domingo, 7 de dezembro de 2008



JÓ E O HOMEM DO RIFLE

Valter de Oliveira



Tinha por volta de uns 14 anos. Assistia sozinho um seriado de televisão: “O Homem do Rifle”. Chuck Connors era o ator que representava Lucas Mccain, um vaqueiro que vivia com seu filho, ainda menino, em algum lugar do velho oeste. Por alguma razão, que não me lembro, o garoto estava triste. Talvez estivesse com dificuldades em entender as injustiças e misérias deste mundo. O pai sentou-se ao lado dele e começou a contar uma história. Era a história de Jó. Foi a primeira vez que eu a ouvi. Foi curta, como acontece nos filmes. Mas foi o suficiente para me marcar e me encher de encanto por um livro encantador da Sagrada Escritura. Parece que ainda sinto a voz de Connors dizer em voz grave e terna:


-Havia um homem na terra de Hus, que era justo e reto. Amava a Deus e detestava o mal...

Deus permitiu que o demônio o tocasse e perdesse todos os seus bens, até seus filhos e filhas. E no meio da dor, arruinado, Jó exclamou: “Deus me deu, Deus me tirou, bendito seja o nome de Deus.” Fiquei petrificado e extasiado. Curioso que eu não praticava minha fé. Nem mesmo tinha feito minha primeira comunhão.

Passaram-se alguns anos. Aos 16, comunguei. Aos 17 recebi o Crisma. Foi então que comecei a ver cada vez mais a beleza divina da Igreja. E um belo dia, já por volta de meus 20 anos, voltei a ouvir a história de Jó. Agora de forma mais profunda, mais bela, baseada no “De moralis” de S. Gregório Magno. E, por alguma razão, ficou em minha mente uma outra frase (1) que Jó teria dito aos amigos que o criticavam. Ele, todo chagado, simbolizando Cristo, sentado sobre um monte de escombros, raspando suas feridas com um pedaço de telha, teria exclamado:

“Bendito o dia que me viu nascer, benditas as estrelas que me viram pequenino! Bendito o dia em que se disse: nasceu um varão”

Por que estou aqui, tantos anos depois, a confidenciar meus sentimentos?

Porque creio que é uma imensa lição de vida. Como é belo saber enfrentar a dor, como é grandioso saber carregar a cruz. Aceitar o fardo inevitável. Dobrar-se sob seu peso, mas não quebrar. Receber recriminações, injustiças, abandono. Não temer nem o desprezo nem o esquecimento. E continuar sendo íntegro e reto. “Reparaste em meu servo Jó, que não há igual a ele?”

Ainda agora, em nosso Brasil, tivemos o exemplo de tantas pessoas que muito perderam. Alguns, como Jó, perderam não só seus bens adquiridos com tanto esforço e luta, mas também seus entes mais queridos. Todos vimos imagens muito fortes, de muita dor. Vimos pessoas esperando contra toda a esperança. Homens e mulheres que tinham fé que iriam recomeçar suas vidas. Vi realmente muitas lágrimas. Não vi revolta. Por mais que tenham sido tentados. E por isso creio, que com a ajuda de seus irmãos por todo o Brasil, com nossas orações, também serão recompensados como Jó.



Mas, em nosso mundo há outros males. Eles também pesam sobre nós. Falo da injustiça fruto de tantas indiferenças, da imoralidade que campeia, do aparente triunfo revolucionário de todos os que defendem a cultura da morte. Eles são astutos. Sabem o que querem. Têm por estratégia pintar o mundo pior do que é. E criam um manto de fuligem que cobre nossas almas e convida-nos ao desânimo.

Vamos sucumbir?

Tenho visto homens e mulheres vergados sob o peso de suas preocupações morais. Há poucos dias vi um homem cheio de energia, mas muito preocupado, perguntar quase aflito: “que mundo vamos legar a nossos filhos?” E vi também um senhor já avançado em anos, figura respeitável, desses que é capaz de dar com alegria a vida por seu país e por seu povo indagar: “Haverá tempo para fazermos o que deve ser feito?”

O tempo é a vida de cada um de nós. E temos que preenchê-la de sentido.

Creio que é bom lembrar-se de Jó e seguir seu exemplo. É preciso saber entender a dor, ver e não temer o mal. Manter a fé, a esperança, a caridade. Saber ver sob as aparências. Somos testemunhas disso. Há junto de nós exemplos de dedicação, de honestidade, de humildade, e de entregas que são exemplares. Olhemos nossa esposa e nossos filhos; nossos amigos e colegas, até desconhecidos, cujas virtudes conheceremos só no fim dos tempos. Sim, sem dúvida, há muito mais bem sendo feito do que imaginamos.

Por tudo isso temos que manter o otimismo e a alegria de quem ama o bem. Lutar por um mundo mais justo e mais fraterno é dever de todos nós. Luta que só tem verdadeiro valor se for iniciada em nós mesmos. Combatendo nosso egoísmo e nosso amor próprio; na epopéia do dia a dia, do dever cumprido a cada momento. Quem passa a vida lutando pelo bem é sempre vitorioso, ainda que morra no campo de batalha.

Que o exemplo de Jó anime a todos nós. Que todos possamos um dia exclamar:

Bendito o dia que nos viu nascer, benditas as estrelas que nos viram pequeninos!



(1). Não encontrei a frase no livro de Jó. Contudo, ela corresponde perfeitamente ao espírito do grande patriarca. De qualquer modo tem sempre me ajudado. E muito!

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