Valter
de Oliveira
Em 1891 o Papa Leão XIII
lançou a famosa encíclica Rerum Novarum na qual a Igreja tomava posição diante
de um processo histórico que atingia então, um ponto nevrálgico. No campo
político, diz João Paulo II, surgira “uma
nova concepção da sociedade e do Estado e, consequentemente, da autoridade”.
No campo econômico, e com a Revolução Industrial, o capitalismo nascente havia
provocado a famosa “Questão Social” com o conflito entre o capital e o trabalho
(Centesimus Annus ) com as consequentes injustiças em relação aos operários.
Naturalmente surgiram reações e propostas para solucionar o problema. De um
lado os movimentos socialistas, de outro os católicos sociais (1).
Papa Leão XIII |
Leão XIII tem palavras duras
contra o liberalismo econômico e político, seja porque os operários tinham perdido
o direito de se organizar para se defender, seja porque o Estado os tinha
abandonado à própria sorte. Ora, diante desse fato, perguntou-se: o socialismo
seria uma opção justa e legítima diante do chamado “capitalismo selvagem”? Não,
disse Leão XIII. “Os socialistas, para
curar este mal, (a questão operária) instigam nos pobres o ódio invejoso contra
os que possuem” (RN 7) Suas ideias, acrescenta, não iriam ajudar os pobres.
(...) “Semelhante teoria, longe de por
termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática.
Outrossim, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos
proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa
da ordem social” (RN 8).
O socialismo aqui condenado
é aquele que defendia a abolição da propriedade privada dos meios de produção, em
que os bens passariam a ser comuns, em que o Estado viria a ser o grande
administrador da economia. Na época era apenas uma doutrina, um movimento, cujo
ideal só foi colocado em prática, pela primeira vez, com a sangrenta revolução
bolchevista russa de 1917. A partir daí
a Igreja não vai enfrentar apenas doutrinas nefastas. Vai ter que se defrontar
com a concretização delas, com governos brutais, totalitários. Inicialmente o
comunista, depois o totalitarismo nazifascista. A todos condenou em suas
encíclicas (2). Por todos foi perseguida. Milhares de católicos fiéis foram despojados de seus direitos e até
martirizados.
Contudo, já no final do
século XIX surgiram novos socialismos chamados pós marxistas. Nasceu o
socialismo revisionista. Foram negados pontos importantes da doutrina do velho
Marx. O objetivo passou a ser melhorar o sistema vigente e não preparar uma
revolução. Criticou a teoria e a prática canalizando o ímpeto revolucionário
para uma política realista (realpolitik) (3).
Lembremos também que na
evolução dos socialismos tivemos o surgimento da social democracia que nasce do
marxismo mas vai colaborar para o surgimento dos Estados de bem estar social. Em
partidos com tal bandeira não se fala mais do socialismo defendido por Marx.
Mesmo assim, diz o historiador Paul Hugon, a ideia da propriedade coletiva
ainda encontra partidários, mas é mais uma esperança do que a crença que um dia
será alcançada (4).
O resultado é que novos
socialismos surgiram. Alguns até considerados bem humanistas e até religiosos
(5).
Com todas essas mudanças era
natural que se perguntasse se já aparecera um socialismo bom, um socialismo que
pudesse ser apoiado pelos católicos. Eis o que diz Pio XI na “Quadragésimo
Anno”:
Papa Pio XI |
"E se o socialismo estiver tão moderado no tocante a luta de
classes e a propriedade particular, que já não mereça nisto a mínima censura?
Terá renunciado por isso a sua natureza
essencialmente anticristã? (...) Para lhes respondermos, como pede a Nossa
paterna solicitude, declaramos: o socialismo, quer se considere como
doutrina, quer como fato histórico, ou como "ação", se é verdadeiro
socialismo, mesmo depois de se aproximar da verdade e da justiça nos pontos
sobreditos, não pode conciliar-se com a doutrina católica, pois concebe a
sociedade de modo completamente avesso a verdade cristã. (...) " (QA 117 e
120)
"Socialismo religioso, socialismo cristão, são termos contraditórios:
ninguém pode ao mesmo tempo ser bom católico e socialista verdadeiro" (QA
119) (Destaque nosso).
Isso foi dito há 87 anos. De lá para cá o socialismo foi adquirindo
novas nuances. Será que já não houve uma mudança substancial que nos autorize a
apoiá-lo ou sua natureza, como disse o Papa, continua “essencialmente
anticristã”? Quem nos responde é João Paulo II na encíclica Centesimus Annus. É
o que veremos na segunda parte do artigo.
Notas e bibliografia
1.
Dá-se o nome de católicos sociais aos
intelectuais católicos do século XIX – do clero e do laicato – que procuraram
uma alternativa para a questão social tendo como base os princípios católicos
sobre a sociedade. .
..
2.
São todas encíclicas do Papa Pio XI
MIT BRENNENDER SORGE, de 14 de março
de 1937. Condena o nazismo.
DIVINI REDEMPTORIS, de 19 de março de
1937, que condena o comunismo marxista.
NOS ES MUY, de 28 de março de 1937, endereçada aos bispos
mexicanos
NON ABIAMO BISOGNO, de 29 de junho de
1931. Sobre o fascismo e a Ação Católica.
3.
HUGON, Paul. História das Doutrinas
Econômicas,14 ed. São Paulo, Atlas, p. 247.
4.
Exemplos de socialismo: Socialismo Fabiano,
socialismo cultural, socialismo educacional, socialismo religioso, socialismo
personalista, socialismo democrata. Os chineses dizem que adotam agora um
socialismo de mercado.
Enciclicas citadas
Rerum Novarum (RN). Leão XIII – 1891
Quadragesimo Anno (QA). Sobre a
Restauração e Aperfeiçoamento da Ordem Social. 40º aniversário da Rerum Novarum.
Pio XI – 1931
Centesimus Annus (CA). No Centenário
da Rerum Novarum - 1991
5. Quadragesimo Anno (QA). Pio XI - 1931
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