terça-feira, 14 de abril de 2020

DSI 5. LIBERALISMO RELIGIOSO E POLÍTICO



O LIBERALISMO RELIGIOSO


Ao tratar do tema D. Estevão Bettencourt vai buscar sua origem na Reforma Protestante. Claro que, na época, não se usava a expressão "liberalismo religioso". Na verdade, seu objetivo é mostrar a origem da questão da liberdade religiosa tal como seria entendida, mais tarde, pelos liberais. Eis suas palavras: 

"Lutero proclamou o livre exame da Biblia, ou seja, a recusa de qualquer autoridade visível que orientasse a leitura das Escrituras Sagradas; cada crente deveria perceber dentro de si, pelo testemunho meramente interno do Espírito Santo,o sentido da palavra de Deus. Com isto Lutero deu início a uma nova mentalidade dentro do setor religioso - mentalidade individualista e subjetivista. Eis, porém, que quando a fé no testemunho interno se acentuou (como no protestantismo do século XVIII), cada indivíduo ficou com a liberdade de julgar os valores da Religião sem controle superior à sua própria razão; daí dizer-se que tanto faz abraçar esta ou aquela religião ou mesmo recusar qualquer religião. Em última análise, todas as religiões seriam boas; dir-se-ia que é o homem quem as faz, quem as julga, quem as condena, em vez de ser condenado pela religião".

"Tais ideias repercutiram em certas correntes bíblicas dos sécs. XVIII e XIX, favorecendo exageros nas críticas dos livres sagrados. Em consequência, notáveis autores dedicados ao estudo das Escrituras chegaram a negar a divindade de Cristo". (...)

"Pio IX, no Sílabo, condenou a proposição nº 4, conforme a qual a razão seria a soberana norma para se julgar qualquer tipo de verdade" (1)

(...)

O LIBERALISMO POLÍTICO

E sua ligação com o iluminismo

Tal liberalismo é decorrência dos princípios liberais em filosofia e religião. Na verdade o grande ideal da liberdade passou a ser entendido de modo diverso do que a Igreja sempre ensinara. No campo das leis, por exemplo, ela ensinava que o homem deve obediência à Lei Eterna, à Lei Natural, à lei Divino-positiva (ex: os mandamentos). Mais ainda, o Estado também seria obrigado a seguir todas essas leis. Isso, em grau maior ou menor, será negado pelo liberalismo iluminista que considerava que muito do que a Igreja ensinava era obscurantista. É o  que vemos na seguinte citação:


" ...A vida e os costumes, a sociedade, a economia e a política dependem de "leis naturais"  (1) que a razão humana pode e deve descobrir eliminando os obstáculos dos "preconceitos" acumulados por séculos de ignorância. Se se aplica essas leis, a humanidade verá, enfim, se abrir diante dela uma era de felicidade.  O filósofo (iluminista) é o sábio que procura essas leis e pensa abrir assim o caminho para o futuro".

"Para  o filósofo, o cristianismo é contra a natureza porque ele louva o sacrifício e a submissão; ele ofende a razão pela fé nos mistérios; ele é um obstáculo à felicidade terrestre. Certamente, numerosos filósofos ainda creem em Deus, mas é um Deus longínquo, inacessível, um "grande arquiteto do universo" que não intervém em sua marcha; a oração é para eles ridícula, inútil e absurda. De todos os "preconceitos", o "preconceito" religioso é o mais assustador"  (2)

Em suma, o liberalismo, assim entendido, entrou em choque com a Igreja. Principalmente o de orígem francesa, fortemente anticlerical, que vai ser exacerbado durante a Revolução Francesa.(3) Depois, no século XIX, ele continua sua forte luta contra a Igreja. Esta reage com várias condenações ao liberalismo tanto no campo estritamente filosófico quanto no político e religioso. 

Apesar disso tudo, mesmo nos meios católicos, houve quem defendesse que era possível um liberalismo católico. Um dos mais famosos foi o pensador francês Lamennais. Na época, suas ideias foram condenadas. (4)

E hoje? Não teria havido uma mudança tanto dos liberais quando da Igreja?

É o que veremos depois de explicarmos a posição católica diante do capitalismo.
Notas: 

1. BETTENCOURT, Estevão. Curso de Doutrina Social da Igreja, p. 144.

2. BRELINGARD et alii. Histoire, le monde de1715 a 1870. Paris, Hachette, 1966, p. 26.

3. Como dissemos no começo do primeiro artigo o liberalismo sofreu muitas transformações em seu processo histórico. Liberais, como Antonio Paim, discutem muito bem suas várias faces. Ele critica o liberalismo francês rousseauniano que estaria ligado à fase jacobina da Revolução Francesa. Liberalismo que tinha em suas raízes o totalitarismo. Também faz uma distinção entre liberalismo inglês e democratismo francês.  

4. Lamennais, em política, advogava a separação do Estado da Igreja, a liberdade de consciência, educação e imprensa. O Papa Gregório XVI desautorizou as opiniões de Lamennais na Encíclica Mirari vos, em agosto de 1831. A partir de então, Lamennais passa a atacar o Papado e as monarquias. Foi finalmente condenado na Encíclica papal Singulari vos, em julho de 1834. Foi excluído da Igreja. Na hora de sua morte se recusou a aceitar a reconciliação. 



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