domingo, 29 de março de 2015

NELSON RODRIGUES, DELFIM NETO, ECONOMIA E A MINISSAIA. E A DILMA?










Valter de Oliveira

Ontem estava conversando com meu filho Marcelo e, lá pelas tantas, perguntei se ele gostava de literatura. Ele me olhou, deu um sorrisinho e deixou escapar: “Literatura” ... Logo vi que não adiantaria falar de Guimarães Rosa, Eça de Queiroz ou Machado de Assis. Ocorreu-me perguntar se ele conhecia Nelson Rodrigues. Não, não conhecia. Fui na estante, procurei um pouquinho e achei o único livro dele que tenho em casa: “O reacionário, memórias e confissões”. Li para ele partes de uma crônica. Gostou. Se vai ler depois, só Deus sabe.

Terminada a conversa continuei a folhear o livro e a fazer breves leituras. Lá pelas tantas encontrei a crônica: “A influência da minissaia nas leis da economia”.  Impagável. Vejam o que diz nosso Nelson:

“(...) acabo de ler um artigo admirável do ministro Delfim Neto. Que página lúcida, aguda, exata de economia!

“(...) Ah! Quando leio o nosso ministro da Fazenda, estou sempre pensando, ralado de frustração: “Eis um economista”. Voltando ao seu artigo. Que diz o caro Delfim Netto? Se bem o entendi, diz que a causa da crise, na indústria de tecidos, é a minissaia. Só estou imaginando a perplexidade amarga do leitor. Minissaia? Pode parecer, aos menos informados, que se trata de uma opinião de costureiro. Absolutamente. Fala o economista.

Por que está mal a indústria? Segundo Delfim Netto, porque as mulheres compram menos fazenda. E ele o afirma usando critérios científicos e exatos. Vocês entendem? Para nós, profanos, analfabetos natos em economia, a minissaia tem várias consequências, inclusive esta: - quem a usa não pode sentar-se. Reparem como caiu o número das mulheres sentadas. A minissaia envolve também o problema do pudor. Dirá alguém que o pudor é algo tão antigo, fenecido, espectral como o primeiro espartilho de Sarah Bernhardt. Mas vem o economista e explica: - a sorte de uma indústria depende da saia que sobe ou da saia que desce. Se sobe dois palmos, um palmo e meio, há falências, desemprego, miséria. Os industriais estouram os miolos; e os operários têm que estender o pires à frívola e distraída caridade pública. Agora a outra hipótese: - se, inversamente, a saia desce, cessa a “Grande Depressão”, jorra a abundância, o operário pode jogar nos cavalos, é uma euforia de homens mulheres e crianças. O patrão pode dar à mulher jóias de 500 milhões de cruzeiros antigos.

Quando acabei de ler o artigo (...) liguei para todos os telefones do Silveirinha (...). Queria perguntar-lhe: - “Silveirinha, tudo é assim tão simples?”. Custava crer que o circunstancial tivesse tal influência nas leis da economia. Será que as crises que abalam o país têm pretextos tão irrelevantes? Por outro lado não me parecia correto que a economia tivesse a simplicidade transparente que lhe atribuía o nosso Delfim. (...).

Voltei, então, ao ministerial artigo. Reli-o da primeira à última linha. E, novamente, instalou-se em mim o puro horror.

É que, em dado momento, o articulista explica por que estão caindo as vendas de sapatos. Eu podia imaginar todas as razões, secretas, inconfessas ou ostensivas, menos as que o nosso ministro insinua. Imaginem que compramos menos sapatos porque compramos mais automóveis.

O leitor há de pensar que leu mal. Não. Leu certo. É o que afirma Delfim Netto. Ficamos sabendo que há também uma crise de sapatos. E pior: - o brasileiro está no seguinte e crudelíssimo dilema: - ou compra sapatos ou compra automóveis. Caso prefira o carro, tem que andar descalço. Eu posso imaginar a cena. O brasileiro raspa todas as economias e vai à agência de automóvel. Chega lá, adquire um Galaxie inenarrável. No seu interior há cascata artificial, com filhotes de jacaré. (...). (1)

Quando terminei de ler a crônica pensei: e a Dilma?

A Dilma aprendeu com o Delfim.

Vocês repararam que após um ostracismo de dois meses ela reapareceu? Apareceu falando de diálogo e democracia. Apareceu toda sorridente, toda pimpona. E, centralizadora, como sempre, resolveu falar também de economia. Como o Delfim, que agora é assessor dela, e do PT.

Estamos em crise? Não, não. Isso é discurso da oposição. Estamos necessitando apenas fazer alguns reajustes. Se houve erro, ou melhor, falha. Foi só por excesso de amor.

Amor?

Claro. Veja o raciocínio delfiniano: - na crise de 2008 Dilma tinha que salvar o emprego dos brasileiros. Outros teriam jogado os trabalhadores na rua. O coração de Dilma não poderia permitir tal desgraça. Tínhamos reservas, tínhamos um bom caixa. Gastamos, gastamos, gastamos e salvamos o povo. Agora, não dá mais. Mamãe Dilma diz que gastou conosco tudo o que era necessário e um pouco mais. Agora é nossa vez de fazermos sacrifícios. Por pouco tempo.

Mensalão, Petrolão, excesso de gastos governamentais, incompetência, são mentiras implantadas na mídia pelo imperialismo internacional e pelos brasileiros que promovem o ódio.

Mamãe Dilma, mais uma vez pede nossa confiança e um pouco de sacrifício.
Acreditemos. E seremos felizes para sempre.



Um comentário:

O ABDO FAZ O MONGE disse...

Muito bom esse artigo. Merece ser lido mensalmente!!!!!!