe democraticamente aceitar o direito de crítica dos outros.
Ora, essa é uma visão totalmente distorcida do direito da mídia, é uma visão conforme o liberalismo radical.
No Ocidente já estamos habituados com certos tipos de humor e sátira contra pessoas, instituições e até Deus.
Entretanto também sabemos que há críticas que ferem direitos fundamentais e que atingem o que há de mais profundo no homem. Ou seja, os meios de comunicação, assim como toda atividade humana, têm que levar em conta os princípios éticos. Não há exceções quanto a isso.
O jornalista não pode ser alheio à verdade. Tampouco tem o direito de atingir a honra e a reputação de pessoas e instituições. Tanto é assim que a própria democracia – na medida em que é verdadeira – permite que as pessoas atingidas de forma desleal processem quem as desrespeita.
Neste sentido lemos alguns artigos que lembraram que a liberdade de expressão deve ser usada com critério. Um jornalista inglês, Tony Barber, editor para a Europa do “Financial Times” chegou a escrever que “algum bom senso seria útil a publicações como Charlie Hebdo ou “Jyllands-Posten” da Dinamarca, que se propõem a ser um instrumento da liberdade quando provocam os muçulmanos, mas que estão, na verdade, sendo apenas estúpidos”.
O jornalista corretamente diz que isso não é dito para “desculpar os assassinos, que têm de ser pegos e punidos”. Isso não o livrou de duríssima crítica de um jornalista brasileiro (que em geral defende causas corretas) que o considerou “um vagabundo moral” e “terrorista” que no fundo seria um adversário da liberdade de expressão!
Nem de longe. Quem errou foi nosso jornalista brasileiro que, neste ponto agiu como um liberal radical ou um anarquista libertário. Defende com todas as letras a liberdade absoluta da mídia como essencial à democracia e ainda insiste que o Financial Times não deveria ter publicado o artigo de Barber. Contradição? pergunta ele. Não, responde. É que "não deve haver liberdade para os inimigos da liberdade!"....
Nosso brasileiro esqueceu que toda liberdade está ligada à responsabilidade. Se ultrapasso os limites da ética e da lei posso ser responsabilizado e, eventualmente, até punido por isso. Também dentro dos limites da lei e da ética.
Quando uma publicação como “Charlie Hebdo” satiriza de forma hedionda a Bíblia e o Corão, Cristo e Maomé, A Virgem Maria ou a Rainha da Inglaterra, A Santíssima Trindade ou Alá não exerce liberdade de expressão. Simplesmente abusa dela. Passa a exercer um nefando bullying cultural.
Como dissemos, quando não respeitamos a intimidade, os valores, as legítimas crenças do ser humano, é este que é vilipendiado.
Quando se reage por fanatismo eliminando vidas, como no caso do pérfido assassinato dos jornalistas com o pretexto de vingar injustiças e defender o Islã, é de novo o ser humano que é desprezado e destruído. É a vida, nosso direito humano fundamental – sem a qual os outros são irrealizáveis – que é descartada.
No encontro do liberalismo radical com o fanatismo extremista temos um ósculo de morte. Ambos cometem o mesmo erro antropológico. Não entendem o que realmente é o ser humano e seu destino transcendente. Por isso mesmo são incapazes de entender e amar a imensa dignidade do ser humano.
Por isso tudo não sou Charlie. Menos ainda fundamentalista.
Que Deus tenha piedade deles. E de todos nós.
Nota:
Foi anunciado que vários chefes de Estado irão comparecer à França para participar de cerimônia em honra dos jornalistas barbaramente assassinados. Será também uma reunião pró-imprensa livre, democracia e direitos humanos. Muito justo. Só não entendo porque já não fizeram isso antes já que 100.000 cristãos são executados por terroristas e governos criminosos em todo o mundo. A vida de tantos mártires vale tão pouco?
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