A
confusão sobre o pronunciamento do Papa Francisco
Valter de Oliveira
Tudo começou quando a mídia publicou a seguinte frase do
Santo Padre:
“A tradição cristão nunca
reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e
salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada”
Muitos julgaram o texto
surpreendente, ou melhor, decepcionante, errado. Especialmente gente que utilizou os meios
sociais para expressar seu desacordo. Os mais nervosos chegaram a chama-lo de
comunista... Entre estes vi alguns fazendo questão de afirmar que eram
católicos mas que não podiam deixar de protestar ao ver um Papa proferir
palavras que eram contra o ensinamento da Igreja! Aí os escandalizados resolveram
escandalizar outros.
Surge a questão: um católico
não pode protestar contra autoridades da Igreja?
Protestar não é a palavra mais adequada mas, sem dúvida, ela permite que os fiéis possam se expressar. Evidentemente com o respeito e a reverência que devemos ter diante dos sucessores dos apóstolos. Reverência ainda mais necessária quando nos dirigimos ao representante de Cristo na terra. (1) A importância da participação dos leigos na igreja, inclusive pedindo explicações ou providências á hierarquia, foram particularmente afirmados no Vaticano II. Há também documento da CNBB a respeito.
Isso quanto à forma. Quanto ao
conteúdo ele precisa entender bem do assunto tratado e precisa - com a razão e
a fé - expor no que a autoridade legítima possa ter se equivocado.
Infelizmente muitos protestos
não tiveram nada disso. Erraram. E muito.
Primeiro ponto: As palavras
citadas são a reprodução do que o Papa dissera na encíclica Laudato Si de 2015,
no ponto 107. Depois cita outros dois Papas, Paulo VI e João Paulo II. Cita
também o manual de Doutrina Social Católica, ponto 172, publicado pelo Conselho
Pontifício Justiça e Paz por ordem de João Paulo II em 2004 e que explica muito
bem toda a questão.
Segundo ponto: tal ensinamento
não é só dos últimos Papas. É doutrina constante da Igreja.
Agora vejam o texto completo
do ponto 120 da encíclica Fratelli Tutti:
120. Faço minhas e volto a propor a todos algumas palavras de São João
Paulo II, cuja veemência talvez tenha passado despercebida: «Deus deu a terra a
todo género humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir
nem privilegiar ninguém».[94] Nesta linha, lembro que «a tradição cristã nunca reconheceu como
absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função
social de qualquer forma de propriedade privada».[95] O princípio do uso comum dos bens criados
para todos é o «primeiro princípio de toda a ordem ético-social»,[96] é um direito natural, primordial e
prioritário.[97] Todos os outros direitos sobre os bens
necessários para a realização integral das pessoas, quaisquer que sejam eles
incluindo o da propriedade privada, «não devem – como afirmava São Paulo VI –
impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização».[98] O direito à propriedade privada só pode ser
considerado como um direito natural secundário e derivado do princípio do
destino universal dos bens criados, e isto tem consequências muito concretas
que se devem refletir no funcionamento da sociedade. Mas acontece muitas vezes
que os direitos secundários se sobrepõem aos prioritários e primordiais,
deixando-os sem relevância prática. (2)
Fica
uma pergunta: quantos que saíram criticando o Papa pelas redes sociais leram a encíclica? Ou pelo menos o texto?
Quantos já leram pelo menos um livro de Doutrina Social da Igreja? “Argumentam”
baseados em quê?
Não sei. O que sei é que nas próximas postagens vou explicar porque o texto acima é conforme o que sempre foi ensinado cristalinamente pela Igreja.
1. A importância da participação dos leigos na igreja, inclusive pedindo explicações ou providências á hierarquia, foram particularmente afirmados no Vaticano II. Há também documento da CNBB a respeito. Tal participação é até estimulada.
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