Valter de Oliveira
Ontem estava conversando com meu
filho Marcelo e, lá pelas tantas, perguntei se ele gostava de literatura. Ele
me olhou, deu um sorrisinho e deixou escapar: “Literatura” ... Logo vi que não
adiantaria falar de Guimarães Rosa, Eça de Queiroz ou Machado de Assis.
Ocorreu-me perguntar se ele conhecia Nelson Rodrigues. Não, não conhecia. Fui
na estante, procurei um pouquinho e achei o único livro dele que tenho em casa:
“O reacionário, memórias e confissões”. Li para ele partes de uma crônica. Gostou.
Se vai ler depois, só Deus sabe.
Terminada a conversa continuei a
folhear o livro e a fazer breves leituras. Lá pelas tantas encontrei a crônica:
“A influência da minissaia nas leis da economia”. Impagável. Vejam o que diz nosso Nelson:
“(...) acabo de ler um artigo admirável do
ministro Delfim Neto. Que página lúcida, aguda, exata de economia!
“(...) Ah! Quando leio o nosso ministro da
Fazenda, estou sempre pensando, ralado de frustração: “Eis um economista”.
Voltando ao seu artigo. Que diz o caro Delfim Netto? Se bem o entendi, diz que
a causa da crise, na indústria de tecidos, é a minissaia. Só estou imaginando a
perplexidade amarga do leitor. Minissaia? Pode parecer, aos menos informados,
que se trata de uma opinião de costureiro. Absolutamente. Fala o economista.
Por que está mal a indústria? Segundo
Delfim Netto, porque as mulheres compram menos fazenda. E ele o afirma usando
critérios científicos e exatos. Vocês entendem? Para nós, profanos, analfabetos
natos em economia, a minissaia tem várias consequências, inclusive esta: - quem
a usa não pode sentar-se. Reparem como caiu o número das mulheres sentadas. A
minissaia envolve também o problema do pudor. Dirá alguém que o pudor é algo
tão antigo, fenecido, espectral como o primeiro espartilho de Sarah Bernhardt.
Mas vem o economista e explica: - a sorte de uma indústria depende da saia que
sobe ou da saia que desce. Se sobe dois palmos, um palmo e meio, há falências,
desemprego, miséria. Os industriais estouram os miolos; e os operários têm que
estender o pires à frívola e distraída caridade pública. Agora a outra
hipótese: - se, inversamente, a saia desce, cessa a “Grande Depressão”, jorra a
abundância, o operário pode jogar nos cavalos, é uma euforia de homens mulheres
e crianças. O patrão pode dar à mulher jóias de 500 milhões de cruzeiros
antigos.
Quando acabei de ler o artigo (...) liguei
para todos os telefones do Silveirinha (...). Queria perguntar-lhe: -
“Silveirinha, tudo é assim tão simples?”. Custava crer que o circunstancial
tivesse tal influência nas leis da economia. Será que as crises que abalam o
país têm pretextos tão irrelevantes? Por outro lado não me parecia correto que
a economia tivesse a simplicidade transparente que lhe atribuía o nosso Delfim.
(...).
Voltei, então, ao ministerial artigo. Reli-o
da primeira à última linha. E, novamente, instalou-se em mim o puro horror.
É que, em dado momento, o articulista
explica por que estão caindo as vendas de sapatos. Eu podia imaginar todas as
razões, secretas, inconfessas ou ostensivas, menos as que o nosso ministro
insinua. Imaginem que compramos menos sapatos porque compramos mais automóveis.
O leitor há de pensar que leu mal. Não. Leu
certo. É o que afirma Delfim Netto. Ficamos sabendo que há também uma crise de
sapatos. E pior: - o brasileiro está no seguinte e crudelíssimo dilema: - ou
compra sapatos ou compra automóveis. Caso prefira o carro, tem que andar
descalço. Eu posso imaginar a cena. O brasileiro raspa todas as economias e vai
à agência de automóvel. Chega lá, adquire um Galaxie inenarrável. No seu
interior há cascata artificial, com filhotes de jacaré. (...). (1)
Quando terminei de ler a crônica
pensei: e a Dilma?
A Dilma aprendeu com o Delfim.
Vocês repararam que após um
ostracismo de dois meses ela reapareceu? Apareceu falando de diálogo e
democracia. Apareceu toda sorridente, toda pimpona. E, centralizadora, como
sempre, resolveu falar também de economia. Como o Delfim, que agora é assessor
dela, e do PT.
Estamos em crise? Não, não. Isso
é discurso da oposição. Estamos necessitando apenas fazer alguns reajustes. Se
houve erro, ou melhor, falha. Foi só por excesso de amor.
Amor?
Claro. Veja o raciocínio
delfiniano: - na crise de 2008 Dilma tinha que salvar o emprego dos
brasileiros. Outros teriam jogado os trabalhadores na rua. O coração de Dilma
não poderia permitir tal desgraça. Tínhamos reservas, tínhamos um bom caixa.
Gastamos, gastamos, gastamos e salvamos o povo. Agora, não dá mais. Mamãe Dilma
diz que gastou conosco tudo o que era necessário e um pouco mais. Agora é nossa
vez de fazermos sacrifícios. Por pouco tempo.
Mensalão, Petrolão, excesso de
gastos governamentais, incompetência, são mentiras implantadas na mídia pelo
imperialismo internacional e pelos brasileiros que promovem o ódio.
Mamãe Dilma, mais uma vez pede
nossa confiança e um pouco de sacrifício.
Acreditemos. E seremos felizes
para sempre.
Um comentário:
Muito bom esse artigo. Merece ser lido mensalmente!!!!!!
Postar um comentário